- Geeta Pandey
- BBC News, Delhi
Devanshi Sanghvi tem oito anos de idade e poderia crescer até se tornar responsável por uma empresa multimilionária do ramo de diamantes.
Mas a menina, filha de um rico comerciante indiano, agora vive uma vida espartana, vestindo sáris brancos comuns, andando descalça e pedindo esmolas de porta em porta.
Na semana passada, Devanshi Sanghvi – a mais velha das duas filhas de Dhanesh e Ami Sanghvi – renunciou ao mundo para tornar-se monja.
A família Sanghvi faz parte dos 4,5 milhões de seguidores do jainismo, uma das religiões mais antigas do mundo, que se originou na Índia há mais de 2,5 mil anos.
Estudiosos das religiões afirmam que o número de jainistas que renunciam ao mundo material vem aumentando rapidamente ao longo dos anos, mas os casos que envolvem crianças jovens como Sanghvi não são comuns.
A cerimônia de quarta-feira (18/01) ocorreu na cidade de Surat, no Estado de Gujarat (oeste da Índia).
Nela, Devanshi Sanghvi fez os votos de renúncia – diksha – na presença de importantes monges jainistas. Estavam presentes dezenas de milhares de pessoas.
Acompanhada pelos pais, ela chegou ao local da cerimônia na área de Vesu, em Surat, usando joias, roupas de fina seda e uma coroa cravejada de diamantes sobre a cabeça.
Após a cerimônia, ela se reuniu com as outras monjas, já vestida com um sári branco que também cobria sua cabeça raspada.
Nas fotografias, ela é vista segurando uma vassoura que agora irá usar para afastar insetos do seu caminho e evitar que pise neles por acidente.
Desde então, Sanghvi mora em Upashraya, um monastério onde vivem monges jainistas.
“Ela não pode mais ficar em casa, seus pais não são mais seus pais, ela agora é Sadhvi [monja]”, afirma Kirti Shah, comerciante de diamantes de Surat, amigo da família e também um político local do Partido do Povo Indiano, um dos principais do país.
“A vida de uma monja jainista realmente é austera”, segundo ele.
“Agora, ela precisará andar para ir a todos os lugares, nunca poderá tomar nenhum tipo de transporte, irá dormir sobre um lençol branco no chão e não poderá comer depois do pôr-do-sol.”
A família Sanghvi pertence à única das quatro seitas jainistas que aceita crianças como monges. As demais admitem apenas adultos.
Os pais de Devanshi Sanghvi são conhecidos por serem “extremamente religiosos” e a imprensa indiana citou amigos da família contando que a menina tinha “inclinação para a vida espiritual desde que era bebê”.
“Devanshi nunca assistiu à televisão, ao cinema, nem frequentou shoppings e restaurantes”, segundo o jornal Times of India. “Desde muito jovem, Devanshi reza três vezes por dia e chegou a jejuar com dois anos de idade.”
Um dia antes da cerimônia de renúncia, a família organizou uma enorme procissão em Surat para celebrar a ocasião. Milhares de pessoas assistiram ao espetáculo, enquanto camelos, cavalos, carros de boi, bateristas e homens com turbantes carregando dosséis andavam pelas ruas, com dançarinos e outros artistas apresentando-se sobre pernas de pau.
Devanshi Sanghvi e sua família sentaram-se em uma carruagem puxada por um elefante, sob uma chuva de pétalas de rosas jogadas pela multidão.
Foram também organizadas procissões em Mumbai, na Índia, e em Antuérpia, na Bélgica, onde os Sanghvis mantêm negócios.
Embora a comunidade jainista apoie a prática, a renúncia de Sanghvi gerou um debate no país. Muitas pessoas perguntaram por que a família não pôde esperar até que ela atingisse a idade adulta para tomar decisões tão importantes em seu nome.
Shah foi convidado para a cerimônia de diksha, mas não compareceu. A ideia de uma criança renunciar ao mundo o deixa desconfortável. Ele insistiu que “nenhuma religião deveria permitir que crianças se tornassem monges”.
“Ela é uma criança, o que ela entende sobre tudo isso?”, questiona ele. “As crianças não podem decidir nem mesmo o currículo que irão estudar na escola antes dos 16 anos de idade. Como elas podem tomar uma decisão sobre algo que trará impactos sobre toda a sua vida?”
