- Author, Katherine Latham
- Role, BBC Future
“Nós podemos tratar de você. Não há problema. Podemos ajudá-la”, disse o médico a Jennifer Hannington.
Ele então se voltou para o marido dela, Ciaran, e disse: “Mas não podemos fazer muito por você”.
O casal mora em Yorkshire, na Inglaterra, e vem tentando ter um bebê há dois anos. Eles sabiam que a concepção poderia ser difícil porque Jennifer sofre da síndrome de ovário policístico, uma condição que pode afetar a fertilidade. O que eles não esperavam é que também houvesse problemas no lado de Ciaran.
Exames revelaram baixa contagem de espermatozoides e baixa motilidade espermática. E, o que é pior, o tratamento destas condições é considerado mais difícil que o de Jennifer – em alguns casos, até impossível.
Ciaran Hannington ainda se lembra da sua reação: “Choque. Luto. Fiquei em total negação. Achei que os médicos tivessem se enganado”.
Ele sempre soube que queria ser pai.
“Senti que havia desapontado minha esposa.”
Ao longo dos anos, sua saúde mental deteriorou-se. Ele começou a passar mais tempo sozinho, ficando na cama e recorrendo ao álcool em busca de conforto. Até que surgiram os ataques de pânico.
“Cheguei ao ponto de crise”, ele conta.
A infertilidade masculina é responsável por cerca de metade dos casos de infertilidade e afeta 7% da população masculina. Mas é muito menos discutida do que a infertilidade feminina, em parte, devido aos tabus socioculturais existentes.
Para a maior parte dos homens com problemas de fertilidade, as causas ainda são inexplicadas e a estigmatização significa que muitos deles sofrem em silêncio.
Pesquisas indicam que este pode ser um problema crescente. Já se demonstrou que diversos fatores, como a poluição, afetam a fertilidade dos homens e, especificamente, a qualidade dos espermatozoides.
Potencialmente, este crescimento pode trazer imensas consequências para os indivíduos e para toda a sociedade.
Crise oculta de fertilidade?
A população mundial aumentou drasticamente ao longo do último século.
Apenas 70 anos atrás (o período de uma vida humana), havia apenas 2,5 bilhões de pessoas na Terra. E, em 2022, a população mundial atingiu oito bilhões de pessoas.
Mas a taxa de crescimento da população diminuiu, principalmente devido a fatores sociais e econômicos.
As taxas de natalidade em todo o mundo estão atingindo mínimos recordes. Mais de 50% da população do planeta moram em países com taxa de fertilidade abaixo de dois filhos por mulher. Isso resulta em redução gradual da população dessas nações, se não houver imigração.
As taxas de natalidade em todo o mundo estão atingindo mínimos recordes. Mais de 50% da população do planeta moram em países com taxa de fertilidade abaixo de dois filhos por mulher. Isso resulta em redução gradual da população dessas nações, se não houver imigração.
Os motivos do declínio das taxas de natalidade incluem fatores positivos de desenvolvimento, como a maior independência financeira das mulheres e o controle da sua saúde reprodutiva.
Por outro lado, pesquisas indicam que, em países com baixas taxas de fertilidade, muitos casais que gostariam de ter mais filhos são impedidos por razões socioeconômicas, como a falta de apoio às famílias.
Da mesma forma, pode também haver redução em um tipo diferente de fertilidade, conhecido como fecundidade – a capacidade física de produzir descendentes. Particularmente, pesquisas indicam que todo o espectro de problemas reprodutivos nos homens está aumentando, incluindo a redução da contagem de espermatozoides, a queda dos níveis de testosterona e o aumento da incidência de disfunções eréteis e câncer dos testículos.
Células nadadoras
“Os espermatozoides são células extraordinárias”, segundo a ginecologista Sarah Martins da Silva, especialista em medicina reprodutiva da Universidade de Dundee, no Reino Unido.
“Eles são minúsculos, nadam e podem sobreviver fora do corpo. Nenhuma outra célula consegue fazer isso. Eles são extraordinariamente especializados.”
Alterações aparentemente pequenas podem ter efeitos poderosos sobre essas células altamente especializadas, particularmente sobre a sua capacidade de fertilizar os óvulos.
Os aspectos fundamentais para a fertilidade são a capacidade dos espermatozoides de mover-se de forma eficiente (sua motilidade), seu tamanho e formato (morfologia) e sua quantidade em uma dada amostra de sêmen (a contagem de espermatozoides). Todos estes aspectos são examinados quando um homem pretende analisar sua fertilidade.
“Geralmente, quando você tem menos de 40 milhões de espermatozoides por mililitro de sêmen, começa a haver problemas de fertilidade”, segundo o professor de epidemiologia Hagai Levine, da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel.
Levine explica que a contagem de espermatozoides apresenta forte relação com a fertilidade. Uma contagem de espermatozoides mais alta não significa necessariamente maior probabilidade de concepção, mas, abaixo do limite de 40 milhões/ml, essa probabilidade cai rapidamente.
Em 2022, Levine e seus colaboradores publicaram uma análise das tendências globais da contagem de espermatozoides. O estudo demonstrou que as contagens de espermatozoides caíram, em média, 1,2% ao ano entre 1973 e 2018, de 104 para 49 milhões/ml.
E, desde o ano 2000, a velocidade de declínio aumentou para mais de 2,6% ao ano. Levine defende que esta aceleração pode ser causada por mudanças epigenéticas – alterações na forma de funcionamento dos genes, causadas por fatores ambientais ou estilo de vida.
Outra análise também indica que a epigenética pode ser um dos fatores para mudanças dos espermatozoides e a infertilidade masculina. “Existem sinais de que isso pode ser cumulativo ao longo das gerações”, afirma ele.
