- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
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“Regalias a quem não precisa” e “assalto aos cofres públicos”: é assim que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem se referindo a benefícios fiscais concedidos a empresas que somam mais de R$ 400 bilhões.
Segundo estimativa da sua equipe, reverter ao menos parte desses benefícios pode aumentar a receita anual da União em algumas dezenas de bilhões de reais.
A medida é considerada, pela equipe econômica, peça fundamental do plano do governo para equilibrar as contas públicas (deixar de gastar mais do que arrecada) ao mesmo tempo que cumpre a promessa eleitoral de elevar gastos sociais e investimentos.
Mas esse plano enfrenta resistências dos setores beneficiados, que alegam usufruir de descontos legítimos, dentro da legislação tributária.
Empresas argumentam ainda que a reversão desses benefícios vai elevar os custos de produção, gerando reajustes nos preços (inflação).
Apesar do tema delicado, o governo conseguiu uma vitória na quarta-feira (26/4), em um julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a tributação do lucro de grandes empresas.
A decisão – que limitou a redução de descontos no ICMS do lucro tributável – pode significar mais R$ 90 bilhões em arrecadação, segundo estimativa da Receita Federal.
A validade desse julgamento, porém, ainda será avaliada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), depois que o ministro André Mendonça deu uma liminar suspendendo a eficácia da decisão do STJ (entenda melhor abaixo).
O plenário virtual do Supremo vai avaliar se mantém ou derruba a liminar de Mendonça a partir de 5 de maio. A perspectiva é positiva para a União porque, em julgamentos passados, o STF já avaliou que a discussão em torno de descontos no ICMS e impostos sobre lucros era um tema para ser decidido no STJ, e não no Supremo.
Haddad celebrou a decisão da Primeira Seção do STJ, que deu vitória unânime à União. Ele manifestou confiança na manutenção do resultado pelo STF.
“Esperava um 7×2, 6×3, mas foi 9×0”, comemorou.
“Considerei o julgamento exemplar. O voto do relator foi acompanhado por outros oito ministros. Isso dá muita confiança que estamos no caminho certo para remover do sistema tributário aquilo que está impedindo a busca de um equilíbrio orçamentário”, disse ainda a jornalistas.
Entenda melhor a disputa
O que está em jogo nesse caso é se grandes empresas que recebem descontos no ICMS (imposto estadual) devem ou não contabilizar esses ganhos como lucro tributável. Isso faz diferença para a União porque impacta na cobrança de impostos federais que incidem sobre os ganhos das empresas (IRPJ e CSLL).
Segundo estimativas da Receita Federal, uma vitória nesse caso pode representar mais R$ 90 bilhões em arrecadação, sendo que R$ 70 bilhões pertenceriam aos cofres da União, e outros R$ 20 bilhões representam a parcela do IRPJ e CSLL que é compartilhada com Estados e municípios.
A disputa remonta a uma lei aprovada no Congresso em 2017 permitindo ao setor produtivo ampliar o uso de descontos de ICMS na redução do lucro tributável. No entanto, discordâncias entre a Receita Federal e empresas sobre como interpretar e aplicar a lei levaram a centenas de ações na Justiça.
“Essa subtração, na mão grande, da base de cálculo de um tributo federal, pelo não pagamento de um tributo estadual, foi um assalto aos cofres públicos. Não tenho como caracterizar de outra maneira”, chegou a dizer Haddad no início de abril, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
A Primeira e a Segunda Turma do STJ vinham tomando decisões divergentes sobre esse tema, o que levou a Primeira Seção da Corte (colegiado que reúne as duas turmas) a realizar o julgamento desta quarta-feira para pacificar a questão.
Após intensa campanha de Haddad, que se reuniu com o ministro relator do caso, Benedito Gonçalves, na segunda-feira (24/04), a Primeira Seção decidiu por unanimidade em favor da União.
Vale explicar que há diversos tipos de desconto no ICMS, que normalmente são concedidos pelos Estados para atrair investimentos. Em outro julgamento, de 2017, o STJ já autorizou as empresas a descontarem do seu lucro tributável o crédito presumido, um valor que a empresa pode abater do ICMS devido.
No julgamento realizado agora, a Primeira Seção analisou se a mesma lógica deveria valer para outros descontos no ICMS, como redução da base de cálculo, isenção e diminuição de alíquota, entre outros.
Os ministros decidiram, porém, que esses outros descontos têm natureza diferente do crédito presumido e, por isso, só podem ser retirados do lucro tributável quando servirem para a empresa realizar novos investimentos. Já quando os benefícios fiscais forem usados apenas para reduzir o custeio (custo recorrente de produção), o valor não poderá ser reduzido do lucro tributável.
Empresas rebatem Fazenda
Durante o julgamento, advogados do setor produtivo rebateram as acusações da Fazenda às empresas. Eles criticaram a elevada carga tributária e afirmaram que o aumento da tributação vai penalizar o consumidor, com aumento de preços.
O advogado Saul Tourinho, que defendia a empresa Fast Indústria e Comércio, do ramo de tratamento sanitário, lembrou que indústrias do setor de alimentos também seriam impactadas.
“O ministro da Economia está dentro do tribunal dizendo que precisa de R$ 90 bilhões pelo social. Será que há algo mais social que comida e esgoto? É para lá que vai o preço disso”, argumentou.
Já a análise de empresas com ações negociadas em Bolsa, que precisam informar benefícios fiscais em seus balanços, mostra que o setor de varejo será especialmente afetado.
Em 2022, subsídios de ICMS chegaram a representar mais de 40% do lucro líquido do Grupo Soma (dono de marcas como Hering e Farm) ou mais de 20% da companhia de sapatos Arezzo e da atacadista Assaí, segundo levantamento do Santander, por exemplo.
O que o STF vai analisar?
A decisão liminar do ministro André Mendonça determinou a suspensão dos efeitos do julgamento do STJ até que o Supremo julgue outra ação sobre a incidência de créditos presumido de ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, outro tributo federal.
Sua decisão atendeu a um pedido da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), sob o argumento de que os temas eram parecidos e, portanto, o STJ deveria esperar a manifestação do STF nessa outra ação.
A liminar determinava, inclusive, que o caso não fosse analisado pelo STJ. Mas, como o julgamento já havia começado na Primeira Seção quando a decisão foi tomada, os ministros decidiram continuar.
Dessa forma, a União obteve a vitória no STJ, mas a decisão depende da liminar de Mendonça ser derrubada para entrar em vigor.
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