- Author, David Robson* e Alessia Franco**
- Role, BBC Future
Quando analisamos a vida dos ricos e famosos, sempre temos a tentação de procurar o segredo do sucesso deles.
Então, vamos lá: o que a cozinheira Julia Child, o romancista Gabriel García Márquez, a cantora Taylor Swift e os fundadores do Google, Larry Page e Sergey Brin, têm em comum?
Resposta: todos eles estudaram em escolas Montessori quando crianças.
Nos Estados Unidos, a influência dessas escolas no mundo das artes e da tecnologia vem sendo observada há muito tempo. Mas o alcance do método educacional vai muito além disso.
O líder da independência da Índia, Mahatma Gandhi, era um admirador do método Montessori. Ele descreveu como as crianças “não sentiam o aprendizado como obrigação, pois elas aprendiam tudo enquanto brincavam”.
Já o poeta indiano Rabindranath Tagore, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1913, formou uma rede de escolas Montessori para liberar a autoexpressão criativa das crianças.
Mas o método Montessori realmente funciona?
Faz mais de um século que a médica e educadora italiana Maria Montessori delineou seus famosos princípios, incentivando as crianças a desenvolver a autonomia desde cedo. A vida dela oferece a história inspiradora de uma feminista pioneira que ousou desafiar o regime fascista da Itália em busca de um sonho.
Estimativas indicam que existem atualmente pelo menos 60 mil escolas em todo o mundo que adotam o método. Mas os benefícios da educação Montessori, surpreendentemente, continuam a ser debatidos.
Essas discussões se devem, em parte, às dificuldades inerentes de se conduzir pesquisas científicas em salas de aula, o que faz com que os estudos existentes sejam objeto de severas críticas pelos céticos.
Apenas recentemente os pesquisadores conseguiram resolver algumas dessas questões, e suas conclusões são uma leitura fascinante para professores, pais e estudantes — na verdade, para qualquer pessoa interessada pela maleabilidade da mente das crianças.
Maria Montessori nasceu na pequena municipalidade de Chiaravalle, na Itália, em 1870.
Seus pais eram progressistas e mantinham reuniões frequentes com os principais pensadores e acadêmicos do país. E este ambiente familiar ofereceu a Montessori muitas vantagens sobre as outras jovens do seu tempo.
“O apoio de sua mãe foi fundamental para algumas decisões importantes, como matricular-se em uma escola técnica depois do ensino fundamental”, segundo Elide Taviani, uma das diretoras da Opera Nazionale Montessori em Roma, na Itália. A organização foi fundada por Montessori para pesquisar e promover os métodos educacionais.
O suporte dos pais também foi essencial para a decisão de estudar medicina, um campo que, na época, era dominado pelos homens.
“A família de Maria Montessori sempre foi extremamente sensível a questões sociais”, acrescenta Taviani. Um exemplo é a luta pela emancipação feminina, uma batalha que Montessori travaria até a idade adulta. “Ela representou um importante ponto de referência para outras mulheres de seu tempo.”
Pouco depois de formar-se em 1896, Montessori começou a trabalhar como assistente voluntária em uma clínica psiquiátrica na Universidade de Roma, na Itália, onde cuidava de crianças com dificuldades de aprendizado. As salas eram quase vazias, com poucos móveis.
Um dia, ela observou as crianças entusiasmadas, brincando com migalhas de pão que haviam caído no chão, segundo Catherine L’Ecuyer, pesquisadora de psicologia e educação da Universidade de Navarra, na Espanha, e autora do livro The Wonder Approach (“A Abordagem Maravilhosa”, em tradução livre).
“Foi quando ocorreu para ela que a origem de algumas dificuldades intelectuais poderia estar relacionada ao empobrecimento”, conta L’Ecuyer.
