- Cristina J. Orgaz @cjorgaz
- BBC News Mundo
Provavelmente o pior em termos de inflação já passou.
Pelo menos este é o consenso entre os economistas e as principais organizações econômicas como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Mundial depois que a maioria dos países do mundo experimentou, em 2022, aumentos de preços não vistos em quatro décadas.
Não há dúvida de que a inflação continuará a pesar no bolso de milhões de cidadãos em 2023, mas deve registrar uma queda lenta nos próximos 12 meses.
Quando esse período terminar, o FMI espera que a inflação mundial caia para 4,7%, pouco menos da metade do nível atual.
Claro, alertam os especialistas, esse indicador vai se comportar de maneira diferente em cada uma das principais economias do mundo.
O que está acontecendo na Europa não é o mesmo que nos Estados Unidos ou no restante das economias avançadas ou nos países emergentes.
No Brasil, o último boletim Focus, do Banco Central, um resumo das projeções do mercado para a economia, aponta que o IPCA, a inflação oficial, deve encerrar 2022 a 5,64%. Para este ano de 2023, deve haver uma ligeira queda, e a previsão é de 5,23%.
Fato é que a inflação global deve se manter em níveis elevados, em um contexto que muitos têm rebatizado de “novo normal”.
“Tudo indica que a inflação em 2023 será moderada, embora continue mais alta do que antes da pandemia”, explica Juan Carlos Martínez Lázaro, professor de Economia da Universidade IE, em Madrid, na Espanha, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
“Não veremos uma queda abrupta. O preço do petróleo caiu, mas continua alto — assim como nas matérias-primas. E ainda há alguns problemas nas cadeias de abastecimento globais”, lembra o especialista.
“Portanto, esperamos que em 2023 as taxas médias de inflação sejam inferiores às verificadas em 2022. Mas é claro que levará tempo e não será em 2023 que será possível voltar aos níveis de inflação pré-pandemia. Para chegar a esse cenário ainda faltarão alguns meses”, acrescenta.
De fato, funcionários do Federal Reserve, o banco central dos EUA, acreditam que levará até 2025 para que a inflação volte à meta da instituição de cerca de 2%.
“Muitas das pressões do mercado em 2022, como o aumento vertiginoso dos preços da energia, a crise geral do custo de vida e a subida de impostos e taxas de juros ainda não tiveram seu impacto total”, diz Álvaro Antón, da empresa de investimentos Abrdn.
Por isso, ele diz acreditar que, embora haja variações regionais e nacionais, é provável que “a inflação plena na maioria dos mercados desenvolvidos atinja o pico no final de 2022 ou início de 2023”, assinala.
O outro ponto em que os economistas concordam é que a desaceleração da inflação estará ligada à desaceleração do crescimento, o que causará sofrimento para as famílias na outra ponta.
Menos atividade, mais desemprego
No final das contas, se as famílias têm que pagar mais por tudo, o que acontece é que elas acabam comprando menos e gastam menos em viagens ou carros novos, por exemplo.
Principalmente se estamos falando de pagar mais por itens básicos como alimentação e energia, nos quais se concentram os aumentos mais fortes de preços.
Se juntarmos a isso o fato de a maioria dos bancos centrais terem apertado significativamente a sua política monetária e aumentado as taxas de juro, o resultado é um menor consumo das famílias e uma menor atividade das empresas.
Esse último ponto é o que pode desencadear o desemprego e reduzir a inflação.
“É provável que ocorram recessões técnicas em várias economias durante 2023, o que fará com que o crescimento global caia abaixo de seu potencial para 2,6%, de 3,3% em 2022”, diz a Scope Ratings, uma agência de rating europeia, em relatório recente.
No entanto, a agência descarta que haverá uma grave recessão no mundo ou que testemunharemos uma crise financeira global no próximo ano.
Neste contexto, com a guerra na Ucrânia e as tensões geopolíticas acirradas, a covid se espalhando pela China, o Reino Unido enfrentando um inverno de greves e uma onda de frio na Europa, a contração econômica será muito difícil de evitar.
Recessão para muitos
“Minha previsão para os EUA é de recessão. Tem que haver uma. O mercado de trabalho atual está mais tenso do que nunca no período pós-guerra e, surpreendentemente, não enfraqueceu”, diz Steven Bell, economista-chefe para Europa, Oriente Médio e África da empresa Columbia Threadneedle em uma entrevista.
Sua opinião é compartilhada por outros especialistas. Para frear a inflação nos Estados Unidos, dizem eles, é preciso que o mercado de trabalho respire fundo.
“Acho que eles (EUA) precisam de uma recessão. Não acho que será profunda. Vai ser branda e a resposta será rápida, mas acho que eles precisam. E a Europa também vai ter uma por causa do incrível aumento de preços da energia”, acrescenta Bell.
“E não podemos esquecer que uma recessão nos países desenvolvidos geralmente leva a uma recessão nos mercados emergentes”, ressalva o economista.
E isso muitas vezes inclui vários países latino-americanos, como o Brasil.
Mas apesar da queda dos preços das matérias-primas, principalmente do petróleo, do acordo de exportação de grãos da Ucrânia que freou a inflação de alimentos e apesar da alta dos juros, medidas destinadas a frear a inflação, também há quem prefira permanecer mais cético em relação às previsões para 2023 sobre a escalada de preços.
“Existe o risco de que a inflação não caia como todos esperam. Na verdade, o fato de haver praticamente uma opinião unânime quanto a isso é preocupante porque o consenso dos analistas está mais errado do que certo”, diz Víctor Alvargonzález, diretor de estratégia e sócio-fundador da empresa de consultoria independente Nextep Finance.
De fato, 2022 é um exemplo claro de quanto a realidade pode se desviar das previsões dos economistas.
Muito persistente
No início do ano, as principais entidades afirmaram – quase unanimemente – que a inflação de dois dígitos que já se registrava em muitas economias era “transitória”.
E isso não se comprovou.
“Essa inflação pode se mostrar muito mais persistente do que as pessoas esperam”, diz Bell.
Outro perigo que pode atrapalhar o consenso dos especialistas é que a guerra na Ucrânia pode sair do controle.
“Estamos em um confronto indireto entre a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar ocidental), através do Exército ucraniano, e uma potência nuclear, a Rússia, então quanto mais tempo durar a guerra, maior o risco de acidentes ou agravamento do conflito”, diz Alvargonzález.
Outro risco que, por enquanto, permanece fora dos holofotes é o confronto oculto entre China e Estados Unidos pelo poder global.
“No momento, os EUA estão ocupados com a Rússia, mas mais cedo ou mais tarde perceberão que seu maior problema é a China, que, na verdade, está se aproveitando da situação criada pela invasão da Ucrânia. Basta olhar para a última visita de Xi Jinping à Arábia Saudita e como foi (bem) recebido”, diz o economista da Nextep Finance.
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