- Author, Thomas Suddendorf, Jon Redshaw e Adam Bulley
- Role, BBC Future
No início de 2020, na cidade alemã de Krefeld, uma mãe e suas duas filhas escreveram desejos de Ano Novo em seis lanternas de papel e as deixaram voar.
A visão de lanternas subindo ao céu lentamente, iluminadas por velas no interior, seduziu as pessoas ao longo dos tempos. No entanto, quando esta família estava imaginando seu futuro, não previu o que aconteceria mais tarde naquela noite.
As lanternas foram se afastando e finalmente chegaram à jaula de macacos no zoológico de Krefeld. As chamas incendiaram o local, deixando dezenas de primatas mortos, incluindo dois gorilas, cinco orangotangos e um chimpanzé.
A capacidade humana de previsão nunca será 100%. Mas isso não significa que estamos condenados a repetir os erros de ontem.
Não podemos prever onde nossas lanternas soltas ao céu vão pousar e, portanto, é por um bom motivo que elas se tornaram ilegais em tantos países.
Nossas mentes também podem reconhecer que muitos supostos avanços da humanidade, motivados por nossos desejos de um futuro melhor, vêm com consequências nada inofensivas: florestas estão queimando, geleiras estão derretendo e a biodiversidade está em declínio.
Estamos extraindo aceleradamente tudo o que queremos do planeta e deixando montanhas de lixo em troca. Nosso lixo pode ser encontrado nas fossas marinhas mais profundas e nos confins da atmosfera.
A atividade humana, impulsionada por tramas e planos, impactou o planeta de uma forma tão dramática que os cientistas declararam uma nova época geológica: o Antropoceno.
Como nossa capacidade de pensar no futuro — e suas falhas — nos trouxeram a esse ponto? Isso pode mostrar a saída para os nossos problemas?
Recentemente, publicamos um livro chamado The Invention of Tomorrow (“A invenção do amanhã”, em tradução livre), que busca respostas para essas perguntas e muito mais.
É sobre a notável habilidade de previsão dos seres humanos e todas as maneiras com as quais ela transformou o mundo, para melhor e para pior.
Quando nossos ancestrais hominídeos aprenderam a pensar sobre o futuro, isso foi uma virada de jogo, não apenas para nós, mas também para o planeta.
Na mitologia grega, a humanidade ganhou seus distintos poderes quando a figura de Prometeu nos deu um presente: o fogo dos céus.
Não há dúvida de que sem a chama, nossa espécie nunca teria prosperado — mas talvez o que seja menos conhecido nessa história é que o nome Prometeu tem um significado próximo a “previsão”.
Nas últimas duas décadas, pesquisas científicas trouxeram cada vez mais evidências sobre a base cognitiva da nossa capacidade de “viajar mentalmente no tempo”.
A memória e a previsão têm muitos pontos em comum, e o comprometimento de uma tende a afetar o outra.
As crianças gradualmente adquirem a capacidade de dirigir suas máquinas mentais do tempo para o passado e o futuro por volta da mesma idade e, no final da idade adulta, a memória e a previsão também tendem a declinar juntas.
Mas é claro que existem diferenças profundas entre o passado e o futuro, principalmente o fato de que o futuro é incerto. Uma das razões pelas quais a previsão humana é tão poderosa é que podemos pensar em várias versões de como o futuro pode ser, permitindo-nos comparar nossas opções e tomar melhores decisões no presente.
A previsão está intimamente ligada ao que significa ser humano: é fundamental para as noções de responsabilidade moral, de senso de livre arbítrio e está nas nossas ansiedades mais profundas.
A capacidade de pensar sobre o futuro pode ser rastreada até o Pleistoceno. Podemos ver pistas do desenvolvimento das capacidades de previsão dos nossos ancestrais na forma de ferramentas de pedra cuidadosamente trabalhadas e restos de fogueiras.
Prevendo o que poderia estar por vir, eles montaram lanças com pedras, sabendo que mais tarde poderiam usá-las para matar à distância, e criaram objetos móveis que permitiriam transportar coisas para diferentes pontos no espaço e no tempo.
Nos milênios seguintes, os humanos continuaram adquirindo habilidades relativas à previsão, moldando a si mesmos e a seu destino.
Eles observaram as regularidades de seu mundo e inovaram com ferramentas como calendários, o dinheiro e a escrita. Estes, por sua vez, melhoraram drasticamente a capacidade de coordenar eventos futuros. Mais e mais pessoas plantaram sementes que só seriam colhidas meses depois.
Muito mais tarde, a aplicação disciplinada da previsão, através do método científico, tornou-se a chave para inaugurar a era moderna.
O método científico envolve essencialmente três etapas: os dados devem ser coletados por meio da observação ou da experimentação; explicações para esses dados devem ser geradas; e, finalmente, hipóteses devem ser derivadas dessas explicações e colocadas à prova.
