- Author, Amanda Ruggeri
- Role, BBC Future
Quando descobri os “filtros de beleza” – projetados para “melhorar” a aparência e muito populares em plataformas como TikTok, Instagram e Snapchat -, uma das minhas primeiras reações foi pensar que aquilo “zerava o jogo” para todos.
Antes da pandemia, eu passava um pouco de maquiagem quando ia sair. Isso fazia com que me sentisse mais atraente e a diferença no tratamento das pessoas quando eu passava rímel só reforçava essa percepção.
Mas então vieram o lockdown, o trabalho em casa e a chegada de um bebê. Encontrar tempo e motivação para passar batom parecia coisa do passado.
Por isso, quando vi pela primeira vez um filtro que fazia isso por mim – ou pela minha presença na internet, pelo menos – fiquei maravilhada.
E tive que me perguntar: será que existe tanta diferença entre passar 15 minutos me maquiando ou colocar um filtro na minha foto publicada na internet?
À medida que os filtros de beleza se tornam mais sofisticados, novas críticas estão surgindo condenando seus efeitos potenciais em tudo, desde nossa auto-estima até seu poder de popularizar um determinado padrão de beleza.
Nesta semana, com o lançamento pelo TikTok do filtro Bold Glamour – que tem um efeito surpreendentemente impecável – levou muitos usuários a se perguntarem se a tecnologia foi longe demais.
Ele pode transformar qualquer pessoa em top model.
Essas preocupações e críticas são válidas, mas muitas vezes não levam em consideração um componente crucial.
Como tantas outras coisas ligadas à tecnologia, os filtros de beleza não foram criados em uma bolha, separados da sociedade, para depois nos “infectar”.
Eles refletem – e muitas vezes pioram – os preconceitos e problemas que já temos. Esse é o problema.
Muito antes do filtro Bold Glamour surgir, nossa sociedade já tinha um fetiche pela beleza.
E não se trata apenas de atração física: as pessoas convencionalmente bonitas são vistas como as melhores em tudo, mais inteligentes e isso se reflete até em maior renda.
Cânones da beleza real x online
A verdade é que, seja com a escolha da roupa ou do corte de cabelo, dos óculos ou da maquiagem, nós nos apresentamos de uma determinada maneira – e, geralmente, de forma condizente com os cânones de beleza vigentes.
Embora gostemos de pensar que tomamos essas decisões com base em nossas preferências individuais, sabemos há muito tempo que elas são impulsionadas pelos estilos da moda.
Existem muitos estudos que comprovam isso.
Até um traço como as sobrancelhas passou das formas fininhas dos anos 90 para as supergrossas dos anos 2010 (e já está mudando de novo).
Claro, há uma diferença entre seguir as tendências de beleza na vida real e aplicar filtros online. Os cosméticos podem criar a ilusão de maçãs do rosto mais esculpidas; um filtro de beleza os esculpe virtualmente.
Mas em uma época em que procedimentos estéticos altamente eficazes e minimamente invasivos, como o botox, estão se tornando mais populares, é possível dizer que muitas pessoas que você encontra na vida real tiveram uma “ajuda extra” na aparência.
Como nossa capacidade de rejuvenescer e recriar cânones de beleza na vida real aumenta exponencialmente, é natural que estejamos vendo o mesmo fenômeno na internet. Mas não menos problemático.
Na verdade, pode ser um ciclo vicioso: os filtros de beleza não estão apenas respondendo aos cânones existentes, mas os cânones de beleza offline estão mudando em resposta aos filtros.
Meninas adolescentes que usam filtros, por exemplo, têm maior probabilidade de cogitar fazer uma cirurgia estética.
E os cirurgiões plásticos observaram um aumento no número de clientes que buscam as operações para se parecerem mais com suas imagens geradas pelos filtros.
Isso é ainda mais preocupante quando se leva em conta que esses filtros tendem a ser racialmente tendenciosos, com base em características estereotipadas de pessoas “brancas”.
Efeitos na percepção
Estamos falando apenas de filtros faciais. Mas há muitas maneiras de retocar o corpo nas redes sociais, até mesmo em vídeo.
De certa forma, isso não é nenhuma novidade. Modelos e fotógrafos profissionais sabem há muito tempo que certas poses e ângulos podem alongar as pernas e estreitar a cintura, e então retocam as imagens na edição com programas de computador.
Influenciadores das redes sociais também costumam recorrer a essas estratégias.
Ao tornar mais fácil para qualquer pessoa diminuir a cintura ou preencher os lábios em um vídeo ou foto online, pode-se argumentar que esses filtros estão apenas tornando os truques da indústria mais acessíveis.
Enquanto alguns aplaudem o aumento da disponibilidade de tecnologia, também é verdade que esses filtros são novos demais para sabermos como eles afetam a autopercepção e a saúde mental a longo prazo.
As pesquisas feitas até agora indicam que eles podem fazer os usuários se sentirem pior sobre si mesmos, em parte devido a ver tantas imagens de outras pessoas que são fortemente editadas e sem falhas.
Mesmo antes do surgimento dos filtros de beleza mais sofisticados, as pessoas que passavam muito tempo nas redes sociais vendo a vida idealizada de outras pessoas eram mais propensas a se sentir mal psicologicamente.
A mesma coisa ocorre quando vemos nossa própria imagem com filtros.
As adolescentes, que geralmente são mais vulneráveis aos efeitos das imagens que veem nas redes, correm um risco particularmente alto.
Um estudo, por exemplo, descobriu que quando selfies originais ou retocadas eram mostradas para meninas entre 14 e 18 anos, elas achavam que as imagens editadas ficavam melhores.
Aquelas que viram fotos manipuladas ficaram menos satisfeitas com seus corpos.
Embora o Bold Glamour do TikTok esteja recebendo a maior parte da atenção da imprensa, existem outros filtros que são problemáticos de uma maneira diferente.
Um dos mais perturbadores é o filtro Teen, também do TikTok, que faz qualquer um parecer um adolescente.
Especialistas em segurança infantil manifestaram preocupação. Esse filtro, em particular, pode ser usado por adultos que fazem poses sugestivas ou usam roupas sexualmente sedutoras, por exemplo, para fazer os espectadores acreditarem que são adolescentes.
Isso destaca – e também aumenta – um aspecto perigoso da sociedade: a normalização da sexualização das crianças.
Os filtros de beleza podem ser mais um passo em nossa obsessão cultural em aperfeiçoar nossa aparência.
Mas, a julgar pela recepção que tiveram até agora, eles podem ir longe demais.
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