• Author, Simone Machado
  • Role, De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil

Crédito, Arquivo Pessoal

No fim de 2019, a maquiadora Gisele Ramos de Siqueira, de 21 anos, enfrentava o que considerou um dos momentos mais difíceis de sua vida: seus pais estavam se separando e ela estava em um relacionamento abusivo.

Ela conta que chegou a terminar o namoro e foi morar sozinha. No entanto, os meses a seguir não foram fáceis e ela voltou a ter contato com o ex. Da última vez, a maquiadora afirma que quase foi agredida e, a partir daquele momento, rompeu a relação definitivamente.

No entanto, poucas semanas depois veio o susto: com a menstruação atrasada, Gisele passou a desconfiar que pudesse estar grávida.

“Eu estava traumatizada com tudo que eu vinha enfrentando e, quando minha menstruação parou, fiquei ainda mais perdida porque eu não queria estar grávida daquele rapaz. Nossa relação não era saudável”, conta.

Nesse cenário, Gisele relata que passou a ter crises de ansiedade e síndrome do pânico, o que a fez ter medo de sair de casa. Durante os dias que estava reclusa, sinais mais intensos de uma possível gestação começaram a aparecer, como aumento no tamanho da barriga e dores nos seios.

“Fiz dois testes de gravidez desses de farmácia e ambos deram positivo. Meus peitos estavam inchados, eu sentia o ‘bebê’ mexer. Eu estava certa que eu estava grávida”, detalha.

Passada algumas semanas, Gisele conta que começou a aceitar a gestação. Comprou fraldas, sapatinhos e já havia até mesmo escolhido nome para o bebê: Bernardo ou Zoe.

A maquiadora então agendou um ultrassom. Pelas suas contas, estaria com cinco ou seis meses de gravidez.

“Quando o médico disse que não havia bebê e que eu não estava grávida, meu mundo desabou. Foi como se um buraco se abrisse e eu não ouvi mais nada do que o médico disse durante a consulta”, recorda.

Enfrentando o luto

Sem aceitar que não estava grávida, Gisele retornou para casa acreditando que o médico poderia ter se enganado durante o ultrassom e passou a pesquisar sobre essa possibilidade.

“Na internet, achei casos em que o médico havia errado. Que apesar de no ultrassom não mostrar o bebê, ele estava lá. Eu queria acreditar que havia acontecido isso no meu caso”, diz.

Foram dias de buscas, até que, com a ajuda de uma amiga, Gisele começou a aceitar que havia tido uma gravidez psicológica e passou a viver o luto de ter perdido um bebê que, na verdade, nunca gerou.

“É realmente um luto, uma sensação de ter tido um aborto e perder um bebê. Até hoje, às vezes olho no espelho e dá uma vontade de chorar. Sem querer, às vezes eu começo a acariciar minha barriga, mas, quando percebo que estou fazendo isso, me dá crise de choro”, diz.

Com ajuda médica e psicológica, Gisele diz que tenta superar a situação e seguir a vida. “Ainda vivo e busco me recuperar dessa ‘perda’ dia após dia porque não tenho escolha.”

Pseudociese ou gravides psicológica

Dados da OMS (Organização Mundial de Saúde) apontam que a cada 22 mil gestações, ao menos uma é pseudociese, popularmente conhecida como gravidez psicológica. Ela faz parte de um grupo de transtornos chamado somatoforme – condição física que ocorre sem razão biológica.

Especialistas ouvidos pela BBC Brasil explicam que esse tipo de condição acontece devido a um sofrimento psicológico que é externalizado em sintomas – no caso, uma gestação sem bebê.

Além disso, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, é possível que testes de farmácia indiquem resultado positivo para gravidez em caso de gravidez psicológica, já que as alterações psicológicas podem levar a alterações nos hormônios.

“Essas pacientes sentem todos os sintomas de uma gestação, como enjoo, atraso menstrual, distensão abdominal e, como a nossa cabeça controla toda a produção hormonal, elas passam a ter essas alterações também, fazendo com que elas acreditem fielmente em uma gestação”, explica o ginecologista e obstetra Carlos Moraes, que atua nos hospitais Albert Einstein, São Luiz e Pro Matre.

“Todos esses sintomas podem ocorrer devido a alterações hormonais decorrentes de alguma alteração psíquica”, acrescenta a psiquiatra Danielle H. Admoni, psiquiatra preceptora na residência da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM).

A pseudociese normalmente ocorre em pacientes que estão vulneráveis emocionalmente, e pode ocorrer tanto em mulheres com pânico de engravidar quanto naquelas que desejam muito. Na maioria das situações de gravidez psicológica, mesmo os exames médicos mostrando que a mulher não está gerando um bebê, ela tem certeza de que está grávida.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto,

Gisele teve pseudociese, popularmente conhecida como gravidez psicológica

“E elas têm muita dificuldade para acreditar que não estão gestantes. Quando apresentamos os exames mostrando que essa gestação não existe, a paciente não acredita, e acredita que os exames estão errados”, acrescenta Moraes.

Por ser um transtorno psíquico, o tratamento da gravidez psicológica deve ser feito com uma equipe multidisciplinar – ginecologista, psicólogo e psiquiatra – para que a mulher consiga assimilar o que aconteceu, amenizando ao máximo o sofrimento gerado pela pseudociese.

“Além de cuidar da parte física com o ginecologista, o psiquiatra irá investigar a causa da síndrome e irá fazer com que ela se cure através da psicoterapia e o apoio psiquiátrico irá fazer parte do tratamento. Infelizmente, não tem como prevenir esta síndrome. Por isso, é importante ter cuidado com a saúde mental para evitar que chegue a extremos que levem a este quadro”, acrescenta Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.