A previsão é parte integrante desse processo: o trabalho dos cientistas é fazer e testar previsões. Se elas não forem consistentemente confirmadas, as hipóteses são substituídas ou corrigidas.
O método científico criou novos caminhos para se prever o futuro — como para saber o que ocorrerá com as marés ou com o clima. No século 17, Robert Hooke vislumbrou como a ciência poderia ser usada para melhorar drasticamente a vida humana.
Hooke arriscou afirmar que, um dia, “podemos ser capazes de ver as mudanças no clima a alguma distância antes que elas se aproximem de nós e, assim, podemos ser capazes de prever e prevenir muitos perigos que podem ser evitados, e o bem da humanidade seria promovido”.
Com mais previsões, as pessoas também ganharam controle crescente sobre o futuro, colocando os humanos em um curso de revolução tecnológica radical. Sem elas, não teríamos visto a Revolução Industrial — com suas máquinas a vapor, mineração de carvão e fábricas têxteis.
A noção de uma relação íntima entre ciência, tecnologia e “progresso” rapidamente se espalhou — assim como a poluição e as más condições de trabalho, sem falar na escravidão, na exploração colonial e na guerra com armas cada vez mais sofisticadas.
As inovações continuaram, trazendo eletricidade, combustão interna, telecomunicações e, por fim, microchips, satélites e armas de destruição em massa.
Para o bem ou para o mal, a previsão transformou o mundo. A população de Homo sapiens explodiu após a Revolução Industrial, saindo de cerca de 1 bilhão de pessoas há 200 anos para cerca de oito vezes esse número agora. Nós superamos em muito a população de todos os outros primatas combinados. Os mamíferos mais numerosos no planeta hoje são aqueles que cultivamos.
E nosso impacto na Terra não se restringe a nossos próprios organismos. O peso combinado de produtos materiais humanos (prédios, estradas, computadores, lâmpadas, lixo…) foi estimado em 30 trilhões de toneladas.
Isso não quer dizer que descobertas científicas não tenham trazido muitos benefícios. Graças aos avanços da medicina, por exemplo, bem como em aspectos relacionados, como higiene, segurança e saúde pública, os bebês nascidos hoje podem esperar viver cerca de duas vezes mais do que os nascidos há apenas um século.
Imagine enfrentar uma operação sem nada para anestesiar a dor. Mesmo reis e rainhas em qualquer ponto da história, exceto no último século aproximadamente, não tinham a expectativa de vida que os cidadãos da maioria dos países têm hoje e nem acesso a anestésicos.
Ainda no século 18, cinco monarcas europeus no poder morreram de varíola. Mas a medicina moderna deu aos humanos um novo controle sobre sua própria biologia: a capacidade de curar ferimentos e doenças, e até mesmo prevenir problemas antes que eles surjam.
Muito do nosso progresso foi possível porque as pessoas previram um mundo melhor, comunicaram-se sobre isso e cooperaram para criá-lo. Pensar no futuro desempenhou um papel essencial no progresso humano e contribuiu para nos trazer muitas coisas pelas quais podemos ser gratos.
Prever, porém, é uma habilidade imperfeita.
A vida pública está repleta de figuras importantes que falharam em prever o que hoje parece óbvio.
Albert Einstein afirmou em 1932 que “não há a menor indicação de que a energia [nuclear] será obtida um dia”, enquanto o presidente da empresa de aspiradores Lewyt Corp previu em 1955 que “aspiradores movidos a energia nuclear provavelmente serão uma realidade em 10 anos”.
O diretor geral do Correio dos EUA declarou em 1959 que “antes que o homem chegue à Lua, a correspondência será entregue em poucas horas por mísseis guiados de Nova York à Califórnia, à Grã-Bretanha, à Índia ou à Austrália”.
E quando o homem pousou na Lua pela primeira vez, muitas pessoas previram que haveria colônias lunares até o final do século, com Vênus e Marte prontos para novas ondas de colonização. Enquanto isso, pouca gente previu o que de fato iria transformar grande parte de nossas vidas: a internet e os smartphones.
A falha em prever também pode ter consequências traiçoeiras. Para facilitar o funcionamento dos motores dos carros, o inventor Thomas Midgley Jr. introduziu chumbo na gasolina, que ele não previu que produziria um dos piores poluentes do mundo. Ele também não previu que o CFC (clorofluorcarbono) que introduziu nos refrigeradores seria uma das principais causas da destruição da camada de ozônio.
Como disse um historiador ambiental, Midgley “teve mais impacto na atmosfera do que qualquer outro organismo na história da Terra”.
Evidentemente, muitas de nossas soluções inovadoras para problemas criam novos problemas que exigem novas soluções.
Em outros casos, o potencial de desastre deveria ter sido fácil de prever. Infelizmente, a tragédia das lanternas no zoológico de Krefeld não foi uma anomalia.
