- Author, Steve Rosenberg
- Role, Da BBC News em Yefremov (Rússia)
No centro da cidade russa de Yefremov há uma parede coberta com imagens de guerra. Fotografias gigantes de soldados russos mascarados com armas e letras gigantes Z e V — símbolos do que a Rússia chama de “operação militar especial” na Ucrânia.
Há um poema também:
O bem deve ter punhos
O bem precisa de mão de ferro
Para arrancar a pele daqueles
Que o ameaçam.
Com estas mensagens e imagens patrióticas, as autoridades promovem a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Mas nesta cidade, que fica 320 km ao sul de Moscou, há também outra imagem da guerra na Ucrânia. Uma muito diferente.
A vereadora Olga Podolskaya me mostra uma foto em seu celular. É do desenho de uma criança. À esquerda está uma bandeira ucraniana com as palavras “Glória à Ucrânia”; à direita, as três cores da bandeira russa e a inscrição “Não à guerra!”. Enquanto mísseis chegam da Rússia, uma mãe e sua filha se colocam em seu caminho.
A imagem foi desenhada em abril de 2022 por Masha Moskaleva, que na época tinha 12 anos. Alexei, seu pai, entrou em contato com a vereadora para se aconselhar. Ele disse à vereadora que a escola chamou a polícia depois de ver o desenho de Masha.
“A polícia começou a investigar as redes sociais de Alexei”, conta Olga. “E disseram a ele que ele estava criando sua filha de um jeito errado.”
Alexei continuou sendo perseguido. Ele foi multado em 32 mil rublos (cerca de US$ 415 ou R$ 2 mil na época) por publicar um post contra a guerra nas mídias sociais. Há poucas semanas, um processo criminal foi aberto contra Alexei, também baseado em postagens contra a guerra.
Agora, Alexei pode até mesmo receber uma pena de prisão.
Atualmente ele está em prisão domiciliar em Yefremov. Sua filha Masha foi enviada provisoriamente para um orfanato. Alexei não tem nem permissão para falar com ela pelo telefone.
“Ninguém vê Masha desde 1º de março”, diz Olga Podolskaya, “apesar de nossas tentativas de obter acesso ao orfanato e descobrir como ela está.”
“As autoridades russas querem que todos sejam obedientes. Ninguém tem permissão para ter sua própria opinião. Se você discorda do que alguém pensa, então não fique lendo suas postagens nas redes sociais. Mas não coloque essa pessoa em prisão domiciliar e sua filha em um orfanato.”
Estamos do lado de fora de um bloco de apartamentos em Yefremov. Uma janela se abre e um homem olha para fora. É Alexei. Não temos permissão para nos comunicar com ele. Segundo as regras de sua prisão domiciliar, Alexei só pode entrar em contato com seu advogado, o investigador e o serviço penitenciário.
Seu advogado, Vladimir Biliyenko, acaba de chegar. Ele veio entregar comida e bebida que ativistas locais compraram para Alexei.
“Ele está muito preocupado porque sua filha não está com ele”, Vladimir me conta depois da visita com seu cliente. “Tudo no apartamento o lembra dela. Ele está preocupado com o que pode estar acontecendo com ela.”
Eu pergunto ao advogado por que ele acha que as autoridades levaram Masha.
“Se eles tivessem perguntas para o pai, deveriam tê-lo chamado para dar um depoimento. Deveriam ter chamado Masha também e falado com ela”, diz Vladimir.
“Nada disso foi feito. Eles apenas decidiram mandá-la embora [para o orfanato]. Na minha opinião, se não fosse pelo tipo de processo administrativo e criminal que Alexei recebeu, isso não estaria acontecendo. Os serviços sociais parecem obcecados com esta família. Acho que é puramente por razões políticas. Os problemas da família só começaram depois que a menina fez aquele desenho.”
Na rua, pergunto aos vizinhos de Alexei o que eles acham da situação.
“Ela é uma boa menina e nunca tive problemas com o pai”, diz a aposentada Angelina Ivanovna. “Mas tenho medo de falar qualquer coisa. Estou com medo.”
“Talvez possamos coletar assinaturas em apoio [de Alexei]”, sugere uma mulher mais jovem. Mas quando questionada sobre sua opinião sobre o que está acontecendo, ela responde: “Desculpe, não posso falar.”
Pergunto se ela está com medo de possíveis consequências.
“Sim, é claro.”
É uma curta caminhada do bloco de apartamentos de Alexei Moskalev até a Escola nº 9, onde Masha estudava e onde o desenho foi feito. A escola ainda não respondeu ao nosso pedido de entrevista ou comentário. Quando tentamos visitar o local, fomos informados de que não poderíamos entrar. Nossos telefonemas não foram atendidos.
Mas eu visitei o site da Escola nº 9 na internet. As imagens lá me lembram o muro patriótico que vi no centro da cidade.
A página inicial tem um setor chamado Heróis da Operação Militar Especial — com dezenas de retratos de soldados russos que lutaram na Ucrânia.
Também há slogans patrióticos: “Tudo pela vitória. Vamos apoiar nossos rapazes na linha de frente!”
Soldados que voltaram da Ucrânia visitaram a Escola nº 9 em outubro. Em um discurso naquele dia, a diretora da escola, Larisa Trofimova, declarou: “Acreditamos em nós mesmos e em nossa pátria, que nunca erra.”
Do outro lado da cidade, apoiadores da família Moskalev e jornalistas estão reunidos no tribunal local. A Comissão de Assuntos Juvenis de Yefremov está tomando medidas legais para tentar restringir oficialmente os direitos paternos de Alexei.
Esta é uma audiência inicial com o juiz. O advogado Vladimir Biliyenko diz que Alexei queria estar aqui pessoalmente. No entanto, ele não foi autorizado a deixar sua prisão domiciliar para comparecer ao tribunal, embora o que esteja em jogo seja o acesso à própria filha.
No corredor do tribunal, uma ativista levanta um cartaz que diz: “Devolva Masha para seu pai!”
Um policial manda ela baixar o cartaz.
A Comissão de Assuntos Juvenis ainda não respondeu ao nosso pedido para comentar o caso de Alexei Moskalev e sua filha Masha.
Uma das apoiadoras de Alexei, Natalya Filatova, acredita que a história da família Moskalev reflete a repressão à dissidência na Rússia.
“Nossa constituição proclama liberdade de expressão, liberdade de consciência, total liberdade para os cidadãos expressarem suas opiniões”, diz Natalya. “Mas agora estamos proibidos de fazer isso.”
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