Mais de sete anos depois do desastre de Mariana — quando o rompimento de uma barragem de mineração matou 19 pessoas e inundou um distrito inteiro no interior de Minas Gerais — as vítimas seguem buscando reparação na Justiça.
A barragem pertence à empresa Samarco — que é controlada por duas gigantes da mineração: a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP.
Um escritório de advocacia em Londres anunciou nesta quarta-feira (15/03) que mais de 700 mil vítimas do desastre no Brasil estão buscando indenizações na Justiça inglesa.
O valor total de indenização pedido pelas vítimas é um dos maiores do mundo para este tipo de processo: mais de US$ 44 bilhões (ou R$ 230 bilhões).
O valor é quase vinte vezes maior do que o desembolsado até junho de 2022 pela Fundação Renova — entidade que foi criada para pagar compensações e lidar com as consequências dos danos.
Briga entre mineradoras
O escritório de advocacia Pogust Goodhead vinha desde 2018 tentando processar a BHP na Justiça inglesa, já que a multinacional é listada na bolsa de Londres.
Já a BHP argumentava que seria desnecessário responder a qualquer processo no Reino Unido, pois a empresa já estava sendo acionada no Brasil.
Inicialmente a Justiça inglesa decidiu em favor da mineradora. Mas em julho do ano passado, um tribunal de apelação reverteu a decisão e aceitou o processo contra a mineradora.
“Nossa conclusão é simplesmente que os recursos disponíveis no Brasil não são tão obviamente adequados que se possa dizer que e inútil prosseguir com os processos [na Inglaterra]”, disse a decisão unânime assinada pelos juízes na ocasião.
O julgamento da BHP deve acontecer em abril de 2024.
A decisão desencadeou uma briga jurídica entre as duas mineradoras: a BHP entrou na Justiça inglesa para incluir a Vale no processo por indenização. Já a mineradora brasileira argumenta que não deve ser incluída no processo, já que não estaria dentro da jurisdição britânica.
Há uma audiência marcada para este mês sobre a disputa entre as duas mineradoras.
A BBC News Brasil entrou em contato com a Vale e com a BHP, mas até a publicação desta reportagem não havia recebido resposta.
A BHP se manifestou sobre os processos em dezembro do ano passado. Em nota, a empresa afirmou que continuará se defendendo nos processos na Inglaterra que “julga desnecessários por duplicarem assuntos já contemplados em trabalhos existentes e em andamento da Fundação Renova e processos judiciais no Brasil”.
“A BHP Brasil continua comprometida em continuar trabalhando com a Samarco e a Vale para apoiar os esforços locais de remediação no Brasil por meio da Fundação Renova. Esses esforços já forneceram aproximadamente US$ 2,3 bilhões em compensação e ajuda financeira direta em relação ao rompimento da barragem para 388 mil pessoas até 30 de junho de 2022.”
Na época, a Vale se pronunciou afirmando que “não aceita que esteja sujeita à jurisdição do tribunal inglês e pretende contestar essa competência de foro, bem como a alegada responsabilidade em conexão com o processo no Reino Unido”, segundo o site de mineração Mining.com.
Mais 500 mil vítimas
A demora para o processo andar na Justiça britânica fez com que o valor da indenização e o número de vítimas aumentasse ao longo dos cinco anos.
Em 2020, o escritório de advocacia representava 200 mil vítimas, que pediam US$ 6 bilhões em reparação.
Agora são mais de 700 mil pessoas reivindicando US$ 44 bilhões das mineradoras como compensação pela tragédia. Além do ressarcimento por seus prejuízos, as vítimas pedem correções pelos juros dos sete anos desde o rompimento da barragem.
“A compensação financeira não fará nossos clientes voltarem para tempos mais saudáveis e prósperos de antes nem jamais vai reparar integralmente os danos ao meio ambiente. No entanto, se a BHP tivesse pagado a compensação de forma justa e em um prazo razoável, eles teriam pelo menos feito a coisa certa e teriam vivido de acordo com os valores corporativos ESG (Environmental, Social and Governance) que tanto defendem”, afirmou em nota Tom Goodhead, diretor do escritório de advocacia que representa a ação de grupo.
“Em vez disso, como resultado de tentativas contínuas de frustrar a Justiça, a mineradora e seus investidores enfrentam agora passivos financeiros múltiplos mais altos do que deveriam e prolongam a agonia das vítimas”, acrescentou ele.
Segundo o escritório de advocacia, entre os novos autores estão membros das comunidades indígenas Guarani, Tupiniquim e Pataxos, além de quilombolas.
Eles se juntam aos membros da comunidade indígena Krenak, que participam da ação inglesa desde a origem e cujas terras ficam ao longo das margens do Rio Doce.
As pessoas que pedem indenização moram em 46 municípios de quatro Estados — Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Rio de Janeiro.
O desastre do rompimento da barragem do Fundão, localizada no subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 km do centro de Mariana (MG), foi o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos de mineração.
O colapso da barragem provocou 19 mortes e despejou mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério no meio ambiente, contaminando a bacia do Rio Doce, nos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, até alcançar o oceano Atlântico.
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