Quando uma criança que renuncia ao mundo é divinizada e celebrada pela comunidade, tudo pode parecer uma grande festa para ela. Mas a professora Nilima Mehta, consultora de proteção infantil em Mumbai, afirma que “as dificuldades e as privações que a criança irá enfrentar são imensas. A vida como monja jainista é muito, muito difícil.”
Muitos outros membros da comunidade também expressaram preocupação com a separação de uma criança da sua família com tão pouca idade. E, desde que surgiu a notícia, muitas pessoas foram às redes sociais para criticar a família, acusando os Sanghvis de violar os direitos de sua filha.
Shah afirma que o governo precisa se envolver e proibir essa prática de renúncia ao mundo por crianças. Mas não é muito provável que isso aconteça.
Consultei o escritório de Priyank Kanungo, chefe da Comissão Nacional de Proteção dos Direitos da Criança (NCPCR, na sigla em inglês), para saber se o governo iria tomar alguma medida sobre o caso de Devanshi Sanghvi. O escritório respondeu que Kanungo não queria comentar o assunto por se tratar de um “tema sensível”.
Mas os ativistas afirmam que os direitos de Devanshi Sanghvi foram violados.
Para os que afirmam que acriança se tornou devota “por sua livre vontade”, Mehta indica que “o consentimento de uma criança não é consentimento legal”.
“Legalmente, 18 anos é a idade em que alguém toma uma decisão independente”, afirma ela. “Até lá, as decisões em seu nome são tomadas pelos adultos, como seus pais, que precisam levar em conta se é o melhor para os interesses da criança.”
“E, se essa decisão privar a criança de ter educação e recreação, é uma violação dos seus direitos”, conclui Mehta.
Já Bipin Doshi, professor de filosofia jainista da Universidade de Mumbai, afirma que “você não pode aplicar princípios legais no mundo espiritual”.
“Alguns estão dizendo que uma criança não é suficientemente madura para tomar essas decisões, mas existem crianças com melhores capacidades intelectuais que, ainda jovens, podem chegar muito mais longe do que os adultos. Da mesma forma, existem crianças com inclinação espiritual e, neste caso, o que há de errado se eles se tornarem monges?”, questiona ele.
Doshi também insiste que Devanshi Sanghvi não está sendo sofrendo nenhum prejuízo.
“Ela pode ser privada do entretenimento tradicional, mas isso é realmente necessário para todos? E não concordo que ela será privada de amor ou educação”, afirma ele. “Ela irá receber amor do seu guru e aprenderá a honestidade e o desapego. Não é melhor?”
Doshi também destaca que, caso Devanshi Sanghvi mude de ideia mais tarde e ache que “tomou uma decisão errada sob os efeitos hipnotizadores do seu guru”, ela sempre poderá voltar para o mundo.
Neste caso, Mehta pergunta por que não deixar que ela decida quando for adulta.
“As mentes jovens são impressionáveis e, em alguns anos, ela pode achar que não é a vida que ela quer”, afirma Mehta. Ela acrescenta que tem havido casos de mulheres que mudaram de ideia depois que cresceram.
Mehta conta que, alguns anos atrás, ela lidou com o caso de uma jovem monja jainista que havia fugido do seu monastério porque estava muito traumatizada. Outra menina que se tornou devota com nove anos de idade causou um certo escândalo em 2009, quando fez 21 anos de idade, fugiu e se casou com o namorado.
No passado, também foram apresentadas petições à justiça, mas Mehta afirma que qualquer reforma social é um desafio, devido à sensibilidade envolvida.
“Não é só entre os jainistas”, segundo ela. “Meninas hindus casam-se com divindades e se tornam devadasis [servas de deuses – embora esta prática tenha sido proibida em 1947] e meninos entram para akhadas [centros religiosos]. No Budismo, crianças são enviadas para viver em monastérios como monges.”
“As crianças sofrem em todas as religiões, mas questionar a situação é blasfêmia”, afirma Mehta. Para ela, as famílias e as sociedades precisam aprender que “uma criança não é sua propriedade”.
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