Veja o Balloonfest ’86, quando uma organização de caridade em Cleveland, nos EUA, tentou conquistar um recorde mundial do Guinness ao lançar 1,5 milhão de balões cheios de hélio no céu. Após seis meses de planejamento cuidadoso, milhares de pessoas se reuniram em uma tarde de sábado para assistir ao evento. As crianças encheram e amarraram balões com entusiasmo por horas.
Então, por volta das 14h, os balões foram soltos em praça pública. Em retrospectiva, parece impensável que essa façanha tenha sido permitida – é como se ninguém envolvido tivesse sido capaz de prever as agora óbvias consequências que estavam prestes a acontecer.
Logo, a cidade e os arredores foram abarrotados pelo lixo que caía; milhares de balões foram parar na pista do aeroporto da cidade, interrompendo o tráfego aéreo. Milhares de balões causaram estragos nas estradas. Dois pescadores perdidos se afogaram enquanto equipes de resgate não conseguiam localizá-los entre todos os balões flutuando no Lago Erie.
Muito além desse episódio, décadas de descarte de lixo deixaram as águas do mundo repletas de materiais produzidos pelo homem. Quem lê as notícias em 2023 não pode mais alegar desconhecer o impacto ambiental da humanidade.
Mas, até o início do século 19, as pessoas em geral nem mesmo sabiam que as espécies poderiam ser extintas, muito menos ser levadas à extinção por nossas próprias ações. Como relata a jornalista Elizabeth Kolbert, apesar do desaparecimento da ave dodô nas Ilhas Maurício ter sido observado um século após sua descoberta, a possibilidade da extinção só foi compreendida no decorrer do século 19, quando ossos do mastodonte foram descobertos.
Esses fósseis pertenciam a uma espécie vistosa demais para ter sido ignorada se ainda estivesse viva. Somente sabendo da possibilidade de extinções podemos planejar evitá-las.
Reduzir nosso impacto na natureza exige formas cada vez mais sofisticadas de previsão. Em vez de sermos movidos por intuições ou apelos emocionais despertados por golfinhos, pandas, tigres e outras espécies carismáticas, agora podemos analisar sistematicamente os custos e benefícios previstos em diferentes caminhos de ação.
Por exemplo, considere como temos lidado com os oceanos. Em 2010, o Plano Estratégico das Nações Unidas para a Biodiversidade estabeleceu uma meta para proteger pelo menos 10% dos oceanos do mundo. Mas nem todas as águas oceânicas são iguais. As da Austrália, por exemplo, contêm o maior sistema de recifes do mundo, onde cerca de 600 tipos de corais criaram cerca de 3.000 recifes em uma extensão de mais de 340.000 km².
Assim, pesquisadores australianos desenvolveram o algoritmo Marxan, uma abordagem científica para o planejamento da conservação que tem sido usada para recuperar a Grande Barreira de Coral. O sistema pioneiro incorpora grandes quantidades de dados biológicos e econômicos para potencializar os esforços da conservação. Hoje, o software é usado em mais de 120 países.
Quando traçamos o futuro da nossa relação com a natureza, muito depende daquilo que valorizamos e queremos alcançar. Seremos confrontados com duras decisões morais. A ciência pode nos ajudar a planejar o futuro, mas cabe a nós escolher qual caminho seguir.
Também podemos aprender com nossos erros. Afinal, os balões não podem mais ser lançados para fins comemorativos em Cleveland, e a União Europeia finalmente proibiu os plásticos de uso único em 2021.
Todos os países do mundo pararam de usar combustível com chumbo, 100 anos depois que Midgley o introduziu.
Após a descoberta do buraco na camada de ozônio, pessoas em todo o mundo eliminaram gradualmente o uso dos produtos químicos manufaturados responsáveis por ele — incluindo aqueles no refrigerador de Midgley.
A proibição dos clorofluorcarbonetos foi ratificada por todos os países, e o consumo de substâncias que destroem a camada de ozônio caiu para menos de 1% do que era na década de 1980.
À luz do rápido aumento das temperaturas globais causado pelas emissões de gases de efeito estufa, o Acordo de Paris de 2016 fez governos de todo o mundo se comprometerem com ações destinadas a manter o aquecimento global abaixo de 2°C em comparação com os níveis pré-industriais.
Esses esforços globais foram conquistas extraordinárias que incluíram o reconhecimento dos nossos erros, o uso de ferramentas de previsão e a criação de saídas para os nossos problemas. Mas evitar futuras crises exigirá que nossos planos sejam executados.
A previsão humana é uma ferramenta incrivelmente poderosa. Aprendendo a dirigir melhor nossas máquinas mentais do tempo, podemos criar um futuro pelo qual vale a pena esperar.
*Partes deste texto foram uma adaptação de trechos do livro “The Invention of Tomorrow: A Natural History of Foresight” (Basic Books, 2022) de Thomas Suddendorf, Jon Redshaw e Adam Bulley.
Fonte: BBC
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