- Julia Braun
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Pelé foi cobrado ao longo de sua carreira para se engajar mais na luta contra o racismo. Mas para muitos, sua genialidade como jogador e sua presença nos campos de futebol e nas telas de televisão e jornais por todo o mundo foram essenciais para a construção de uma representatividade negra no Brasil.
“O Pelé deu representatividade mundial ao brasileiro preto”, diz o comentarista esportivo Paulo Cesar Vasconcellos, que discorda das críticas feitas ao Rei do Futebol. “Antes dele já tínhamos brasileiros e brasileiras pretas que se destacavam no Brasil, mas ele trouxe visibilidade mundial.”
“Ele foi muito importante para que outras pessoas negras se reconhecessem quando assistiam à televisão, por exemplo”, afirma o jornalista, que é negro e diz ter crescido tendo Pelé como ídolo.
O comentarista, que atualmente trabalha no canal de televisão por assinatura SporTV, afirma ainda que, apesar de toda admiração que despertou em sua carreira, o Rei do Futebol também foi vítima de racismo.
“Há uma perversidade no racismo brasileiro. Quando um homem ou uma mulher negra ganham visibilidade, por vezes deixam de ser pretos [para a sociedade]. Ele não é um homem preto, ele é o Pelé”, diz. “Isso também é racismo”.
Ainda segundo ele, muitas das mensagens de Pelé foram desconsideradas ou ridicularizadas simplesmente pela cor de sua pele.
“Como o racismo praticado no Brasil é um racismo pautado até hoje pelo cinismo e pela dissimulação, muitas vezes se tentou desqualificar o que Pelé dizia, exatamente por se tratar de um preto falando de assuntos delicados”, diz Vasconcellos.
O jornalista cita, por exemplo, o famoso discurso do jogador após marcar seu gol de número mil, em 1969. “Pelo amor de Deus, o povo brasileiro não pode esquecer das crianças, as crianças necessitadas, as casas de caridade. Vamos pensar nisso”, afirmou o jogador a jornalistas.
“Muita gente na época preferiu ironizar e taxar como demagógico o que ele disse, mas se por acaso tivessem prestado atenção, quem sabe os bisnetos daquelas crianças citadas por ele não estariam mais nas ruas hoje.”
Quando o tema é racismo e esporte, é comum também que se compare o papel e os esforços de Pelé na luta com os de outro atleta negro de sua época, o boxeador americano Muhammad Ali.
Mas para o comentarista, a sociedade americana era completamente distinta; ali, o racismo se apresentava — e era combatido — de forma mais aberta do que no Brasil.
“Queriam muitas vezes do Pelé declarações e ações que ele nunca teve, mas isso não diminui sua importância para o combate ao racismo no Brasil”, diz.
“Desqualificá-lo como um homem que afirmou o povo preto é muitas vezes comentário de branco.”
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