Montessori então concluiu que, com os materiais de aprendizado corretos, aquelas e outras mentes jovens poderiam ser cultivadas. Esta observação levaria Montessori a desenvolver um novo método de educação, concentrado em fornecer o estímulo ideal durante os períodos sensíveis da infância.
O método parte do princípio de que todos os materiais de aprendizado devem ter o tamanho adequado para as crianças e ser projetados para apelar a todos os cinco sentidos.
Além disso, deve-se também permitir que cada criança se movimente e aja livremente, usando a criatividade e as próprias técnicas de resolução de problemas. Os professores assumem o papel de guias, apoiando as crianças sem controle, nem coerção.
Montessori abriu a primeira Casa dei Bambini (“Casa das Crianças”, em tradução livre) em 1907 e logo surgiram várias outras unidades. Ao longo do tempo, ela também formou ligações com visionários de todo o mundo, incluindo Gandhi.
Talvez de forma surpreendente, os fascistas inicialmente adotaram o método quando chegaram ao poder na Itália, em 1922. Mas logo passaram a combater a ênfase de Montessori sobre a liberdade de expressão das crianças.
Taviani afirma que os valores de Montessori sempre foram sobre o respeito humano e “os direitos das crianças e das mulheres, mas os fascistas queriam explorar o trabalho e a fama dela”.
O rompimento chegou quando o regime fascista tentou influenciar o conteúdo educacional das escolas. Montessori e seu filho decidiram então sair da Itália, em 1934.
Maria Montessori só retornaria à sua terra natal em 1947. Ela continuou a escrever e desenvolver seu método até sua morte em 1952, aos 81 anos de idade.
Crianças no comando
Existem atualmente muitos tipos diferentes de escolas Montessori e nem todas são reconhecidas pela Opera Montessori. Mas certos princípios fundamentais permanecem intactos.
Um deles é a ideia de que os professores são guias que incentivam as crianças com gentileza a fazer as atividades com o mínimo de interferência possível dos adultos.
“Nossas crianças aprendem a se autogerenciar”, afirma Miriam Ferro, diretora da Ecoscuola Montessori de Palermo, na Itália, que atende crianças desde os primeiros meses de vida até os seis anos de idade.
Algumas matérias da Ecoscuola são similares às ensinadas em outras instituições, como a matemática e a música. Mas existe também um segmento chamado de “vida prática”, que retoma a visão original de Montessori sobre a autonomia das crianças.
Esta matéria inclui tarefas práticas do dia a dia, como servir bebidas para os colegas de classe. Por questões de segurança, os professores se encarregam de ferver a água, mas as crianças têm papel ativo na limpeza da superfície de trabalho e apresentam as bebidas para os demais.
“No café da manhã e no almoço, elas também se autogerenciam, dividindo-se em turmas para arrumar a mesa e servir os colegas”, afirma Ferro.
O método incentiva a independência, mas também a colaboração. Crianças de diferentes idades aprendem na mesma sala de aula, de forma que os que têm seis anos de idade, por exemplo, possam ajudar os de três anos.
Não há exames, nem notas, para evitar a competição entre os alunos. Cada sessão tem três horas de duração, para permitir que as crianças fiquem imersas no que estão fazendo.
Os materiais de aprendizado são elaborados para que possam ser manuseados e explorados com todos os sentidos, como letras e números feitos de lixa, que a criança pode procurar e sentir com os dedos.
Mas, por mais sensível e animador que possa parecer este conceito, será que ele traz benefícios tangíveis além dos encontrados na sala de aula comum? Esta parece uma questão simples, mas é muito difícil de responder.
Pesquisas indicam que pode haver benefícios em aspectos específicos da educação Montessori, mas os resultados trazem advertências importantes. Isso porque é difícil aplicar em sala de aula o processo científico padrão empregado para descobrir se algo funciona ou não.
Para medir cientificamente os efeitos de uma intervenção, tipicamente se realiza um teste controlado aleatório. Este teste envolve a alocação aleatória dos participantes em dois grupos – o grupo “experimental”, que recebe a intervenção, e o grupo “controle” que passa por um procedimento comparável, mas diferente, que não se espera que cause o efeito desejado.
