• Author, Holly Williams
  • Role, BBC Culture

Crédito, Michael Buckner/ Getty Images

“Minha casa é uma bagunça.”

Cinco palavrinhas inócuas. Mas, quando vieram da boca da guru da organização doméstica, Marie Kondo, foram suficientes para alvoroçar a internet.

Há quase uma década, Kondo apresenta ao mundo o conceito de só manter em sua casa itens que “trazem alegria” e ensina a dobrar calças na forma de pequenos envelopes. O sucesso fez com que ela criasse seu próprio programa de TV na Netflix.

Mas, aparentemente, o nascimento de seus três filhos mudou radicalmente o estilo de vida de Marie Kondo.

Segundo o jornal Washington Post, ter uma casa super arrumada deixou de ser sua principal prioridade: “eu meio que desisti disso e foi bom para mim”, ela conta. “Percebi agora que o importante para mim é aproveitar o tempo em casa com meus filhos.”

A entrevista gerou uma explosão de comentários no site do jornal. Alguns demonstravam a revolta de pessoas que se sentiram enganadas.

Mães ficaram estressadas com o que entendem como hipocrisia de Kondo, ao mudar de ideia sobre aqueles padrões excepcionais e até impossíveis de organização. Mas a maioria das reações, na verdade, foi bastante positiva.

A sensação mais comum na última onda de comentários foi de alívio. Afinal, uma pessoa que construiu uma carreira altamente lucrativa baseada na organização admitiu que as prioridades são diferentes em cada etapa da vida.

A mudança de pensamento de Marie Kondo, sem dúvida, é autêntica. Nada como um bebê para fazer a arrumação parecer um trabalho extremamente cansativo. E poucas coisas trazem mais alegria do que brincar com um bebê.

Mas ela pode também estar acompanhando com inteligência o passar do tempo e explorando uma nova onda de realismo sobre a forma em que vivemos. Chamar esta onda de “tendência” parece até hipocrisia quando, para muitos de nós, é simplesmente uma forma comum de ser – mas, desta vez, o que está na moda é a completa e absoluta bagunça.

A expressão do ano de 2022 do Dicionário Oxford da língua inglesa – escolhida pela ampla maioria dos votos do público – foi “goblin mode” (literalmente, “modo duende”), definido como um “tipo de comportamento assumidamente autoindulgente, preguiçoso, desleixado ou egoísta, tipicamente rejeitando as normas ou expectativas sociais”.

Depois que todos nós ficamos obcecados por manter nossas casas belas e confortáveis durante a pandemia, parece que 2022 foi o ano em que desistimos de tudo e aceitamos de braços abertos o caos e a bagunça que vêm com a vida normal.

Para entender por que podemos estar agora incorporando a bagunça, vale a pena lembrar a força que o movimento contra a desordem ganhou nos últimos anos. Marie Kondo não está sozinha – existem vários outros programas de TV sobre organização, como as séries Sort Your Life Out, da BBC, e The Home Edit – A Arte de Organizar, da Netflix.

E não é coincidência que essa obsessão pela arrumação, ordem, calma e limpeza tenha surgido na mesma época em que redes sociais de fotos e vídeos se tornaram dominantes. Instagram, YouTube e, mais recentemente, TikTok – o aplicativo de compartilhamento de vídeo que deu vazão a milhares de tendências – são os grandes responsáveis.

O TikTok se mostrou o veículo perfeito para compartilhar casas arrumadas, artisticamente decoradas e insustentavelmente minimalistas – e é claro que há uma hashtag para isso em inglês. Postagens marcadas com #aesthetic (estética, em português) atingiram mais de 202 bilhões de visualizações!

E você provavelmente irá reconhecer a forma dessas postagens, mesmo se não usar o aplicativo: belas imagens, bem produzidas, que mostram o estilo de vida das pessoas em casas calmas e relaxantes, pintadas de bege e branco, cheias de soluções inteligentes para armazenar objetos e gavetas hiper arrumadas, com apenas algumas velas perfumadas, elegantes mesas de café e vasos de plantas que chegam a ser suspeitos de tão saudáveis, para dar um toque (muito genérico) de personalidade.

Pense nos ambientes vazios de Kim Kardashian, ou em um catálogo de produtos de luxo por encomenda, dependendo da sua geração, para ter uma ideia das imagens.

E o design de interiores parece ter sido influenciado por outra tendência que se popularizou online, chamada em inglês de “That Girl” – “aquela garota”. A garota que acorda, posta na internet, toma um suco verde, pratica sua sessão matinal de ioga em roupa de ginástica de tons pastéis e toma um gole de matcha latte no café da manhã.

Ela gosta de comida saudável, de beleza natural, de uma casa limpa e de postar tudo isso online. “Aquela garota” é exatamente o oposto do “modo duende”.

Mas existe agora uma séria retaliação contra tudo isso – o que não deveria ser uma surpresa, já que esses objetivos de estilo de vida são inatingíveis e até cômicos para a maioria das pessoas, além de serem caros, trabalhosos e, enfim, chatos.

E nem todas as pessoas acham que a organização é terapêutica. Para algumas, na verdade, arrumar as coisas é motivo de angústia.

Sinalizando as mudanças, o maior aplicativo lançado no ano passado foi o BeReal, que incentiva os usuários a tirar fotos honestas onde estiverem, mostrando o que estiverem fazendo, em momentos aleatórios todos os dias. A intenção é ser a verdadeira antítese do conteúdo fortemente encenado que todos nós nos acostumamos a ver.

Aceitar o caos

O TikTok pode ser rápido e incansável. Ele não deve ser levado muito a sério, mas ainda é um termômetro prático dessas mudanças de tendências.