A ideia de que as mudanças epigenéticas podem ser herdadas ao longo das gerações enfrenta controvérsias, mas existem evidências que sugerem que talvez seja possível.
“Este [declínio da contagem de espermatozoides] é um indicador de problemas de saúde entre os homens, talvez até na humanidade”, afirma Levine. “Estamos enfrentando uma crise de saúde pública e não sabemos se é reversível.”
Pesquisas indicam que a infertilidade masculina pode prever problemas de saúde futuros, mas a correlação exata não é totalmente conhecida. Uma possibilidade é que certos fatores de estilo de vida possam contribuir para a infertilidade e outros problemas de saúde.
“A experiência de querer um filho e não conseguir ficar grávida é extremamente devastadora, mas este é um problema muito maior”, segundo Silva.
Mudanças de estilo de vida individuais podem não ser suficientes para suspender a redução da qualidade dos espermatozoides. Mas evidências cada vez maiores indicam que existe uma ameaça ambiental muito mais ampla: os poluentes tóxicos.
Planeta tóxico
Rebecca Blanchard é professora e pesquisadora de veterinária da Universidade de Nottingham, no Reino Unido. Ela pesquisa o efeito das substâncias químicas encontradas no ambiente doméstico sobre a saúde reprodutiva dos homens.
Blanchard usa cães como sentinelas – uma espécie de sistema de alarme precoce para a saúde humana.
“Os cães compartilham o nosso ambiente”, explica ela. “Eles moram na mesma casa e são expostos aos mesmos contaminantes químicos que nós. Se olharmos para os cães, podemos observar o que está acontecendo com os seres humanos.”
Sua pesquisa concentrou-se nas substâncias encontradas nos plásticos, retardantes de chamas e produtos domésticos comuns. Algumas dessas substâncias foram proibidas, mas ainda se mantêm no meio ambiente ou em produtos mais antigos.
Os estudos de Blanchard revelaram que essas substâncias podem prejudicar nossos sistemas hormonais e prejudicar a fertilidade dos cães e dos homens.
“Encontramos redução da motilidade espermática no ser humano e no cachorro”, ela conta. “Houve também aumento da quantidade de fragmentação do DNA.”
Fragmentação do DNA nos espermatozoides designa lesões ou quebras do material genético do espermatozoide. Seu impacto pode ir além da concepção – quanto maiores forem os níveis de fragmentação do DNA, mais casos de aborto espontâneo ocorrem durante a gestação.
As descobertas de Blanchard confirmam outras pesquisas que demonstram os prejuízos à fertilidade causados por substâncias encontradas em plásticos, medicamentos domésticos, na cadeia alimentar e no ar. Elas prejudicam os homens, as mulheres e até os bebês. Fuligem, produtos químicos eternos e ftalatos já foram encontrados em bebês no útero.
As mudanças climáticas também podem prejudicar a fertilidade masculina. Diversos estudos em animais indicam que os espermatozoides são especialmente vulneráveis aos efeitos do aumento das temperaturas.
Já se demonstrou que ondas de calor causam prejuízos aos espermatozoides em insetos e impactos similares foram observados em seres humanos.
Um estudo de 2022 concluiu que o calor – devido ao aquecimento global ou durante o trabalho em ambientes de alta temperatura – prejudica a qualidade dos espermatozoides.
Má alimentação, estresse e álcool
Além desses fatores ambientais, problemas específicos dos indivíduos também podem prejudicar a fertilidade masculina, como a má alimentação, o sedentarismo, o estresse e o uso de álcool e drogas.
Nas últimas décadas, as pessoas começaram a ter filhos com mais idade – e, embora as mulheres sejam frequentemente lembradas pelo seu relógio biológico, não se acreditava que a idade fosse um problema para a fertilidade masculina.
Existe um apelo cada vez maior pelo aumento dos conhecimentos sobre a infertilidade masculina e novas abordagens para sua prevenção, diagnóstico e tratamento, bem como uma maior consciência da necessidade urgente de combater a poluição.
Mas, enquanto isso, será que existe algo que os indivíduos podem fazer para proteger ou aumentar a qualidade dos seus espermatozoides?
Exercícios e alimentação saudável podem ser um bom começo, já que eles estão relacionados ao aumento da qualidade dos espermatozoides.
Blanchard recomenda optar por alimentos orgânicos e produtos de plástico livres de BPA (bisfenol A) – uma substância associada a problemas de fertilidade entre os homens e as mulheres.
“Existem pequenas coisas que você pode fazer”, aconselha ela.
Ciaran Hannington acrescenta que as pessoas não devem sofrer em silêncio.
Quando chegou ao fundo do poço, ele encontrou um grupo de apoio online para homens com problemas de fertilidade chamado HIMfertility. O grupo é exclusivamente masculino e oferece um espaço para que os homens compartilhem suas ideias e preocupações.
Agora, Hannington aconselha outras pessoas em sua preparação para o tratamento da fertilidade. Para ele, “ninguém deve se sentir sozinho”.
Jennifer e Ciaran Hannington tiveram dois filhos, após cinco anos de tratamento e três rodadas de ICSI (injeção intracitoplasmática de espermatozoides, na sigla em inglês), uma técnica de fertilização in vitro na qual um único espermatozoide é injetado no centro de um óvulo.
Para as pessoas que precisam pagar pelos tratamentos de fertilidade, este procedimento pode ser financeiramente inviável. Nos Estados Unidos, uma única rodada pode custar mais de US$ 30 mil (cerca de R$ 150 mil) e a cobertura de seguro pode depender do seu empregador e do Estado onde você vive.
Hannington afirma que ainda sente os prejuízos causados pela sua provação à saúde mental.
“Agradeço pelos meus filhos todos os dias, mas você simplesmente não esquece”, ele conta. “Será sempre uma parte de mim.”
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