- Author, James Waterhouse
- Role, Correspondente da BBC News na Ucrânia
Por todo o território ucraniano, acredita-se que 174 mil quilômetros quadrados estejam contaminados por minas terrestres.
Trata-se de uma extensão de terra maior do que a Inglaterra, o País de Gales e a Irlanda do Norte, somados. No Brasil, corresponde a quatro vezes o Estado do Rio de Janeiro.
Na região de Kharkiv, assolada pela guerra, sinais de advertência às vezes são encontrados perto dos campos desertos que, um dia, foram campos de batalha.
As equipes de desativação de minas são poucas. Com seus detectores de metal, elas varrem pequenas áreas demarcadas com fitas – apenas arranhando a superfície, literalmente. Afinal, nesta parte da Ucrânia, foram encontradas mais minas terrestres do que em qualquer outro lugar do país.
A região de Kharkiv – no nordeste da Ucrânia, perto da fronteira com a Rússia – foi ocupada e liberada pelos russos no ano que passou.
Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia lançou sua invasão em larga escala e capturou faixas de território na região de Kharkiv, enquanto também tentava ocupar a própria cidade – a segunda maior da Ucrânia.
Em maio, os russos perderam a batalha por Kharkiv. E, em setembro, eles foram surpreendidos por uma contraofensiva ucraniana.
Os russos espalharam minas terrestres para defender suas posições e retardar os ucranianos. E, depois de saírem às pressas da região, deixaram para trás uma pegada mortal.
Na pequena cidade de Balakliya, em um terreno ao lado de um bloco de apartamentos, a equipe chefiada por Oleksandr Remenets já encontrou seis minas antipessoais. Eles já haviam descobertos cerca de 200 outras minas em locais próximos.
“Minha família me liga toda manhã, dizendo para que eu preste atenção onde piso”, ele conta. “Um dos nossos colegas perdeu o pé no ano passado.”
No dia seguinte à nossa conversa, outro membro da sua equipe foi ferido por uma mina.
Desde setembro de 2022, 121 civis foram feridos somente na região de Kharkiv, segundo o Serviço de Emergência Estatal – 29 foram mortos. Mais de 55 mil explosivos já foram encontrados na região.
Desarmadores de minas como Remenets são considerados “heróis” pelas autoridades regionais. Mas a frustração é profunda, já que seus esforços são reduzidos frente à escala do problema.
Seu alvo principal são as chamadas minas-borboleta, o tipo mais comum na região. Elas têm apenas 7 a 10 cm de largura, têm forma de hélice e são espalhadas por foguetes.
As minas-borboleta são proibidas pela legislação internacional, pois podem ferir e matar civis indiscriminadamente. Mas a proibição não impediu que elas fossem usadas nesta guerra.
Serhiy estava ajudando um amigo a carregar um pequeno guindaste no seu carro, mas não prestou muita atenção a uma árvore de damasco que tinha perto dali. Quando ele andou na direção da árvore, caiu para trás devido a uma explosão.
“Achei que talvez um pneu tivesse estourado”, relembra ele, no seu leito de hospital na cidade próxima de Izium. “Depois, olhei para o meu pé e vi que havia dedos faltando. A sola estava partida e sangrando.”
Serhiy nos conta que sua casa também foi destruída pelos combates.
“Eu costumava ter saúde, andava com os dois pés, fazia coisas, dirigia meu carro”, ele conta. “Em um instante, eu não tinha mais casa, nem pé.”
Serhiy está sob os cuidados do experiente cirurgião especialista em trauma Yuriy Kuznetsov – um homem grande e corpulento, com uma expressão cansada, mas determinada.
Ele continuou trabalhando durante toda a ocupação russa no ano passado e foi o único médico a permanecer no hospital de Izium. Kuznetsov conta que trata de vítimas de minas terrestres todas as semanas.
“Infelizmente, na maioria dos casos, encontrar explosivos desconhecidos traz um final trágico”, segundo ele.
“Perder um membro ou sofrer outros tipos de lesões não é o pior que pode acontecer. Na semana passada, por exemplo, tivemos dois pacientes que descobriram uma mina. Um está aqui, mas o outro morreu”, ele conta.
Alas inteiras do hospital de Izium foram destruídas. Janelas estão faltando ao longo do corredor e os edifícios estão rodeados por sinais de alerta sobre minas.
“Antes da guerra, como todos, eu cuidava muito das coisas materiais da vida”, afirma o cirurgião. “Agora, nós entendemos como ela é transitória. A paz e a saúde são o que importa.”
Retirada de minas pode levar décadas
Segundo o ministério da Economia da Ucrânia, 724 pessoas foram atingidas por minas desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro do ano passado. Destas, 226 foram mortas.
Izium e as regiões vizinhas estão entre os locais que mais receberam minas e o panorama na cidade é sombrio.
A Human Rights Watch acusou a Ucrânia de usar minas antipessoais ilegais nesta região. Kiev afirmou ter seguido a legislação internacional durante sua defesa do país.
A organização já havia acusado a Rússia de usar dispositivos similares em toda a Ucrânia durante a invasão.
O Banco Mundial – que fornece empréstimos a baixos juros aos países que precisam de dinheiro – afirma que a retirada das minas da Ucrânia irá custar US$ 37,4 bilhões (cerca de R$ 190 bilhões). Kiev está tentando convencer o máximo possível de países a ajudar, para que, nas suas palavras, o trabalho “não leve décadas”.
Considerando que o país passou os últimos 70 anos retirando as minas da Segunda Guerra Mundial, será difícil manter o otimismo durante este processo.
Com reportagem adicional de Hanna Chornous e Siobhan Leahy.
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