- Author, Kate Morgan e Delaney Nolan
- Role, BBC Worklife
Antes da pandemia, Mark tinha bastante autonomia no seu emprego, no departamento de TI de uma indústria americana. Ele e seus colegas conseguiam realizar seu trabalho, segundo ele, “sem que nosso gerente, você sabe, gerenciasse muito”.
“Mas isso mudou abruptamente quando a empresa fez a transição para o trabalho à distância. O monitoramento começou no primeiro dia”, segundo Mark – seu sobrenome é omitido por questões profissionais.
A empresa começou a usar software que permitia o controle remoto dos sistemas de computadores dos funcionários. Mark conta que sua equipe precisou fornecer a senha ao gerente “para que ele pudesse conectar-se sem que nós precisássemos aceitar. Se a senha mudava, ele a pedia por email logo no início da manhã.”
O gerente de Mark explicou que o propósito dessa supervisão era garantir que todos permanecessem produtivos e tivessem o mesmo tipo de comunicação aberta que havia no escritório. Mas, na verdade, a vigilância deixou Mark ansioso e colaborou para que ele rapidamente sentisse sobrecarga e burnout.
“Era muita tensão, sentir que eu precisava usar ativamente o computador a todo momento, com medo que ele pensasse que algo como uma ligação telefônica ou uma pausa para ir ao banheiro fosse uma diminuição de ritmo da minha parte”, conta.
Com o aumento do trabalho remoto, surgiu um pico do monitoramento do ambiente de trabalho. Estimativas de 2022 indicam que o número de grandes empresas quye monitoram seus funcionários dobrou desde o início da pandemia.
Existem programas de monitoramento que registram os toques nas teclas ou rastreiam a atividade do computador com capturas de tela periódicas. Outros programas gravam as ligações ou reuniões e até têm acesso às webcams dos funcionários.
Ou, como no caso de Mark, alguns programas permitem total acesso remoto aos sistemas dos funcionários.
Independentemente da forma como os profissionais são monitorados, muitas empresas estão adotando o monitoramento porque acreditam que ele garante a produtividade dos funcionários remotos, segundo a professora Karen Levy, do Departamento de Ciências da Informação da Universidade Cornell, nos Estados Unidos. Ela é autora de Data Driven: Truckers, Technology and the New Workplace Surveillance (“Guiado pelos dados: motoristas, tecnologia e a nova supervisão do ambiente de trabalho”, em tradução livre).
Mas, em meio ao pico do monitoramento, existem cada vez mais evidências de que a supervisão eletrônica pode, em alguns casos, fazer mais mal do que bem. Os funcionários se irritam com a supervisão, que pode gerar estresse, causar demissões de funcionários e até fazer com que os profissionais diminuam a qualidade do seu trabalho – de propósito.
Mais profissionais sendo observados
Um estudo de 2021 da ferramenta de segurança na internet Express VPN, entre 2 mil empregadores e 2 mil profissionais em trabalho remoto ou em esquema híbrido, demonstrou que cerca de 80% dos patrões usam software de monitoramento.
“Os gerentes estão cada vez mais interessados no uso de software para monitorar os teclados, as atividades e a atenção dos funcionários de formas novas”, afirma Levy.
Ela acrescenta que alguns gerentes estão até “coletando dados mais específicos sobre as comunicações dos profissionais – já que muito mais comunicações são feitas nos canais digitais do que pessoalmente – e sobre seus corpos, com tecnologias vestíveis e biometria”.
Algumas companhias instalaram, por exemplo, relógios que rastreiam a impressão digital dos funcionários para registrar seus horários de saída e de entrada. Outras usam webcams para coletar dados sobre o movimento dos olhos, que são utilizados para acompanhar a atenção dos funcionários.
Ainda outras empresas, segundo Levy, não estão apenas assistindo ao que os funcionários estão fazendo em um dado momento, mas também usando essas informações para antecipar o que eles poderão fazer, por meio de “análise da previsão se um profissional está, por exemplo, disposto a pedir um aumento ou sair para outro emprego”.
Um software que monitora o histórico de buscas dos funcionários e até suas redes sociais pode revelar se eles estão procurando emprego e rastreadores que capturam sinais como o tom de voz podem indicar o nível de comprometimento dos profissionais.