Se os participantes que receberam a intervenção tiverem melhores resultados que os que não a receberam, pode-se concluir que a intervenção funcionou conforme o desejado.
Na área médica, as pessoas do grupo que passou pela intervenção receberiam um comprimido real, enquanto o grupo controle receberia uma pílula “placebo”, que se parece exatamente com o remédio de verdade, mas não contém os ingredientes ativos. Infelizmente, porém, é muito difícil aplicar o mesmo rigor científico aos testes com intervenções educacionais.
Você pode optar por comparar alunos das escolas Montessori com os de algum outro sistema educacional. Mas muitas escolas Montessori são particulares, pagas com mensalidades, e a escolha dos pais pode estar relacionada a muitos outros fatores que também podem influenciar o progresso das crianças. E a situação financeira dos pais não é a única variável em questão.
“Os pais que matriculam seus filhos em uma escola Montessori podem ser mais dedicados à sua educação, de forma que o seu próprio estilo educativo em casa pode influenciar positivamente”, explica Javier Bernacer, do Instituto de Cultura e Sociedade da Universidade de Navarra, na Espanha.
É certo que alguns estudos aparentemente demonstram uma série de benefícios para as crianças em desenvolvimento, mas não podemos ter certeza se esse é um resultado do método Montessori ou se é uma simples consequência do um ambiente privilegiado.
A professora de psicologia Angeline Lillard, da Universidade da Virgínia em Charlottesville, nos Estados Unidos, tentou superar essas dificuldades observando uma escola Montessori específica na cidade norte-americana de Milwaukee.
As crianças matriculadas na instituição foram selecionadas por um sistema de sorteio. Esta seleção aleatória deveria eliminar os outros fatores de influência, oferecendo a Lillard maior confiança de que o próprio método Montessori seria o responsável por eventuais diferenças.
Ao analisar o progresso dos alunos aos cinco anos de idade, Lillard concluiu que a maioria das crianças que frequentaram a escola Montessori apresentava níveis de alfabetização, habilidades matemáticas, funções executivas e habilidades sociais maiores em comparação com as que frequentaram locais com outros métodos. E, com 12 anos de idade, elas demonstraram melhor capacidade de contar histórias.
Por mais positivos que sejam estes resultados, é importante observar que eles se basearam em uma amostra de alunos relativamente pequena. Chloe Marshall, do Instituto de Educação da Universidade College London, no Reino Unido, afirma que os resultados de Lillard fornecem o teste mais rigoroso já aplicado, “mas esta é apenas uma evidência e, na ciência, é necessário replicá-la”.
Os benefícios do ‘tempo desestruturado’
Ao analisar a literatura sobre psicologia e educação de forma mais geral, Marshall suspeita que o método realmente traga benefícios, sem nenhuma desvantagem.
Existem, por exemplo, evidências recentes de que oferecer às crianças tempo não estruturado, no qual elas podem desempenhar suas próprias atividades sem muita interferência dos adultos, realmente gera maior independência e autodirecionamento. Esta abordagem é central para o método Montessori.
Existem também evidências de que as crianças em salas de aula que usam apenas materiais de aprendizado Montessori oficiais apresentam melhor desempenho do que em salas de aula com outros tipos de objetos educacionais, o que indica que o projeto característico realmente beneficia o aprendizado.
A neurocientista Solange Denervaud, do Centro Hospitalar Universitário de Vaud, na Suíça, e ex-professora que seguia o método Montessori, tem a mesma impressão positiva. Em um estudo recente, ela concluiu que crianças que frequentam escolas Montessori tendem a apresentar maior criatividade, o que parece estar ligado a melhores resultados acadêmicos.
