- Amanda Cuevas Sierra, Alfredo Martínez Hernández, Elizabeth do Nascimento e Nathalia Caroline de Oliveira Melo*
- The Conversation**
Assim como nós temos uma rotina diária (para comer, trabalhar, fazer exercícios físicos, dormir), nosso organismo também tem uma.
Trata-se do ciclo circadiano. Durante a manhã e tarde, corpo e mente estão ativos; com a chegada da noite, uma série de mudanças fisiológicas nos preparam para dormir.
É como um relógio. Um relógio interno que nos avisa dos diferentes momentos das 24 horas do dia e que tem impacto tanto no âmbito físico quanto mental e comportamental.
Não é difícil perceber a importância desse mecanismo. Quem já esticou até tarde, em uma noitada ou teve um daqueles dias cheios no trabalho em que não dá tempo para comer ou dormir direito, já sentiu as consequências.
A verdade é que o estilo de vida ocidental não contribui para manter o ritmo circadiano equilibrado.
Estamos expostos a um volume menor de horas de luz natural do que nossos ancestrais — somos mais sedentários e passamos cada vez mais tempo em frente a telas.
Soma-se a isso um nível maior de estresse, uma vida social que não respeita os horários da nossa rotina e uma alimentação baseada em produtos açucarados e ultraprocessados.
Que implicações tudo isso pode ter para a saúde?
Um desequilíbrio pode levar à falta ou má qualidade do sono, a alterações de humor, aumento do estresse, desorientação, problemas de memória, fadiga e ansiedade, entre outros males que, se mantidos ao longo de muito tempo, podem trazer consequências bem mais graves.
As bactérias e seus biorritmos
Mas os distúrbios do ritmo circadiano não afetam apenas a nós: eles também sofrem influência das nossas bactérias intestinais, que têm seus próprios ciclos, sincronizados com os nossos.
Sendo assim, um desajuste no nosso relógio interno pode afetar nossa saúde intestinal? Definitivamente sim.
Distúrbios nos ciclos fisiológicos estão intimamente ligados a alterações no processo de digestão e no metabolismo.
Eles podem ser causados, por exemplo, por um desequilíbrio no metabolismo da glicose, que eleva o risco de ganho de peso e aumento da pressão arterial, além de uma desregulação dos hormônios que controlam o apetite e favorecem a preferência por alimentos ricos em açúcares e gorduras saturadas.
Isso pode causar uma diminuição da sensibilidade à insulina, uma menor tolerância à glicose e uma alteração do perfil lipídico do corpo. São alterações que têm impacto direto na saúde intestinal e, portanto, na microbiota.
E não é de estranhar que essa relação ocorra, já que a digestão dos alimentos ocorre durante o dia, horário em que o intestino permanece ativo e em ótimas condições para absorver nutrientes.
Quando comemos, sincronizamos os relógios dos órgãos e tecidos envolvidos na digestão: estômago, pâncreas, fígado, intestino e tecido adiposo.
Mudança nos horários, mudança na microbiota
E o que acontece com a microbiota se passarmos a comer tarde, por exemplo?
Fazer mais tarde uma refeição que geralmente acontece ao meio-dia, por exemplo às 16h, causa um atraso no relógio, uma interrupção do ritmo normal da função intestinal e uma alteração na composição e funcionalidade das bactérias intestinais.
A microbiota é afetada principalmente pelo perfil da nossa dieta alimentar, mas alterar os horários de alimentação — seja por uma questão comportamental, por um jejum ou pelo aumento da frequência das refeições — também tem impacto.
As bactérias intestinais apresentam suas próprias flutuações dependendo da hora do dia, tanto na composição quanto nas funções.
As evidências científicas apontam que, de fato, elas têm seu próprio ciclo circadiano, que tentam sincronizar com o do hospedeiro para aproveitá-lo ao máximo.
A maior parte das pesquisas sobre a microbiota e os ciclos circadianos foi realizada em animais.
Há estudos focados, por exemplo, no jejum intermitente que revelaram alguns benefícios em camundongos, como aumento da diversidade microbiana, redução da inflamação e produção de compostos benéficos pelas bactérias intestinais.
Em humanos, um estudo realizado com mulheres observou que comer tarde reverte a taxa de diversidade microbiana oral. O que aparece é um padrão observado também em algumas doenças, entre elas a obesidade e distúrbios inflamatórios intestinais.
Não se deve esquecer, no entanto, de que a microbiota intestinal é como uma assinatura única e pessoal de cada indivíduo, de modo que cada pessoa responderá de maneira diferente tanto ao jejum intermitente quanto à mudança no horário das refeições.
A influência dos micro-organismos no nosso sono
Esses estudos mostram que a microbiota intestinal é afetada por um descompasso nos ciclos biológicos, uma vez que estes ativam ou desativam genes envolvidos no metabolismo bacteriano dependendo da hora do dia.
Trata-se, contudo, de uma relação de mão dupla: o metabolismo das bactérias intestinais também é capaz de influenciar ritmo circadiano.
Esse processo pode ocorrer de duas formas: através da produção de metabólitos, a partir dos alimentos que ingerimos, ou respondendo às alterações de horário modulando a abundância de determinados grupos bacterianos.
O microbioma intestinal é responsável pela produção de alguns dos compostos químicos (os referidos metabólitos) que vão parar na nossa corrente sanguínea e podem induzir ou fomentar o sono.
As bactérias sintetizam essas substâncias a partir dos alimentos que ingerimos e quando os ingerimos, graças ao seu próprio metabolismo.
Por exemplo, bactérias Streptococcus e algumas cepas de Escherichia e Enterococcus contribuem significativamente para produção de serotonina, ligada ao ciclo de sono e vigília.
Outro neurotransmissor, o ácido gama-aminobutírico (proveniente da fermentação da fibra alimentar pela microbiota) ajuda a promover o sono por meio de uma ação nos mecanismos sensoriais da veia porta do fígado (vaso que leva sangue dos intestinos para o fígado).
Nossa comunidade microbiana também pode responder à interrupção do ciclo circadiano ou à sua baixa qualidade interferindo na quantidade de alguns grupos bacterianos.
Em casos extremos, pode-se chegar a um estado de disbiose, ou seja, a predominância de bactérias nocivas sobre as benéficas.
A fim de fornecer mais informações sobre os efeitos da desregulação dos ritmos biológicos, pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do instituto espanhol IMDEA Alimentación (Madrid) estão trabalhando em conjunto.
O objetivo é estudar os ciclos de jejum e alimentação na microbiota intestinal, o efeito que isso pode ter sobre a obesidade e a busca de biomarcadores bacterianos da ingestão alimentar nos projetos Dietary Deal e Metainflamacion.
*Amanda Cuevas Sierra é pesquisadora de pós-doutorado na IMDEA ALIMENTACIÓN
*Alfredo Martínez Hernández é diretor do Programa de Pesquisa de Nutrição e Saúde Cardiometabólica e do Grupo de Nutrição Cardiometabólica no IMDEA ALIMENTACIÓN
*Elizabeth do Nascimento é professora do Departamento de Nutrição da UFPE e do programa de pós-graduação em Nutrição na UFPE na linha de pesquisa de nutrição experimental e metabolismo
*Nathalia Caroline de Oliveira Melo é doutoranda em Nutrição na UFPE na área de nutrição experimental, microbiota intestinal e crononutrição
**Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original (em espanhol).
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