- Vitor Tavares
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Parecia até o início das vendas de ingressos para a turnê de cantores “da moda” ou de alguns dos festivais mais disputados do mundo: sites com instabilidade, filas, empurrões, choro e muita reclamação.
Mas esta sexta-feira (27/1) ficou marcada pela indignação de fãs do RBD, o grupo musical criado a partir da novela mexicana “Rebelde” e que fez muito sucesso em países da América Latina e nos Estados Unidos entre 2004 e 2009.
Mais de uma década depois, a banda, originalmente formada por Anahí, Dulce María, Maite Perroni, Christian Chávez, Christopher Uckermann e Alfonso Herrera, anunciou uma série de shows no México, Brasil e EUA para a volta aos palcos. Só Herrera não participa.
Em pouco mais de uma hora, ingressos para apresentações no Brasil, que acontecerão em novembro, haviam se esgotado na internet.
“Mais de dez horas na fila, humilhação nas vendas online, muito sol […[. Achei que ia chegar em casa com ingresso chorando, mas não rolou”, escreveu um fã no Twitter, rede em que os termos RBD e #SoyRebeldeWorldTour (o nome da turnê) estiveram entre os assuntos mais comentados durante todo o dia.
Os fãs fizeram até campanha, em letras maiúsculas, “QUEREMOS NOVAS DATAS NO BRASIL”, chegar ao topo dos trending topics.
Se, em 2004 e nos anos que se seguiram, essas pessoas eram adolescentes com seus 11, 12 ou 13 anos, hoje elas são jovens adultos na casa dos 30 anos, mas que seguem nutrindo o amor pelo grupo mexicano e suas músicas.
Uma empolgação explicada por sentimentos de nostalgia, identidade, senso de comunidade e busca de “conforto no passado”, segundo a professora Fernanda Elouise Budag, doutora em comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e que desenvolveu pesquisas sobre o fenômeno envolvendo Rebelde.
“Essas músicas acionam um lugar de memória, que é algo muito forte. Às vezes a gente até não se lembra da música de cor, mas a gente lembra de como se sentia num determinado momento ouvindo aquela música”, explica Budag.
No caso dos fãs de Rebelde, diz a pesquisadora, muitas vezes o que é atingida é uma memória positiva “de um tempo bom na infância, adolescência”.
Além do RBD, fenômeno parecido também envolve outros grupos e bandas que foram febre entre crianças e adolescentes, como Sandy e Júnior (que fizeram uma turnê em 2019) e os americanos do Backstreet Boys (que voltam a se reunir nos palcos mais uma vez em 2023).
“Esse sentimento de nostalgia pode se configurar como uma estratégia de superação num tempo de crise. As pessoas resgatam e revisitam algo do seu passado para se confortar emocionalmente”, diz a pesquisadora, que cita a pandemia de covid como um momento em que muitas pessoas voltaram a entrar em contato com ídolos dos tempos de infância.
Senso do comunidade e sucesso nos anos 2000
A novela “Rebelde” — e, consequentemente, as músicas do RBD — tratavam de temas como primeiro namoro, virgindade e descobertas. Tudo num melodrama mexicano que conquistou o coração de brasileiros.
A história original surgiu na Argentina, mas foi com investimentos pesados de marketing no México que ela decolou.
Segundo a pesquisa de Fernanda Elouise Budag, o foco da novela era em adolescentes entre 12 e 14 anos, mas isso não quer dizer que mais jovens ou mais velhos também não eram envolvidos pela trama e pelos sucessos musicais.
O grupo mexicano também fez sucesso em todas as camadas sociais, dos mais ricos que compravam produtos oficiais licenciados aos que buscavam os ternos e as gravatas vermelhas nos camelôs das cidades.
“Essa música e o grupo fazem parte de um momento em que esses jovens estavam construindo sua identidade. Constituem eles nesse início de trajetória da vida, de saber quem é”, explica a pesquisadora em comunicação.
“Além disso, o ser humano quer fazer parte de alguma coisa, de uma comunidade, de algo maior. ‘Rebelde’ trouxe esse sentimento de pertencimento, afinal era um grupo de pessoas que comungavam de um mesmo gosto.”
Para quem fez parte dos chamados “fandoms” (as pessoas que se reúnem por um amor a um ídolo em comum), o retorno à plateia desses grupos também é uma forma de recuperar “investimentos” feitos ao longo da infância, principalmente em tempo e afeto.
“A palavra fã tem essa origem em ‘fanático’, e isso pode levar a algumas interpretações erradas. Mas ele é mais que isso, ele não é um alienado”, diz a pesquisadora.
Para quem critica o empenho dos fãs de RBD mais de uma década depois do fim do grupo, conclui Budag, “falta um amor, um ídolo e ser fã para entender o fã”.
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