Nem todas as empresas que vigiam seus funcionários estão implementando essa vigilância por desconfiança. Algumas precisam fazê-lo, segundo Levy, “por razões de segurança ou para atender a leis ou regulamentos em alguns setores”. Mas a maioria usa esses programas por opção.
“Muitas vezes, os gerentes pensam que saber mais sobre o que os funcionários estão fazendo é útil para tomar decisões, eliminar desperdícios ou forçar os profissionais a cumprir com os objetivos da empresa”, afirma Levy. E alguns patrões simplesmente querem saber o que os seus funcionários estão dispostos a fazer.
A pesquisa Índice de Tendências do Trabalho de 2022 da Microsoft demonstrou que 85% dos líderes têm dificuldade para acreditar que seus funcionários estão sendo produtivos. E, de fato, a “paranoia da produtividade” tornou-se uma questão importante na era da pandemia.
David Welsh, professor da Universidade do Estado do Arizona, nos Estados Unidos, pesquisa a ética de comportamento e das organizações. Ele observa que as empresas, muitas vezes, adotam uma estratégia maximalista sobre o monitoramento dos funcionários.
“Elas pensam ‘mais, mais e mais, vamos usar todas as ferramentas à nossa disposição'”, ele conta. “Elas querem ter o máximo de controle possível. E, é claro, para os funcionários, esse controle muitas vezes pode parecer opressivo.”
Preferência pela privacidade
Dados de pesquisas indicam que vigiar os funcionários, muitas vezes, é contraproducente. Welsh e uma equipe de pesquisadores defendem que o monitoramento pode tornar os funcionários mais propensos a desrespeitar regras.
Em um estudo, ele e seus colegas descobriram que profissionais americanos que estavam sob vigilância faziam mais intervalos sem aprovação, trabalhavam intencionalmente de forma mais lenta e roubavam mais material de escritório do que seus companheiros não monitorados.
Para determinar as causas e não apenas a correlação, a equipe idealizou um segundo estudo, no qual os profissionais recebem uma série de tarefas e a oportunidade de trapacear nelas. E a conclusão foi que a metade que sabia que estava sob vigilância era mais propensa a trapacear.
O monitoramento fez com que os participantes sentissem falta de poder e responsabilidade, segundo Welsh, o que levava ao mau comportamento.
Eles apresentaram maior probabilidade de trapacear enquanto eram observados porque “sentiam que estavam sendo controlados e tinham menos senso de responsabilidade pessoal devido à forma em que estavam sendo monitorados”, afirma ele.
Trata-se de um fenômeno difícil de quantificar, mas sua compreensão é mais direta: quando os profissionais não são tratados com dignidade e têm autonomia, eles sofrem. E, muitas vezes, eles subvertem as regras do ambiente de trabalho para conseguir de volta a sensação de controle.
Welsh também afirma ter confirmado “essa ideia pouco intuitiva de que o monitoramento pode realmente levar as pessoas a desrespeitar mais as regras sob certas circunstâncias ou criar os mesmos tipos de comportamento que se pretendia evitar”.
O pesquisador Rudolf Siegel, da Universidade do Sarre, na Alemanha, e um dos autores de uma recente meta-análise sobre os efeitos do monitoramento eletrônico, afirma que “o que realmente foi surpreendente é que não encontramos efeitos positivos sobre o desempenho”. Em outras palavras, os dados demonstraram que monitorar os funcionários não trouxe benefícios e, pelo contrário, prejudicou a cultura do ambiente de trabalho e estimulou o comportamento contraproducente.
Os profissionais que foram observados contra a sua vontade podem também dedicar-se com mais energia à busca de formas criativas de subverter os próprios controles impostos pelos empregadores. Siegel relembra um caso de um motorista de caminhão com GPS que usou folha de flandres para cobrir a antena do sistema de rastreamento.
Em outro caso do campo da automação, funcionários sendo monitorados eram mais propensos a desligar e guardar os robôs que usavam no trabalho.
“Ser observado todo o tempo aumenta nossos níveis de estresse e afeta nosso senso de autonomia e dignidade”, afirma Levy. “Por isso, os gerentes que exageram no monitoramento dos funcionários podem também fazer com que as pessoas saiam em busca de ambientes de trabalho onde se sintam mais respeitadas.”
Em busca da melhor forma de observar
É importante salientar que o monitoramento não é objetivamente ruim em todos os casos. Ele também traz benefícios.
