O maracujá, natural das zonas tropicais das Américas, é nosso! E deve esse nome aos índios tupis. Para eles era um Mara kuya (alimento na cuia) – pelo formato arredondado e sua casca grossa, que parece mesmo com uma cuia. Os espanhóis levaram com eles, à Europa, a fruta e o nome.
Mas os destinos foram diferentes. A fruta foi um sucesso por sua polpa amarelo-escura, sementes muitas e sabor especial. Além de bela flor, que até poemas em seu louvor mereceu. Entre eles “A Flor de Maracujá”, de Fagundes Varela: “Por tudo o que o céu revela,/ Por tudo o que a terra dá/ Eu te juro que minh’alma/ De tua alma escrava está!…/ Guarda contigo este emblema/ Da flor de maracujá!”.
Já o nome se perdeu, nos insondáveis mistérios da língua. Passou então a ser, em (quase) todas “Fruto da Paixão”: em inglês (Passion fruit), francês (Fruit de la passion), italiano (Frutto della passione), finlandês (Passiohedelmä), holandês (Passievrucht). Um nome que vem do século XVIII, quando a primeira muda chegou a Roma, oferecida que foi ao Papa Paulo V. Foi aí então que um certo padre Ferrari, em sua obra “De florum cultura”, a classificou como “Passiflora” ou “Flor da Paixão”. Paixão do Cristo, claro. Por considerar que a flor parecia ter sido criada por Deus, para perpetuar a lembrança do calvário de Cristo.
E sem muito esforço podemos identificar, nessa flor roxa (cor que simboliza dor ou luto), os açoites, os três pregos com que foi crucificado, as cinco chagas e sobretudo a coroa de espinhos. Só que, no fundo, ligar o maracujá (que, todo mundo sabe, dá sono) com paixão (que é fogo quente), resulta quase uma ironia. O que se prova com um conhecido soneto de Camões, que diz: “Amor é fogo que arde sem se ver,/ é ferida que dói, e não se sente;/ é um contentamento descontente,/ é dor que desatina sem doer”.
O Brasil é o maior produtor mundial da fruta, com cerca de 150 variedades. Os de casca enrugada possuem polpa mais doce, enquanto os de casca lisa são mais ácidos. Da polpa, muito apreciada pelo sabor, se faz bolo, calda, musse, sorvete, suco e xarope. É também usado como remédio para insônia, irritabilidade, agitação e ansiedade, atuando diretamente no sistema nervoso central. Por conterem, as folhas e o fruto, um sedativo natural – a passiflora. Como se fosse pouco, o maracujá ainda baixa a taxa de açúcar no sangue.
Sem contar que a farinha, feita de sua casca (rica em pectina), também se revelou excelente bloqueador de gordura, impedindo que o organismo absorva parte desse nutriente presente nos alimentos. Fazendo perder peso, pois. Embora o suco da fruta seja usado como calmante, pelo povo, o que poucos sabem é que a parte do maracujá usada para fazer todos os medicamentos fitoterápicos não é o fruto, mas sim suas folhas – segundo a pesquisadora da Universidade Federal da Bahia, Maria Zélia de Almeida (Revista Ciência Hoje, nº 283). Por fim, falta só dizer que a fruta é também cultura, presente que está em uma de nossas mais antigas expressões idiomáticas: “Engelhado como maracujá de gaveta”. O povo diz “engilhado”, na sua “língua errada, língua certa do povo”, segundo Manuel Bandeira. Seja como for a expressão evoca a forma que essa fruta ganha, quando esquecida nos depósitos em que eram guardadas. Até o começo do século XX. Num tempo em que ainda não havia geladeiras, aviões, celulares, stress, nem engarrafamentos.
GELEIA DE MARACUJÁ
INGREDIENTES
10 maracujás maduros
1 kg de açúcar
3 maçãs
Cravo-da-índia
Noz-moscada (ralada)
PREPARO
· Corte os maracujás ao meio e retire a polpa. Junte água e amasse com a mão. Peneire. Reserve
· Faça um chá com as cascas das maçãs. Coe e reserve duas xícaras
· Junte suco de maracujá, açúcar, chá de maçã, cravos e noz-moscada. Leve ao fogo brando, mexendo sempre, até obter o ponto de geleia
*É pesquisadora de Gastronomia e escreve quinzenalmente neste espaço
Fonte: Folha PE
Autor: Letícia Cavalcante