- Author, Robert Isenberg
- Role, BBC Travel
No condado de Montgomery — no Estado americano de Maryland, perto da capital, Washington D.C. — fica um parque de 47 hectares chamado Matthew Henson State Park Stream Valley Park.
É um oásis florestal arborizado, rodeado pela expansão metropolitana.
Assim que você entra, o ruído do tráfego desaparece. O gramado e as árvores são tudo o que os seus frequentadores conseguem ver, seja caminhando, correndo ou andando de bicicleta.
Uma trilha pavimentada de quase 7 km serpenteia suavemente pela floresta, até chegar a uma passarela de madeira elevada sobre um terreno pantanoso. Pássaros cantam sobre nossas cabeças, e é possível observar os cervos e perus selvagens.
Você pode andar por essa trilha todos os dias sem nunca saber quem foi Matthew Henson, que dá nome ao parque — a menos que você tenha parado para ler uma placa ao longo da trilha que apresenta uma breve cronologia da vida dele:
1866: nasceu no condado de Charles, em Maryland.
1879-1884: integra a tripulação do navio Katie Hines como grumete e sai para explorar o mundo.
1887: auxilia Robert E. Peary na pesquisa para a possível construção de um canal na Nicarágua.
Até que, no meio da linha do tempo, surge um detalhe surpreendente:
1909: chega com Peary ao Polo Norte, onde hasteia a bandeira americana.
No alto da placa, há uma fotografia de Henson envolto em peles e coberto com capuz. Ele tem um bigode espesso, e sua testa está um pouco franzida.
A aparência dele se encaixa no arquétipo do explorador polar em todos os aspectos, exceto um: Henson era negro.
“Quando criança, no meu tempo de escola, nunca ouvi falar de Matthew Henson”, afirma J. R. Harris, que também é cidadão afro-americano e integra o conselho de administração do Clube dos Exploradores de Nova York, que inspirou alguns dos maiores aventureiros do mundo.
“Muita gente acha que Matthew Henson era alguém que eu admirava no passado, mas não é verdade”, ele conta.
“Tudo o que eu aprendi foi que o Polo Norte foi descoberto por Robert Peary.”
A vida de Henson parece um romance de aventuras da era vitoriana.
Ele nasceu em uma família de meeiros e teve diversos empregos, até que entrou para a tripulação de um navio mercante e viajou para outros continentes.
Seu primeiro mentor foi o Capitão Childs, que treinou o adolescente Henson para a vida no mar e o ensinou a ler. Quando Childs morreu, em 1883, Henson voltou a enfrentar dificuldades para ganhar a vida, até que conheceu Robert Peary, em 1887.
Os caminhos deles se cruzaram pela primeira vez em um armarinho em Washington D.C. , onde Henson trabalhava. O comandante Peary, engenheiro da Marinha americana, ficou impressionado com o jovem estoquista e convidou Henson a ser seu assistente em uma missão de pesquisa na Nicarágua, naquele mesmo ano.
A fase crucial da carreira de Henson começou em 1891, quando ele acompanhou Peary ao Círculo Polar Ártico em busca do Polo Norte, e duraria 18 anos.
A missão para alcançar fisicamente o ponto mais ao norte da Terra atraiu exploradores por séculos, muitos deles cultivando a fantasia de ficar de pé no topo do planeta. Mas o clima rigoroso do Polo e os blocos de gelo que destruíam os navios afugentavam os visitantes humanos — até os povos do Ártico.
Peary se firmou como o principal líder dessas expedições, arrecadando dinheiro e formando equipes. E Henson acompanhou Peary em todas as viagens, exceto uma, passando anos da sua vida em campo.
Na Groenlândia, Henson ficou próximo dos inughuits, a população que mora mais ao norte do continente americano — e que faz parte do povo inuit. Ele aprendeu a construir iglus e trenós, além de ter ficado fluente no seu idioma, o inuktun.
Henson caçava animais polares com espingarda — uma técnica que podia salvar vidas quando os mantimentos ficavam escassos. E, o mais impressionante, ele aprendeu a dirigir trenós puxados por cães.
“Ele dirige as matilhas e conduz os trenós melhor do que qualquer homem vivo, exceto alguns dos melhores caçadores [inuits]”, escreveu Peary sobre Henson.
“Eu não conseguiria me manter sem ele.”
Ao longo de sete tentativas entre 1891 e 1909, Henson foi o colaborador mais próximo de Peary.
O Ártico era implacável. Os dois quase congelaram ou morreram de fome em várias ocasiões.
Peary perdeu vários dedos dos pés devido ao frostbite (congelamento de tecido do corpo). E, certa vez, Henson caiu em uma fratura no gelo e teria se afogado, caso seu amigo inuit Ootah não o puxasse para fora da água congelante. Eles enfrentaram tempestades catastróficas e problemas técnicos intermináveis.
Os dois aprimoraram o processo de trabalho repetidamente até a última expedição, em 1909. A cerca de 215 km do Polo e com poucos suprimentos, Peary ordenou que todo o grupo de 50 pessoas voltasse para o navio, exceto Henson e quatro inuits.
Um artigo do Instituto Smithsoniano afirma que, vários dias depois, em 6 de abril de 1909, depois de uma árdua jornada pela tundra, Henson teria dito a Peary que sua “sensação” era de que estavam no Polo.