A bagunça organizada vem se popularizando há algum tempo, com a chegada do chamado cluttercore, o oposto do minimalismo – a arte de manter enormes quantidades de coisas em casa (como bugigangas antigas, coleções ou objetos retrô) e adotar as cores e o barulho. É o maximalismo bagunçado: um verdadeiro caos, mas um caos carinhosamente disposto.

Crédito, Katherine Frey/ Getty Images

Outra microtendência atual no TikTok que também parece adotar a bagunça é o das meninas que mostram suas mesas de cabeceira desarrumadas. Mas, embora possam parecer bagunçados, é fácil suspeitar que, na verdade, esses móveis sejam extremamente bem administrados. Afinal, pode-se ver uma série de produtos selecionados para a pele, joias delicadas, invejáveis pilhas de livros, mais velas… mas nenhuma caneca suja, nem um lenço usado à vista!

Outra tendência recente parece oferecer outra visão de realidade nua e crua: vídeos de casas “não estéticas”. São casas completamente comuns, com mobília feia, pilhas de roupas para lavar, brinquedos de crianças espalhados pelo chão, camas de pets, torneiras pingando ou eletrodomésticos de má qualidade.

As imagens são reais e podemos nos identificar com elas. Elas nos relembram que muitas pessoas não conseguem viver em uma casa-modelo cintilante e não têm tempo de manter essa limpeza impecável.

Mas muitos desses vídeos domésticos marcados #nonaesthetic (algo como ‘sem estética’) são sobre arrumação, limpeza ou reconfiguração – dar um reset, outra categoria extremamente popular de conteúdo online. Eles ainda contrariam as pessoas que nunca foram convencidas por Marie Kondo que a organização é um estilo de vida e não uma tarefa doméstica.

Pelo menos, os vídeos de limpeza não estéticos parecem ser um pouco mais realistas do que parte do conteúdo encenado disponível online, como o vídeo de @kaelimaee no TikTok, mostrando uma paródia de si mesma fazendo sua declaração de renda de forma “estética” e os efeitos calmantes da sua pilha de recibos.

Ocupadas e encantadoras

Não são só as nossas casas que estão em questão. Uma das microtendências da moda que mais chamaram a atenção no TikTok nos últimos meses é a chamada Frazzled English Woman (algo como “Mulher Inglesa Esgotada”, em português).

Os jovens da Geração Z admiram há muito tempo a tendência Y2K (a moda do ano 2000), mas certamente ninguém previu que este visual seria revivido: são as mulheres inglesas brancas de classe média, nervosas e esgotadas, das comédias românticas do início do século 21, com seus encantadores cabelos despenteados, presos para trás ou em coque.

Elas podem vestir um casaco confortável, botas de cano alto, blusas cômodas de tricô, uma saia absolutamente comum até o joelho ou um cachecol minúsculo e sem sentido, sem se preocupar em combinar as peças.

Alguns exemplos são Bridget Jones (Renée Zellweger), Kate Winslet em O Amor não Tira Férias e Keira Knightley em Simplesmente Amor. E você ganha pontos se usar um horroroso boné masculino e um casaco de malha.

Mas a palavra-chave aqui é “esgotada”. O que atrai neste visual certamente não são os detalhes, mas o clima das roupas que não combinam, de quem não consegue encontrar a escova de cabelos, o realismo de quem está sempre atrasada.

É uma estética que nunca foi pretensiosa. Mesmo nos filmes dos anos 2000, a questão não eram os chapéus surrados, mas sim oferecer uma indicação visual que mostre rapidamente que eram mulheres ocupadas, preocupadas, comuns e encantadoras.

É claro que também precisamos observar estes rótulos de forma crítica. Os millennials podem ter dificuldade para prever o que uns poucos vídeos contam sobre as tendências da moda, mas é preciso ter em mente que muitas dessas tendências nunca saem da tela do celular.

Um exemplo é a volta da tendência indie sleaze do final dos anos 2000, que causou mais discussões nostálgicas do que pessoas realmente calçando sapatilhas de balé no bosque.

Ou seja, a maioria dessas tendências vive predominantemente online. E está tudo bem com isso, já que a moda sempre serviu de diversão, fuga e imaginação.

Os estilistas há muito tempo criam pequenas tendências malucas que, na verdade, ninguém segue. E é ótimo ver que, agora, jovens aleatórios da Geração Z estão criando tendências com seus celulares.

Mesmo que seja improvável ver um exército de meninas adolescentes em saias com viés e botas de cano alto correndo apressadas pelas ruas do bairro, existe algo de divertido nessa idealização do papel romântico da mulher desorganizada, normal e um tanto desarrumada. E, convenhamos, a Mulher Inglesa Esgotada é o completo oposto de That Girl. Talvez por isso ela tenha tanto sucesso, mesmo se basicamente online.

A Mulher Inglesa Esgotada pode ter seu charme desgrenhado, mas ela também sabe o que é importante na vida – não parecer perfeita 100% do tempo, nem ter uma casa impecável, mas tomar vinho com as amigas e atrair tanto Hugh Grant quanto Colin Firth, como fez Bridget Jones no cinema.

E, embora seja improvável que Marie Kondo venha a usar um cachecol de crochê minúsculo, podemos dizer que ela está aceitando a ideia de não só tolerar um pouco de bagunça, mas realmente apreciá-la, para poder passar mais tempo com o que realmente importa na vida – as pessoas que você ama.

Holly Williams é autora do romance “What Time is Love?” (“A que horas é o amor?”, em tradução livre), lançado em fevereiro de 2023.