Embora Denervaud não tenha conseguido reunir uma amostra totalmente aleatória de estudantes, ela tentou garantir a comparação de crianças com inteligência e antecedentes socioeconômicos similares, eliminando alguns dos fatores de influência.
Denervaud suspeita que as vantagens sejam derivadas da experiência das crianças ao assumirem a coordenação das suas atividades de aprendizado desde cedo, da maior oportunidade de encontrar soluções próprias para os problemas e do aprendizado a partir dos erros.
Todos esses processos devem incentivar o pensamento mais flexível. “É um espaço seguro para tentativa e erro”, segundo ela.
O sucesso dos alunos Montessori pode refletir todos esses benefícios?
Marshall afirma que é algo a ser visto com reservas, já que ainda não temos evidências convincentes sobre os benefícios de longo prazo. Já Denervaud é mais positiva: considerando seus resultados, ela acredita que a educação Montessori pode ajudar as pessoas a ter sucesso em setores mais criativos.
“Quando estamos na escola, construimos a arquitetura da mente”, afirma ela. Por isso, faria sentido que as pessoas que aprenderam a ser automotivadas, flexíveis e cooperativas com pouca idade tenham vantagens ao longo da vida, aponta Denervaud.
A marca Montessori
Sejam quais forem os verdadeiros benefícios do método, existe certamente algo de atraente sobre a ideia central — e seus proponentes tiveram enorme sucesso na difusão da sua mensagem de uma infância liberada e autodirecionada, livre da tirania da educação convencional.
Maria Montessori foi incansável na promoção do seu método e seus sucessores continuam a dinfundir as ideias dela pelo mundo.
“[Montessori] tornou-se uma ‘marca’ não por acidente”, explica Gianfranco Marrone, professor de semiótica — o estudo dos sinais e dos símbolos — da Universidade de Palermo, na Itália.
Ele indica o crescimento das marcas e do marketing desde os anos 1980. O nome Montessori, segundo ele, é agora associado à educação de alta qualidade e até à uma filosofia de vida, o que vem atraindo muitos pais.
Mas, ironicamente, muitas escolas hoje até adotam o nome de Maria Montessori, mas empregam os métodos dela apenas de forma parcial. Isso ocorre porque o nome não é uma marca registrada.
Embora existam instituições Montessori oficiais em diversos países que oferecem treinamento e certificação de professores, isso não é necessário para que as escolas adotem a denominação na hora de fazer publicidade.
“É cada vez mais difícil encontrar educação autenticamente Montessori”, afirma L’Ecuyer. Ela teme que algumas escolas possam estar simplesmente seguindo uma tendência, sem realmente adotar os princípios de autonomia das crianças ou de duração das sessões de aprendizado. Estes fatores podem ter grande influência sobre os resultados.
A falta de consistência na aplicação do método pode explicar por que existem variações nas avaliações dos benefícios do método Montessori, incluindo casos em que não foram observadas vantagens sobre outros sistemas educacionais.
Marshall é mais otimista sobre essas mudanças. Ela concorda que as diferentes abordagens, às vezes, podem desvirtuar as avaliações do método Montessori, mas também reconhece que o movimento talvez precise adaptar-se às mudanças sociais e tecnológicas.
Os aparelhos eletrônicos e seus muitos usos na educação são um exemplo. “Não é um assunto sobre o qual ela poderia ter escrito”, defende Marshall.
Mais de 100 anos depois que Maria Montessori abriu sua primeira escola, os educadores ainda discutem suas teorias, que continuam a inspirar pesquisas sérias. Este fato, por si só, já é um testemunho da importância do trabalho da educadora italiana.
E, considerando a motivação trazida pelos recentes resultados, essas discussões provavelmente prosseguirão por mais um século.
** Alessia Franco é escritora e jornalista especializada em história, cultura, sociedade, narração de histórias e seus efeitos sobre as pessoas. Sua conta no Twitter é @amasognacredi.
Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyxqljnk0djo
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