Henson contou que Peary vasculhou o casaco, puxou uma bandeira americana dobrada costurada pela esposa e a prendeu em uma vara que ele havia fincado em cima de um iglu.
No dia seguinte, segundo Henson, Peary determinou sua localização com um sextante, colocou um bilhete e a bandeira americana em uma lata vazia e a enterrou no gelo. Os homens voltaram então para o navio e seguiram para casa.
“Mais uma conquista do mundo foi realizada e encerrada”, escreveu Henson nas suas memórias, A Negro Explorer at the North Pole (“Um explorador negro no Polo Norte”, em tradução livre), em 1912.
“E, como no passado, desde o início da História, sempre que o trabalho do mundo era feito por um homem branco, ele havia sido acompanhado por um homem de cor”, acrescentou Henson.
Mas seu momento de glória durou pouco. Henson voltou para os Estados Unidos no auge das hostilidades causadas pelas leis racistas de Jim Crow no país. E, no século seguinte, os historiadores ficariam céticos a seu respeito.
Peary escreveu um efusivo prefácio para o livro de Henson, argumentando que “a raça, a cor, a criação ou o ambiente nada valem contra um coração determinado, se ele for apoiado e ajudado pela inteligência”.
Ainda assim, Peary recebeu de bom grado a maioria dos elogios por chegar ao Polo, enquanto o nome de Henson desaparecia da opinião pública.
Os historiadores discutem se a avaliação de Peary estava correta— e até se realmente ele foi o primeiro explorador a chegar lá. Mas a maioria concorda que ele não teria se aventurado tão ao norte sem Henson, que adotou completamente o modo de vida dos inuits e estudou técnicas de sobrevivência que datavam de milênios atrás.
Henson chegou a adaptar utensílios dos inuits, como roupas de pele e trenós puxados por cães.
“O povo [inuit] realmente gostava dele”, diz Harris, que se aventurou em diversas caminhadas solitárias em regiões selvagens no mundo todo.
Assim como Henson, Harris cultivou uma relação com povos nativos em locais remotos e reconhece essa tentativa precoce de antropologia cultural.
“Peary era do tipo reservado e apreciava que alguém da sua equipe pudesse lidar com o povo inuit e estabelecer boas relações”, afirma Harris.
Mas foi apenas em 1937 que Henson foi aceito como membro do Clube dos Exploradores. Ele chegou a receber homenagens dos presidentes americanos Harry S. Truman e Dwight D. Eisenhower, mas só mais para o fim da sua vida.
Henson foi enterrado no Cemitério Nacional de Arlington, onde um monumento foi construído em sua homenagem — mas somente em 1988, 33 anos depois da sua morte.
Atualmente, há diversos lugares que receberam seu nome: o Parque Estadual Matthew Henson, diversas escolas públicas de Maryland e o USNS Henson, um navio de pesquisa de 3 mil toneladas que realiza estudos oceanográficos.
Por décadas, defensores de Henson mantiveram acesa a memória da sua conquista — e tentaram rastrear toda a extensão do seu legado.
Seu defensor mais apaixonado foi S. Allen Counter, neurologista de Boston, nos Estados Unidos, e membro do Clube dos Exploradores.
Counter não só apresentou ao Cemitério Nacional de Arlington uma petição para a construção do monumento, como também descobriu ramos desconhecidos da árvore genealógica de Henson na Groenlândia. Diversos dos seus descendentes inuits estão vivos até hoje. Counter documentou a linhagem no livro North Pole Legacy (“O legado no Polo Norte”, em tradução livre).
“Meu pai se identificava com a história por motivos óbvios”, afirma Philippa Counter, filha de Allen.
“Os dois eram exploradores. Henson era esse herói anônimo que não foi reconhecido por viajar ao Polo Norte. Ele pensou: ‘Esta é uma história que eu definitivamente tenho que contar’.”
Counter morreu em 2017, mas outras pessoas assumiram sua função. O Clube dos Exploradores formou um Comitê de Diversidade, Igualdade e Inclusão, com J. R. Harris na presidência.
E, em 2022, o Clube aceitou quatro novos membros póstumos: Seegloo, Egingwah, Ooqueah e Ootah, os homens inuits que acompanharam Henson e Peary em sua última expedição ao Polo Norte.
“Na minha opinião, todos eles são codescobridores do Polo Norte, todos os seis”, afirma Harris.
“Esses quatro homens estão finalmente recebendo o reconhecimento que merecem.”
Já em Brunswick, no Estado americano do Maine, o Museu do Ártico Peary-MacMillan está mudando de endereço. O museu pertence ao Bowdoin College, onde estudaram Peary e outro explorador do Ártico, Donald Baxter MacMillan.
Desde sua abertura, em 1967, o museu exibe artefatos de Henson, incluindo fotos de arquivo, um trenó que ele próprio construiu e uma rara entrevista de televisão nos anos 1950.
Os visitantes sempre foram recebidos por retratos pintados de Peary e MacMillan, colocados lado a lado, na entrada do museu. Mas quando o novo espaço for aberto em maio de 2023, haverá um importante adendo: uma fotografia ampliada de Matthew Henson, usando suas peles características, ao lado deles.
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