- Author, Paul Ivan Harris
- Role, BBC Reel
A cidade mexicana de Río Rico, um município de fronteira localizado no Estado de Tamaulipas, tem uma rica história.
Já foi uma espécie de pequena Las Vegas e, a certa altura, fez parte dos Estados Unidos.
Mas muita gente ali esqueceu disso. Por quê?
As fronteiras entre regiões e países mudam com frequência, seja de forma violenta, devido à guerra, seja pacificamente, quando uma porção de terra é negociada entre duas partes.
Mas o caso de Río Rico não se encaixa em nenhum dos dois. Foi uma empresa (e uma interferência ilegal no curso de um rio) que reescreveu a história da fronteira entre México e Estados Unidos.
O rio Grande, para quem está ao sul, ou rio Bravo, para quem está ao norte, marca geograficamente o limite entre os dois países desde 1848.
Por muito tempo seu curso foi alterado reiteradas vezes, gerando disputas territoriais entre mexicanos e americanos que culminaram no Tratado de 1884, que reconhecia como válidos para fins de redesenho das fronteiras apenas os desvios decorrentes de eventos naturais.
No início dos anos 1900, uma empresa chamada American Rio Grande Land and Irrigation Company mantinha do lado americano uma estação de bombeamento que extraia água do rio para fornecer irrigação a agricultores locais.
Em 1906, sua administração resolveu, sem autorização, estreitar um dos meandros do rio. Cavou então um canal que acabou isolando 419 hectares de terra que pertenciam aos EUA e que passaram, com a manobra, para o lado sul do rio, um total 1,67 km² de território batizado de “Banco Horcón”.
“Há consequências quando se tenta controlar a natureza”, diz Joe Vidales, do McAllen Heritage Center, um museu localizado no Estado americano do Texas.
Embora o terreno ainda fizesse legalmente parte dos Estados Unidos, sua localização, agora ao sul do rio, o colocava sob a jurisdição das autoridades mexicanas.
A American Rio Grande Land and Irrigation Company violou vários tratados e foi multada, mas o status do território foi deixado em um limbo legal.
Pequena Las Vegas
A população se adaptou rapidamente à nova realidade, especialmente depois que, em 1920, a Lei Seca foi introduzida nos Estados Unidos.
“Se você estivesse no sul do Texas e quisesse tomar uma cerveja ou uma margarita, não poderia fazê-lo daquele lado do rio, mas poderia remar, nadar, às vezes até caminhar e conseguiria tomar um drinque.”
Jogada para o lado mexicano depois do desvio artificial (e ilegal) do rio, a cidade de Río Rico ficou feliz em abastecer seus vizinhos do norte com o que então era proibido no país.
“Em 1928 teve início a construção de uma ponte para cruzar para Río Rico”, relata Vidales.
Os jornais locais noticiaram não apenas a grande inauguração, mas também tudo o mais que o lugar tinha a oferecer.
“Havia cassinos, jogos de azar, brigas de galo, bordéis. A boate Tivoli tinha uma pista de dança do tamanho de uma quadra de basquete. 250 dos cães mais rápidos compareceram à corrida inaugural do Rio Rico Kennel Club.”
“A Lei Seca fez florescer a economia de Río Rico. E o nome que ecoava por ali naquela época era o de Al Capone”, acrescenta.
“Não há registro oficial de que ele esteve lá. Mas supõe-se que seus capangas estivessem encarregados de injetar dinheiro na cidade para transformá-la em uma área turística.”
Alma Bernal, natural do vilarejo, lembra que “havia um hotel e um teatro onde meus avós podiam ver Pedro Infante e Sara García, artistas muito importantes da história mexicana”.
“Muita gente viajou para o Río Rico só para ver esses artistas.”
O esquecimento
Os bons ventos mudaram de direção depois de 1933, quando a proibição ao consumo de bebida alcoólica nos EUA foi revogada.
Río Rico voltou a ser uma pacata cidade de fronteira, lembra Mike England, que trabalha para a England Cattle Company e cresceu do lado americano do rio.
Para ele, a fronteira nunca foi algo que separasse as pessoas.
“Crescer ali no rio foi o paraíso: eu ia pescar e caçar todo dia com crianças que viviam do outro lado do rio, que vinham para nossa casa como se fossem da família.”
“Também nadava no rio, ia para o sul e convivia com suas respectivas famílias.”
“É um pouco estranho. Eles falam sobre ilegais deste lado… Acho que eu era ilegal daquele lado também, mas ninguém se importava.”
Desde então, e por várias décadas, a população de Río Rico acabou esquecendo que era, na verdade, cidadã dos Estados Unidos.
Isso até 1967, quando um professor de geografia chamado James Hill descobriu o que havia acontecido.
‘Nasci em Río Rico!’
Hill “fez uma extensa pesquisa sobre esta área e criou mapas bem documentados que indicavam as propriedades localizadas nesses 419 acres (170 hectares) onde fora feito o corte do rio”, conta Vidales.
Entre os que se interessavam pela pesquisa estava o advogado Laurier McDonald. Um de seus clientes, um homem chamado Homero Cantu, estava na época no meio de um processo de deportação dos Estados Unidos.
McDonald conseguiu provar que, como seu cliente havia nascido em Río Rico, era cidadão americano.
“É a 14ª emenda da Constituição: se você nasceu no território dos Estados Unidos, você é um cidadão”, diz Vidales.
“Isso causou muita confusão. Pessoas de todo o México, da Europa e até da China vieram dizer: ‘Nasci em Río Rico’.”
Com tanta gente buscando cidadania americana alegando ter nascido na pequena cidade, os advogados tiveram que avaliar caso a caso as reivindicações.
“Tivemos clientes cuja situação dependia do quarto em que nasceram, porque a própria casa ficava na fronteira internacional”, lembra Robert Crane, advogado de imigração.
“É preciso lembrar que ninguém que morava lá sabia disso, então os lotes acabavam sendo divididos para a construção de novas casas.”
No final, os Estados Unidos cederam oficialmente Banco Horcón ao México e aceitaram os pedidos de reconhecimento de cidadania de cerca de 250 pessoas.
A maioria delas emigrou para os Estados Unidos, deixando Río Rico uma sombra do que um dia havia sido.
“Pode ser difícil acreditar que esta já foi uma cidade muito ativa”, diz Bernal.
Río Rico é um lugar bastante tranquilo hoje. Conta cerca de 170 habitantes, segundo o censo de 2020.
As poucas famílias que restam são de agricultores, e os visitantes que chegam estão a caminho da fronteira, uma das mais fortemente vigiadas do mundo.
“Aquele rio não separa as pessoas”, diz England. “Apesar de tudo somos irmãos, ainda somos todas pessoas.”
*Este artigo é baseado no vídeo da BBC Reel “A cidade de fronteira que ‘esqueceu’ que fazia parte dos EUA”. Para ver o conteúdo original, em inglês, clique aqui.
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