- Mercè Pallàs Lliberia e Christian Griñán-Ferré
- The Conversation*
A fonte da juventude eterna — com a vitalidade e acuidade intelectual associadas a um cérebro jovem — é um desejo universal que se materializa em conceitos recorrentes como o Santo Graal ou a pedra filosofal.
Para além deste desejo humano, a existência dos chamados “superidosos” representa um desafio e uma oportunidade para compreender a raiz da saúde cerebral e do envelhecimento saudável.
O superidosos são pessoas com mais de 80 anos que mantêm características físicas e cognitivas de um adulto 20 a 30 anos mais jovem.
Mas o que os torna tão resistentes à deterioração cerebral?
Pesquisas recentes revelaram novos dados sobre os mecanismos moleculares e celulares que podem estar envolvidos no inevitável e irreversível processo de envelhecimento.
Nos profundar nos mecanismos genéticos da longevidade e na sua manifestação no organismo (fenótipo), nos permite focar nos hábitos de vida (alimentação, prática de exercício físico, atividade cognitiva, etc.) como fatores-chave que fazem pender a balança para um envelhecimento saudável ou patológico. O fenômeno que nos permite modificar nosso destino genético é a epigenética.
Os mecanismos epigenéticos são modificações químicas no DNA produzidas por mudanças no ambiente (físico ou cognitivo) e que modulam a expressão dos nossos genes.
Desta maneira, nosso suposto destino na forma de informação genética pode ser reescrito — assim como pontuamos um texto — pelas ações de nossa vida cotidiana. E, além disso, podem ser herdados por nossos descendentes.
Mas vamos ver o que acontece com nosso cérebro ao longo da vida.
Um órgão de maturação lenta
Diferentemente de outras espécies, o cérebro humano ainda deve se desenvolver após o nascimento. É um processo lento, que começa na concepção e não termina até a morte, embora atinja a maturidade aproximadamente entre os 20 e 24 anos.
Como sabemos, nosso órgão pensante é formado por neurônios conectados entre si e outras células nervosas que servem de suporte e defesa (os astrócitos e a micróglia).
Temos cerca de 10 trilhões de neurônios que funcionam como uma grande rede de informações, armazenamento e gerenciamento da nossa vida cotidiana. Garantir sua integridade requer mecanismos de proteção e regeneração.
Até alguns anos atrás, acreditava-se que, uma vez atingida a maturidade cerebral, não havia mecanismos para substituir neurônios e reparar conexões perdidas. Não poderia estar mais longe da realidade: hoje sabemos que o cérebro tem áreas específicas (nichos) em que células progenitoras (células-tronco) podem ajudar a reparar ou substituir neurônios que degeneram ou são danificados.
A existência de mecanismos de proteção não impede que esses nichos progenitores deixem de repor neurônios com a idade. Por isso, o cérebro de uma pessoa idosa tem menos capacidade de regeneração, o que se traduz em uma diminuição da capacidade cognitiva.
De qualquer forma, as pessoas só costumam sofrer um declínio cognitivo grave quando a perda de neurônios é muito elevada devido a uma doença degenerativa, como o Alzheimer.
O surpreendente é que essa perda inexorável não implica em alterações graves na qualidade de vida dos superidosos, o que aumenta sua resiliência e reserva cognitiva.
Chamamos de reserva cognitiva a capacidade do nosso sistema nervoso central de equilibrar e otimizar seu funcionamento para enfrentar doenças neurodegenerativas. Esta capacidade também está associada a fatores como a atividade intelectual: ler, escrever e socializar.
De onde vem o superpoder dos superidosos?
Parece que os superidosos compartilham hábitos semelhantes: eles se mantêm fisicamente ativos, tendem a ser positivos, desafiam seu cérebro e aprendem algo novo todos os dias. Muitos continuam trabalhando até os 80 anos.
Além disso, evidências científicas destacam a importância de permanecermos socialmente engajados à medida que envelhecemos. Atividades como visitar familiares e amigos, ser voluntário em uma organização e sair para diferentes eventos foram associadas a uma melhor função cognitiva.
Em contrapartida, uma baixa participação social em idades avançadas implica um maior risco de demência.
Tudo isso respalda a ideia de que o ambiente é um fator importante em nosso envelhecimento.
Neurônios de alto desempenho
Por outro lado, um estudo recente mostra que os superidosos possuem um grupo de neurônios maior do que o normal em uma estrutura cerebral envolvida na preservação da memória (camada 2 do córtex cerebral entorrinal). Essas células nervosas poderiam estar relacionadas ao conceito de reserva cognitiva.
A pesquisa indica que essa característica do superidoso não é observada em pessoas da mesma idade com declínio cognitivo, tampouco em indivíduos entre 60 e 65 anos que começam a apresentar lapsos de memória. Além disso, é significativo que esta área do cérebro seja uma das mais afetadas pelo declínio neuronal que caracteriza o Alzheimer.
Os cientistas também observaram que esses superneurônios não apresentam as características próprias do envelhecimento em doenças neurodegenerativas como o Alzheimer. Nesse caso, o acúmulo anormal de proteínas (tau e beta-amiloide) no tecido cerebral causa a morte dos neurônios.
Tudo isso explicaria por que a degeneração neuronal não acontece nos superidosos — ou pelo menos não no ritmo típico de uma pessoa idosa — e por que eles mantêm as habilidades cognitivas de uma pessoa 20 ou 30 anos mais jovem.
A descoberta dos superneurônios também levanta a seguinte questão: se podemos favorecer seu aparecimento durante o neurodesenvolvimento ou na infância. A combinação de ambos os fatores — a prática de hábitos sociais saudáveis e a existência de células nervosas excepcionais — abre as portas para que haja alguma influência em nossos genes herdados por meio de mudanças epigenéticas.
Também seria interessante saber se os neurônios XL poderiam constituir — por presença ou ausência — um marcador do Alzheimer e de outras demências, tanto da sua progressão quanto da resposta a terapias. E, por fim, se serviriam de alvo para encontrar novos tratamentos.
* Mercè Pallàs Lliberia é professora especializada em neurofarmacologia, envelhecimento e Alzheimer na Universidade de Barcelona, na Espanha.
Christian Griñán-Ferré é professor e pesquisador especializado em envelhecimento e Alzheimer na Universidade de Barcelona.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons.Leia aqui a versão original (em espanhol).
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