- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
A aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski nesta terça-feira (11/04) mexe com a composição do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No caso do STF, o novo balanço de forças da Corte só ficará claro após a posse de um novo ministro, que precisa ser indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aprovado pelo Senado.
A expectativa é que Lula escolha um jurista progressista na agenda de costumes e de direitos humanos e garantista na área penal. Caso isso se confirme, o futuro ministro ou ministra terá um perfil parecido com o de Lewandowski, que chegou à Corte em 2006, indicado por Lula em seu primeiro mandato presidencial.
No TSE, a aposentadoria do ministro provoca uma mudança imediata no balanço de forças da Corte. A tendência é que o ministro do STF Nunes Marques assuma sua posição, o que pode ter impacto sobre as ações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro que tramitam na Justiça Eleitoral.
Entenda melhor a seguir o impacto da saída de Lewandowski nas duas Cortes e o que acontece no Supremo enquanto sua vaga não é preenchida, já que não há prazo para Lula e o Senado concluírem a escolha do novo nome.
TSE: sai Lewandowski, entra Nunes Marques
O TSE é composto por sete integrantes, sendo três ministros do STF, dois ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois ministros representantes da advocacia. Há ainda ministros substitutos para cada uma dessas categorias. Todos cumprem mandatos de dois anos, renováveis por mais dois no caso dos ministros oriundos do STF e da advocacia.
No caso dos ministros oriundos do STF, o rodízio é historicamente feito por antiguidade. Dessa forma, a tradição indica que o ministro Nunes Marques tomará posse como integrante titular do TSE no lugar de Lewandowski, porque no momento ele é o ministro substituto mais antigo entre os representantes do Supremo na Corte.
Embora a nomeação seja assinada pelo presidente, é improvável que Lula rompa a tradição, algo sem precedentes.
Há expectativa de que o novo integrante titular seja mais favorável a Bolsonaro do que seria seu antecessor. Nunes Marques foi nomeado ministro do STF no final de 2020 por indicação de Bolsonaro e, em geral, vota alinhado com interesses do bolsonarismo.
Isso ocorreu, por exemplo, quando se posicionou contra a proibição de aglomeração em cultos religiosos durante a pandemia, ou quando interrompeu julgamento para suspender decretos do ex-presidente sobre acesso a armas com um pedido de vista.
Ele foi também o único ministro a votar pela absolvição do ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), aliado de Bolsonaro que foi condenado no ano passado a oito anos e nove meses de prisão por crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo (uso de violência ou grave ameaça para tentar interferir no processo).
Apesar desse histórico, a advogada Vânia Aieta, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista em direito eleitoral, não considera garantido que Nunes Marques votará a favor de Bolsonaro nessas ações. Na sua avaliação, o alinhamento do ministro com o bolsonarismo foi circunstancial e tende a se reduzir.
“Há muito um casuísmo momentâneo nos candidatos para conseguir ser indicado (ao STF). Eu acredito que, com o fim do governo Bolsonaro, essa adesão toda do Nunes Marques tende a se mitigar”, disse.
Por outro lado, mesmo que ele vote em favor de Bolsonaro, sua posição pode ser insuficiente para evitar uma condenação, caso fique isolado na Corte. Para a professora, há “ações perigosas”, em que o ex-presidente corre risco considerável de ficar inelegível.
O caso mais adiantado é uma ação movida pelo PDT argumentando que Bolsonaro cometeu abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação ao realizar uma reunião com embaixadores em julho de 2022 para questionar o sistema eleitoral brasileiro, sem apresentar provas de ilegalidades.
Em fevereiro, o TSE decidiu por unanimidade validar como elemento de prova nesse processo a “minuta de golpe” encontrada na residência do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. Essa minuta trazia um possível decreto para estabelecer um Estado de Defesa a fim de mudar o resultado da eleição de 2022, vencida por Lula.
A defesa do ex-presidente tentou, sem sucesso, questionar a competência do TSE para julgar o caso, argumentando que o evento com os embaixadores não teve caráter eleitoral.
A ação, agora, está prestes a ser liberada para julgamento, faltando apenas as alegações finais do Ministério Público, que devem ser apresentadas no máximo nesta semana. Depois, caberá ao presidente do TSE, Alexandre de Moraes, marcar o julgamento.
Outras ações tramitando na Corte abordam se houve ilegalidade na suposta liberação por Bolsonaro de recursos públicos para beneficiar-se eleitoralmente, como a antecipação dos repasses do Auxílio Brasil e do Auxílio-Gás durante o 2º turno; a inclusão de 500 mil famílias no programa Auxílio-Brasil em outubro de 2022; e antecipação de pagamento de benefício para caminhoneiros.
Quando ainda era presidente, Bolsonaro negou que o apelidado “pacote de bondades” tivesse viés eleitoral e argumentou que as medidas se justificavam pela situação de “emergência” do país, após a pandemia de covid-19.
Seguindo o exemplo do STF, o TSE recentemente adotou prazo para pedidos de vista, o que reduz a possibilidade de Nunes Marques ou qualquer outro ministro travar o julgamento dessas ações. No caso da corte eleitoral, o limite para o ministro analisar melhor o caso passou a ser de 30 dias.
STF: continuidade do perfil garantista
A escolha de Lula para substituir Lewandowski não deve ocorrer antes do retorno de sua viagem à China e aos Emirados Árabes Unidos – ele embarca nesta terça e retorna no início da próxima semana.
