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Estátua de Genghis Khan em Tsonjin Boldog, na Mongólia

O primeiro-ministro da Mongólia, Luvsannamsrain Oyun-Erdene, expressou recentemente o temor do seu país de que o mundo esteja se encaminhando para uma nova Guerra Fria, à medida que se deterioram as relações entre a Rússia e a China e o Ocidente (particularmente, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan).

“É como um divórcio”, afirmou ele. “Quando os pais se divorciam, quem mais sofre são os filhos.”

A Mongólia é um país encravado entre a Rússia e a China e receia antagonizar com qualquer um deles. Grande parte da sua energia vem da Rússia, enquanto a China é um importante cliente importador, principalmente de produtos agrícolas e minérios, como o cobre.

Ao exercer uma hábil política externa e comercial desde sua transição para uma democracia multipartidária no início dos anos 1990, a Mongólia estabeleceu uma economia estável e recebeu um sinal de aprovação do Banco Mundial no seu último relatório sobre o país: “Com vastos recursos agrícolas, pecuários e minerais e uma população com bom nível educacional, as perspectivas de longo prazo de desenvolvimento da Mongólia parecem promissoras, considerando a continuidade das reformas estruturais.”

Mas a guerra na Ucrânia relembrou à Mongólia como ela agora precisa exercer com cuidado sua política externa e comercial, a fim de manter sua independência.

Transição suave para a democracia

Entre 1921 e 1990, a Mongólia foi membro efetivo do bloco soviético. Embora não tenha feito parte da URSS, a economia centralizada do país era quase totalmente dependente de Moscou para sua sobrevivência.

O colapso do comunismo no início dos anos 1990 resultou no que acabou sendo uma transição suave no país.

O então líder mongol, Jambyn Batmönkh, recusou-se até mesmo a considerar qualquer repressão às manifestações pró-democracia. Ele afirmou: “Não deverá ser empregada nenhuma força. Não há necessidade de utilizar a polícia, nem de envolver as forças armadas… Na verdade, esses manifestantes, participantes e ativistas são nossos filhos.”

Sua renúncia em 1990 e o surgimento da Ardchilsan Kholboo (a União Democrática Mongol) formaram o caminho para o desenvolvimento de uma democracia multipartidária.

A eleição presidencial de junho de 1993 na Mongólia foi considerada livre e justa pela Fundação Internacional para os Sistemas Eleitorais. O presidente em exercício, Ochirbat Punsalmaa (que havia sido nomeado pelo voto dos membros do Presidium do Grande Khural do Povo, a assembleia nacional do país), foi eleito para um mandato de quatro anos.

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Em dezembro de 2022, as pessoas foram às ruas da capital da Mongólia, Ulan Bator, para protestar contra a inflação e as acusações de corrupção relacionadas ao comércio de carvão com a China

A Mongólia adotou uma nova constituição, com o poder dividido em três partes entre o presidente do parlamento, o primeiro-ministro e o presidente. E, mesmo com casos de corrupção política, a organização norte-americana Freedom House concedeu ao país alta avaliação em termos de direitos políticos e liberdades civis.

Mas todos esses avanços não conseguiram esconder que a jovem democracia permanecia incrustada entre a Rússia (que atravessava um período caótico) e uma China cada vez mais determinada e autoritária. A política óbvia para a Mongólia era tentar equilibrar as duas grandes potências da região.

Inicialmente, a política externa mongol concentrava-se fortemente no “enredamento global” – basicamente, o estabelecimento de relações com o máximo de parceiros possível, regional e globalmente, incluindo, significativamente, os Estados Unidos.

Mas, desde 2000, a Mongólia adota o conceito político de “equilíbrio de poder” para reduzir sua dependência de qualquer país. Para isso, eles formaram parcerias com países estratégicos na Ásia, como o Japão e a Índia, e reataram seus laços militares com a Rússia, firmando uma “parceria estratégica” e conduzindo exercícios militares conjuntos, ainda que mantendo fortes relações com a China.

A Mongólia também fortaleceu relações de segurança bilateral com os Estados Unidos.

As relações da Mongólia com a China são agravadas pelo fato de que uma parte significativa do território que, historicamente, pertencia à Mongólia, é agora uma “região autônoma” da China – a Mongólia Interior, com população étnica de mongóis maior que a da própria república da Mongólia.

Esta questão e as atividades de grupos separatistas na província formam um ponto permanente de conflito entre os dois países.

Terceiros vizinhos

Mas a Mongólia tem sua independência cada vez mais ameaçada, à medida que a Rússia e a China se aproximam.

Desde o fim da União Soviética, a Mongólia adotou uma estratégia de manutenção de fortes laços com “terceiros vizinhos” – países que adotam valores democráticos, mas também praticam economia de mercado, incluindo os Estados Unidos.

A expressão “terceiros vizinhos” foi relacionada pela primeira vez à política exterior da Mongólia em agosto de 1990, pelo então secretário de Estado norte-americano James Baker.

Em 2019, os Estados Unidos e a Mongólia formalizaram suas relações de parceria estratégica. E, em 2022 (claramente, com a Ucrânia em vista), os dois países anunciaram o aprofundamento da sua parceria “em todas as áreas de interesse mútuo”, incluindo um acordo de “abertura dos céus” que garantiria voos de passageiros regulares, sem escalas, entre os dois países.

Os Estados Unidos e outros terceiros vizinhos aliados também participam anualmente dos exercícios militares Khaan Quest, na Mongólia.

Tempos perigosos

A guerra na Ucrânia demonstrou a precária situação geopolítica daquele país.

A última declaração conjunta da Parceria Estratégica entre os Estados Unidos e a Mongólia salientou que “disputas devem ser resolvidas por meios pacíficos, respeitando a Carta das Nações Unidas e o direito internacional, incluindo os princípios de soberania e respeito pela independência e pela integridade territorial dos Estados, sem ameaças nem uso de força”.

E acrescentou: “Com este propósito, as duas nações expressam preocupação com o sofrimento do povo ucraniano”.

A Mongólia se absteve de votar nas Nações Unidas condenando a invasão da Ucrânia pela Rússia e também se recusou a criticar as sanções impostas à Rússia pelo Ocidente, apesar das consequências delas para a Mongólia. As sanções contra os bancos russos, por exemplo, dificultaram o pagamento das suas importações da Rússia.

E, mesmo com todos os seus esforços para estabelecer laços pelo mundo, a Mongólia permanece muito dependente da Rússia e da China.

A perspectiva de uma nova Guerra Fria entre o Ocidente e o eixo Pequim-Moscou é uma preocupação importante para a Mongólia, como disse o ex-presidente e ex-primeiro-ministro mongol Elbegdorj Tsakhia, que agora é membro do grupo dos Anciãos dos líderes globais, para a revista Time em abril de 2021.

“Sinto que temos apenas um vizinho. A China e a Rússia tornaram-se quase um único país, em torno da Mongólia… Todos os dias, enfrentamos dificuldades muito grandes para manter nossa democracia viva. A Mongólia está lutando pela sua sobrevivência.”

* Christoph Bluth é professor de segurança e relações internacionais da Universidade de Bradford, no Reino Unido.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.