Os brasileiros se preocupam mais com pobreza e desigualdade social, crime e violência e corrupção do que com inflação, mudanças climáticas, conflito militar entre nações e covid-19.
Essa é a conclusão de uma pesquisa online global feita pelo Instituto Ipsos em 29 países entre fevereiro e março deste ano.
Segundo a sondagem, que ouviu 24.516 pessoas entre 16 a 74 anos no total, dos quais 1 mil no Brasil, a pobreza e a desigualdade social formam o tema apontado como mais problemático pelos brasileiros — citado por 41% dos entrevistados, contra 31% da média mundial. A pesquisa tem margem de erro de 3,5 pontos porcentuais para mais ou para menos.
Além do Brasil, Bélgica, Holanda e Japão consideram a pobreza e desigualdade como sua maior fonte de preocupação.
Nesse quesito, os mais preocupados com pobreza e desigualdade social são os tailandeses (43%) e os menos preocupados, os americanos (18%).
“Pobreza e desigualdade social foi a agenda da eleição”, lembra Helio Gastaldi, diretor de pesquisas de opinião pública e reputação corporativa na Ipsos Brasil.
“A pandemia de covid-19 afetou de forma drástica todos os países do mundo, mas mais notadamente aqueles com maior desigualdade social e com maior proporção da população economicamente ativa atuando na informalidade”.
“O Brasil perdeu muitas vagas de emprego, e a população que vivia na informalidade, com todas as suas dificuldades que ela traz, encarou um período muito desafiador. Quando a situação começou a se normalizar, passamos a viver um período de inflação alta, que acaba afetando mais fortemente os mais pobres”, conclui.
Já inflação lidera o ranking global — e tem sido assim nos últimos 12 meses, mas não no Brasil.
Entre fevereiro e março, quatro em cada dez pessoas (42%) ouvidas pelo levantamento consideraram a alta dos preços como o mais preocupante entre todos os 18 temas pesquisados, que vão desde inflação a acesso ao crédito, passando por pobreza e desigualdade social, crime e violência, corrupção, saúde, impostos, entre outros.
No Brasil, contudo, a inflação só foi apontada como preocupante por 28% dos entrevistados, portanto, abaixo da média mundial (42%).
Entretanto, Gastaldi faz uma ressalva.
“A inflação hoje está menos da metade do que o pico, de 11%. Naquele momento, as pessoas reportavam a inflação como preocupante, pois percebiam a escalada dos preços. Mas a população continua sentindo seus efeitos. Ela deixa de reportar a inflação como problemática, mas continua sentindo suas consequências, e passa a expressar suas opiniões de forma diferente”, nota.
Em relação à inflação, os argentinos foram os mais preocupados (66%), enquanto os indonésios (22%) os menos preocupados.
Segundo o levantamento, em fevereiro, pela primeira vez, mais da metade dos entrevistados na Colômbia, França e Austrália consideraram a subida dos preços como problemática.
No mês passado, Hungria, Estados Unidos, Coreia do Sul e Itália registraram o maior nível de preocupação, mas desde então esse índice caiu, com destaque para os húngaros, com redução de nove pontos percentuais na comparação mensal.
Além da pobreza e desigualdade e inflação, os brasileiros também demonstraram maior preocupação com crime e violência (36%) e corrupção política e financeira (31%) — em ambos os temas o índice nacional está acima da média global, respectivamente, 29% e 26%.
Em relação ao crime e violência, os sul-africanos foram os mais preocupados (59%). Já os poloneses, os menos preocupados (3%). Sobre corrupção política e financeira, a África do Sul também liderou o ranking (55%). Na outra ponta, aparece Cingapura (3%).
No caso do desemprego, o Brasil está em linha com a média global. Dos entrevistados, 28% afirmaram que a falta de trabalho é preocupante, patamar similar ao restante do mundo.
Nesse quesito, os sul-africanos foram os que mais demonstraram preocupação com a falta de trabalho (67%). Na outra ponta, estão os holandeses — o desemprego foi citado apenas por 7% dos entrevistados.
Menor preocupação
Além da inflação, os brasileiros também se disseram menos preocupados com mudanças climáticas (9%), conflito militar entre nações (2%) e covid-19 (5%). Em todos esses tópicos, o índice nacional é inferior às médias globais de 15%, 10% e 6%, respectivamente.
Questionado sobre a menor preocupação do brasileiro com as mudanças climáticas, Gastaldi diz que o tema continua influenciado pelo nível socioeconômico e saiu do radar do governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL).
“Há dois fatores para isso. O primeiro tem a ver com a classe. A percepção desse problema é muito mais presente na classe média do que na população mais pobre, que enxerga dificuldades muito mais urgentes”, diz.
“Em segundo, esse tema entra diretamente na agenda de comunicação do governo anterior, do grupo político que governou o Brasil nesse período. Houve muitas informações desencontradas em vários assuntos, especialmente em relação ao meio ambiente. Isso deixou parte da população num estado de indiferença por não compreender não só a gravidade do tema, mas não ter mais clareza sobre a pertinência dele”, acrescenta.
No caminho certo?
No mês passado, pela primeira vez desde que a pesquisa começou a ser feita, em 2010, mais da metade dos entrevistados brasileiros disse considerar que o país estava no rumo certo (56%).
Esse porcentual variou ligeiramente para baixo em março (55%), o que, segundo Gastaldi, indica “uma oscilação dentro da margem de erro, mas claramente um ponto de arrefecimento nesse crescimento”.
Ele disse acreditar que o índice continue positivo, mas que não deve subir nos próximos meses.
Em sua leitura, isso tem a ver com o otimismo em relação ao novo governo, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas já dá sinais de que está cedendo após 100 dias do início do mandato.
“Já tínhamos uma perspectiva de melhora desde o ano passado. Chegou a 35% em novembro e para 40% em dezembro. Havia uma expectativa de mudança quanto ao novo governo. Em janeiro, chegou a 48%. E, em fevereiro, 56%”.
“Parece que a população também está fazendo um balanço de que o governo está com dificuldade de cumprir tudo o que prometeu, embora o voto de confiança continue. O cenário é positivo e traz alento, mas a percepção é de que não houve grandes mudanças. Não parece um grande entusiasmo de que o governo entregou o que a população queria nesses 100 dias”, nota Gastaldi.
O índice brasileiro, no entanto, é bem superior à média global. No mundo, apenas 38% consideram que seus países estão no caminho certo, e 62%, no caminho errado.
Nessa categoria, os mais otimistas são os indonésios — 83% acreditam que seu país está no caminho certo.
Já os argentinos são os mais pessimistas, com apenas 13% compartilhando uma visão positiva sobre o futuro do país.
A sondagem também verificou a opinião dos entrevistados quanto à situação econômica atual de seus países.
Entre os brasileiros, 32% avaliaram como “boa” e 68% “ruim”, um pouco abaixo da média mundial de 33% e 67%, respectivamente.
A melhor avaliação positiva veio de Cingapura, com 77% considerando como “boa” a situação econômica de seu país. Na outra ponta, estão os japoneses e os argentinos — em ambos os países, 91% dos entrevistados descreveram-na como “ruim”.
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