Produzida em larga escala no auge da pandemia de Covid-19, a cloroquina se esgotou nos Distritos Sanitários Indígenas (Dseis) no fim do ano passado, segundo o Ministério da Saúde. O medicamento é prescrito para tratar a malária, uma das principais causas de mortes entre os yanomamis, mas teve seu uso associado ao combate à Covid-19, durante o governo de Jair Bolsonaro.
Estudos científicos já indicavam, à época, que o remédio não era eficaz no tratamento do coronavírus.
Em julho de 2020, por exemplo, o Ministério da Saúde comandado por Eduardo Pazuello anunciou a distribuição de 100,5 mil comprimidos de cloroquina para comunidades indígenas para tratar Covid-19.
Dois anos depois, em julho de 2022, a pasta publicou uma nota técnica admitindo que não tinha mais estoque do remédio para tratamento da malária para enviar aos Distritos Sanitários Indígenas (Dseis). Na ocasião, indicou um tratamento alternativo enquanto o abastecimento não fosse regularizado.
— Começamos a ficar sem cloroquina, e o número de pacientes com malária só crescia mais e mais. Foi muito difícil, conseguíamos controlar a dor e outros sintomas com analgésicos e antitérmicos, mas era grande o malabarismo para tratar a malária — relata o médico Maicon Douglas, que atende na comunidade de Surucucu, no Território Yanomami, em Roraima.
A maioria dos casos atendidos pelo médico é de indígenas com quadros de malária ou de desnutrição. Muitas vezes, as duas juntas. A doença costuma ser mais fatal em crianças e idosos. Douglas conta que, até hoje, falta cloroquina.
Ao Globo, dois servidores do Ministério da Saúde que trabalham no setor responsável pelo combate à malária afirmaram, sob anonimato, que parte dos medicamentos enviados às comunidades indígenas durante a pandemia foi utilizada para tratar casos de Covid-19. Segundos eles, remessas foram inclusive destinadas para áreas fora das reservas, com o objetivo de atender regiões onde a propagação do vírus estava em alta.
Remédios desviados
Além do uso da cloroquina para tratar Covid-19, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) informou, em ofício, que remédios contra a malária que deveriam ter sido destinados à Terra Indígena Yanomami foram desviados para garimpeiros que atuam ilegalmente na área. A instituição anunciou ontem ter apresentado uma denúncia junto ao Ministério da Saúde, que investiga o caso.
“No dia 18 de janeiro, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) enviou um ofício à Coordenação Geral de Assistência Farmacêutica e Medicamentos Estratégicos, da Secretaria de Ciências, Tecnologias e Insumos Estratégicos (MS), para notificar o órgão a respeito de informações sobre a comercialização ilegal de um lote de medicamento (artesunato mefloquina) produzido pelo instituto para o tratamento de malária”.
O medicamento em questão estaria sendo vendido por garimpeiro em localidade próxima ao território indígena Yanomami.
O desvio não é uma novidade. Em abril de 2021, um integrante do grupo Garimpeiros de Roraima, no Facebook, anunciou: “Vendo remédio para malária! Somente cloroquina”.
Ao longo do ano passado, o mesmo tipo de anúncio era comum. Os garimpeiros chegavam a exibir caixas de medicamentos e a oferecer teste rápido para diagnóstico da doença. A Fiocruz suspeita que os medicamentos eram desviados para atender os próprios criminosos.
Veja também
Caso Americanas brasíliaCrise da Americanas: bancos se reúnem nesta quarta-feira para discutir empréstimo de até R$ 2 bi
Lula destaca atuação do STF contra o arbítrio e o retrocesso
Fonte: Folha PE
Você precisa fazer login para comentar.