- César Menor-Salván
- The Conversation*
O dia 8 de dezembro de 2020 foi de comemorações na cidade de Sagamihara, no Japão.
Naquele dia, chegou ao campus da Agência Japonesa de Exploração Espacial (JAXA) a cápsula de retorno com amostras do asteroide 162173 – Ryugu, coletadas pela sonda da missão Hayabusa 2.
O feito não só foi um grande sucesso para a tecnologia da exploração espacial, mas também colocava à disposição dos cientistas amostras estéreis retiradas diretamente da superfície de um asteroide no espaço, sem alterações nem contaminação.
Essa é a diferença com relação às amostras de meteoritos, que sofreram o impacto da Terra, exposição ao ambiente e manipulação por muitas pessoas.
E o entusiasmo era também justificado por parte dos estudiosos da origem da vida, que se perguntavam quais surpresas Ryugu nos reservava a este respeito.
Essa pergunta começou a ser respondida com a publicação das primeiras análises dos compostos orgânicos nas amostras de Ryugu. E os resultados são importantes.
Esclarecemos que elas não fornecem provas de que a vida teria chegado à Terra a bordo de meteoritos (panspermia). Também não nos ajudam (por enquanto) a entender melhor qual foi a sua origem, nem comprovam que o impacto de meteoritos foi necessário para isso.
Mas os resultados publicados são uma boa notícia para os estudiosos que tentam entender a química prebiótica – ou seja, os processos químicos que ocorreram antes da existência da vida.
Por que o asteroide Ryugu é tão interessante?
Uma das respostas é o carbono. Ryugu é um asteroide tipo C, rico em carbono e compostos orgânicos.
Esses objetos existem em grande quantidade no cinturão de asteroides, uma região situada entre os planetas Marte e Júpiter, onde se encontra entre outros, o planeta anão Ceres.
Acredita-se que os meteoritos do tipo condrito carbonáceo, como os famosos meteoritos de Allende e Murchison, sejam fragmentos de asteroides tipo C. Esses asteroides encontram-se entre os objetos mais antigos do Sistema Solar.
O material carbonáceo que eles contêm é o resultado de um longo processo químico, desenvolvido a partir da formação da matéria orgânica na nuvem molecular e na nebulosa protossolar, até o crescimento dos protoplanetas e a exposição do asteroide a milhões de anos de radiações cósmicas.
As amostras coletadas no asteroide Ryugu nos fornecem pistas sobre os compostos orgânicos formados e acumulados nos objetos do Sistema Solar e sua evolução. Elas também nos informam sobre os precursores químicos disponíveis na Terra primitiva da era prebiótica, a partir dos quais, graças à água, ao ambiente e à geologia terrestre, pôde surgir a vida após uma complexa rede de processos químicos a que chamamos de evolução química.
Os compostos orgânicos do asteroide Ryugu
As amostras analisadas do asteroide Ryugu contêm cerca de 3,7% de carbono. A maior parte encontra-se na forma de material não muito diferente do carvão, mas elas também contêm carbono na forma de moléculas orgânicas que, com a ação da água, liberam aminoácidos. Entre elas, foram identificadas a glicina, alanina, beta-alanina e alfa-aminobutirato.
De forma geral, os compostos identificados não são surpreendentes – mas esta é exatamente a razão da sua importância. Os aminoácidos são os componentes das proteínas dos seres vivos e, por isso, sua presença no espaço sempre foi sugestiva.
O primeiro experimento realizado para entender como surgiram as primeiras proteínas foi conduzido pelo bioquímico alemão Walter Löb em 1913. Nele, Löb obteve grande quantidade de glicina por meio de descargas elétricas em uma atmosfera primitiva simulada.
Desde então, sabemos que os aminoácidos são formados com facilidade a partir de gases simples. Por isso, imaginamos que eles estariam disponíveis em grande quantidade no inventário químico do Sistema Solar.
O cientista norte-americano Stanley Miller identificou glicina, alanina, beta-alanina e alfa-aminobutirato na mistura orgânica obtida no seu célebre experimento de 1953. Foi por acaso? Não, pois os processos químicos que causam a formação de aminoácidos possivelmente são imutáveis e universais.
No caminho até a vida em um planeta (como ocorreu na Terra e pode ter ocorrido em Marte), é provável que se parta de um inventário químico similar, com aminoácidos e outros compostos bem conhecidos. E o asteroide Ryugu nos fornece uma amostra valiosa desse inventário.
As regras da química talvez limitem as possíveis excepcionalidades e não seja surpreendente que estruturas proteicas similares àquelas que conhecemos sejam uma característica universal.
A bioquímica potencial não é uma questão de combinações ao acaso. As regras da química não se aplicam apenas ao inventário de precursores, como o exibido por Ryugu.
Na evolução química até a vida, ocorrem processos de seleção molecular e compressão combinatória que limitam a variedade das composições e estruturas. Considerando uma quantidade de aminoácidos iniciais, por exemplo, proteínas não surgem ao acaso dentre as estatisticamente possíveis, mas sim existem regras que determinam as estruturas resultantes.
Se somarmos a universalidade dos precursores às regras da evolução química, é possível que, no dia em que a humanidade vier a descobrir vida extraterrestre, possamos reconhecer similaridades na sua composição molecular.
O asteroide Ryugu nos conta que os esforços realizados em um século de química prebiótica fazem sentido. Ele mostra que, no laboratório, podemos prever a química dos objetos celestes.
Pouco a pouco, vamos nos aproximando da formulação de uma teoria da evolução química, que formará o primeiro (ou talvez o último) capítulo dos livros de bioquímica.
* César Menor-Salván é professor-doutor em bioquímica e astrobiologia do Departamento de Biologia de Sistemas da Universidade de Alcalá, na Espanha.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Você precisa fazer login para comentar.