Alguns dados demonstram, por exemplo, que ser observado pode aumentar o desempenho e a produtividade. Mas os efeitos podem variar conforme os cargos e os profissionais. E os resultados, muitas vezes, variam de acordo com a forma em que os empregadores introduzem essas tecnologias.
Para Karen Levy, os problemas reais surgem quando o monitoramento iniciado de forma racional ou até benéfica começa lentamente a adentrar um território diferente, deixando os funcionários desconfortáveis.
“A questão, muitas vezes, é que, quando você está monitorando por alguma razão, é muito fácil acrescentar outras motivações”, explica ela. “Por exemplo, se você precisa fazer algum monitoramento dos profissionais porque a lei exige, fica muito fácil justificar o aumento da supervisão e análise do desempenho dos funcionários em nome da produtividade ou da eficiência, porque, muitas vezes, você pode usar a mesma tecnologia para fazer as duas coisas.”
E não é surpresa que os funcionários não fiquem muito felizes quando as empresas ultrapassam seus limites, o que pode levá-los a sair desses empregos monitorados.
Uma pesquisa da empresa Morning Consult entre 750 profissionais do setor de tecnologia demonstrou em 2022 que metade deles prefere demitir-se a ter seu empregador monitorando-os durante a jornada de trabalho.
Levy acredita que alguns empregadores irão perceber o risco e interromper o monitoramento, em vez de perder as pessoas.
“Acho que os empregadores, mesmo que ajam totalmente nos seus melhores interesses, podem decidir limitar o monitoramento para tornar seus ambientes de trabalho mais atraentes para os profissionais em alta demanda, de forma que as pessoas queiram permanecer nos seus empregos por longos períodos de tempo”, afirma ela.
Pode também haver formas de fazer com que o monitoramento seja uma experiência menos questionável para os funcionários. Se os empregadores forem transparentes e se anteciparem sobre a necessidade e os propósitos do monitoramento, os estudos de Spiegel e Welsh demonstram que os efeitos negativos são muito reduzidos.
David Welsh explica que, quando os funcionários sentirem que “estão sendo tratados com justiça pela organização”, eles têm menos probabilidade de trapacear.
“Por isso, se você estiver sendo monitorado, mas pensar ‘estou trabalhando em uma empresa justa, eles agem corretamente’, você não tem essa reação negativa… [os funcionários] querem ter líderes que sejam éticos e os tratem bem”, afirma ele.
Existe, portanto, uma forma para que os empregadores saibam o que as pessoas estão dispostas a fazer sem alienar os funcionários. E o maior avanço, segundo Levy, é envolver os profissionais.
“Um bom lugar para começar é trazer os profissionais, de forma significativa, para o processo de determinação de qual tecnologia será usada, como serão tratados os dados coletados, quem terá acesso a esses dados e realmente analisar como a tecnologia pode ajudar os funcionários a realizar o seu trabalho, em vez de servir de ameaça ou ferramenta de policiamento”, segundo ela.
Em alguns casos, aumentar a comunicação já pode ser suficiente para ajudar patrões e empregados a encontrar um meio-termo feliz.
Quando Mark chegou ao limite com a vigilância do seu patrão, ele disparou um longo email explicando o que fez com que aquilo fosse tão prejudicial. Ele estava preparado para uma reação negativa à crítica, mas decidiu que seria melhor ter um chefe zangado do que ser observado.
Mark ficou aliviado quando seu patrão se mostrou disposto a encontrar uma solução.
“Eu propus que enviássemos a ele um relatório por email no final de cada dia, informando o que fizemos, o que planejamos fazer no dia seguinte e eventuais problemas”, ele conta. “Sua resposta foi que ele olhava para a tela apenas ocasionalmente, não percebeu que aquilo era um problema e concordou com a minha proposta.”
O resultado é que, enquanto Mark e seus colegas estavam estressados e agitados, o patrão não havia notado. Bastou a comunicação aberta, não a vigilância oculta, para resolver a questão.
É claro que muitas pessoas trabalham com líderes de empresas que seriam muito menos abertos a este tipo de crítica – e alguns profissionais podem não ter muitos recursos. Mas Levy afirma que seus líderes fariam bem se ouvissem essas preocupações.
“Mesmo se eles não desistirem totalmente do monitoramento”, afirma ela, “existem formas de implementar essas ferramentas com mais respeito pelos profissionais.”
Você precisa fazer login para comentar.