O presidente não tem prazo para anunciar o escolhido, que só tomará posse após ter o nome aprovado no Senado.
Há mais de um século que os senadores não rejeitam indicações para a Corte. Ainda assim, a tendência é que Lula avalie a receptividade do escolhido entre senadores, antes de definir o nome, ressalta a professora de direito constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Estefânia Barboza.
A expectativa é que o presidente buscará um jurista garantista, ou seja, que valorize as garantias previstas na Constituição para a defesa dos acusados.
O motivo dessa escolha seria o trauma de Lula após ter passado 580 dias preso por condenações da Operação Lava Jato, que posteriormente foram anuladas pelo Supremo. Num primeiro momento, porém, o STF deu muitas decisões desfavoráveis aos réus da operação, inclusive com votos de ministros indicados por governos petistas.
Caso a escolha de um garantista se confirme, o novo ministro terá perfil semelhante ao de Lewandowski. O ministro aposentado adotou uma postura crítica à Lava Jato mais cedo que o restante da Corte e também liderou posições mais garantistas no julgamento do escândalo do Mensalão, quando foi o ministro revisor da ação e atuou em contraponto ao ministro relator do caso, Joaquim Barbosa.
A professora Estefânia Barboza ressalta que a mudança de um ministro não deveria ter um impacto relevante na Corte, já que a permanência dos outros dez tende a dar estabilidade ao Tribunal. Ela ressalta, porém, que no Brasil a atuação individual de ministros tem um peso importante.
“O mais preocupante do ponto de vista do Supremo é que tem muitas decisões monocráticas, individuais. Então, o impacto de um ministro é grande. Ainda que (as decisões individuais) sejam provisórias, dá pra fazer uma bagunça um ministro sozinho no Supremo”, ressalta.
Por enquanto, quem aparece com mais força na disputa pela vaga é o advogado Cristiano Zanin, que defendeu Lula nos casos da Lava Jato. E, justamente por essa ligação pessoal com o petista, seu nome sofre resistência em setores da sociedade.
Apesar disso, o presidente afirmou em março que Zanin seria merecedor de uma indicação ao STF, ao ser questionado durante entrevista à rádio BandNews FM.
“Todo mundo compreenderia que ele (Zanin) merecia”, respondeu na ocasião. “Não quero escolher um juiz para mim. O juiz é para nação. Nunca pedi nenhum favor a nenhum ministro. Não foi indicado para me fazer favor, para me proteger. Os ministros foram indicados para cumprir a Constituição e garantir o processo democrático deste país”, disse ainda na entrevista.
Seja quem for o escolhido, o substituto de Lewandowski vai integrar também a Segunda Turma do Supremo, colegiado que julga casos da Lava Jato. Os outros quatro integrantes são André Mendonça, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Nunes Marques.
Se o nomeado for Zanin, ele não poderá julgar casos em que atuou como advogado, mas não fica automaticamente impedido de atuar em outros processos da operação.
O novo ministro também vai herdar a relatoria de todos os processos do gabinete de Lewandowski, entre eles o caso do advogado Rodrigo Tacla Duran, que acusa o ex-juiz Sergio Moro, hoje senador, de extorsão durante as investigações da Lava-Jato.
Como funciona o STF desfalcado?
O processo de substituição de ministros no STF pode levar de semanas a meses. No caso de Edson Fachin, que entrou na vaga de Joaquim Barbosa, a demora da então presidente Dilma Rousseff em definir a indicação deixou a vaga aberta por quase um ano.
Quando a Corte atua desfalcada, com apenas dez ministros, o gabinete vago deixa de receber novos processos, sobrecarregando os demais.
Além disso, é comum que o presidente da Corte, atualmente a ministra Rosa Weber, evite pautar ações de maior repercussão ou controvérsia até que o colegiado esteja completo de novo, devido ao risco de um empate.
Quando ocorre empate nas ações que não são de natureza criminal, “o encaminhamento a ser dado a cada julgamento deve ser definido caso a caso”, explicou à reportagem a assessoria do STF.
Nas ações penais, tradicionalmente prevalece o princípio do “in dubio pro reo” (na dúvida, prevalece a presunção da inocência do acusado). No entanto, uma questão levantada por Fachin, com previsão de julgamento nesta quarta (12/04), pode mudar isso nos julgamentos das Turmas, colegiados responsáveis pela maioria dos processos criminais da Corte.
Relator da maioria dos casos da Lava Jato no STF, Fachin defende que, em caso de empate, a ação penal fique suspensa até que possa ser tomado o voto de desempate. Ou, caso não seja possível esperar, que um ministro da outra turma seja convocado a decidir. A sugestão foi proposta em 2020, quando o então ministro Celso de Mello estava de licença médica e muitos julgamentos da Segunda Turma terminavam empatados.
Outra questão relevante quando há desfalque na Corte é que os processos do gabinete vago tendem a ficar parados até que o novo integrante tome posse. Mas, caso haja ações consideradas muito relevantes e urgentes, a presidência do STF pode determinar a redistribuição dos processos para outros ministros, por meio de sorteio.
Quando Teori Zavascki faleceu em 2017 em um acidente de avião, por exemplo, a então presidente Cármen Lúcia determinou o sorteio das ações da Lava Jato, que eram relatadas por ele. Os casos foram para relatoria do ministro Fachin.
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