O som emitido pelos dinossauros seria algo mais sentido do que ouvido – uma vibração profunda e visceral, surgindo de algum lugar além da grossa folhagem.
Como o som de uma buzina de nevoeiro, ela vibraria pelo seu tórax, eriçando os pelos do pescoço. Nas densas florestas do Cretáceo, teria sido apavorante.
Temos poucas indicações sobre os ruídos que os dinossauros podem ter feito enquanto dominaram a Terra até sua extinção, 66 milhões de anos atrás. Os notáveis restos descobertos nas rochas pelos paleontólogos oferecem evidências do poder físico dessas criaturas, mas não há muitas indicações de como eles interagiam e se comunicavam.
É claro que o som não se fossiliza. Mas, pelo que sabemos sobre o comportamento dos animais, os dinossauros, com quase absoluta certeza, não eram mudos.
Com a ajuda de novos fósseis raros e avançadas técnicas de análise, os cientistas estão agora começando a reunir algumas das indicações de como podem ter sido os sons dos dinossauros.
Não existe uma resposta única para este quebra-cabeça. Os dinossauros dominaram o planeta por cerca de 179 milhões de anos. Durante esse período, eles evoluíram em um enorme conjunto de formas e tamanhos diferentes.
Alguns deles eram minúsculos, como o Albinykus, que pesava menos de 1 kg e provavelmente tinha menos de 60 cm de comprimento. Já outros figuravam entre os maiores animais que já viveram no planeta, como o titanossauro Patagotitan mayorum, que pode ter pesado até 72 toneladas.
Alguns corriam com duas pernas, outros se arrastavam em quatro. E, junto com esses formatos de corpos diversos, eles teriam produzido um número igualmente variado de ruídos.
Alguns dinossauros tinham o pescoço muito alongado – até 16 metros de comprimento entre os saurópodes maiores -, o que provavelmente teria alterado os sons que eles produziam. Basta pensar no que acontece ao estender-se a vara de um trombone.
Outros tinham estruturas cranianas bizarras que, como instrumentos de sopro, podem ter amplificado e alterado os tons produzidos pelos animais. Uma dessas criaturas – um hadrossauro herbívoro conhecido como Parasaurolophus tubicen – teria sido responsável pelos chamados assustadores descritos no início desta reportagem.
Sons ‘de outro mundo’
O P. tubicen tinha uma enorme crista com quase um metro de comprimento, que se protuberava a partir da parte de trás da sua cabeça. Dentro dela, havia três pares de tubos ocos, que iam do nariz até o topo da crista.
Na crista, dois desses pares faziam uma curva em forma de “U” em direção à base do crânio e às vias aéreas do animal. Já o outro par se alargava para formar uma grande câmara perto do topo da crista. Ao todo, elas formavam o que era essencialmente uma caixa de ressonância com 2,9 metros de comprimento.
Em 1995, paleontólogos do Museu de Ciências e História Natural do Novo México, nos Estados Unidos, desenterraram um crânio de Parasaurolophus quase completo, com sua estranha aparência. E, usando um aparelho de tomografia computadorizada, eles conseguiram formar 350 imagens da crista. Essas imagens permitiram que eles observassem o seu interior em detalhes sem precedentes.
Trabalhando com cientistas da computação, os paleontólogos reconstruíram digitalmente o órgão e simularam qual poderia ser o comportamento do ar quando soprado através dele.
“Eu descreveria o som como algo de outro mundo”, afirma Tom Williamson, uma das pessoas que trabalharam na escavação e que agora é curador de paleontologia do museu. “Eu lembro que ele me causou calafrios na espinha.”
As analogias mais próximas que ele consegue encontrar em animais vivos hoje em dia são os grunhidos vibrantes dos casuares-do-sul, que vivem na Austrália. Este pássaro terrestre emite uma série de gritos e rosnados profundos que reverberam através da espessa floresta onde ele vive.
“É fácil para mim imaginar uma floresta tropical coberta de névoa no Cretáceo Superior com esses sons assustadores como ruído de fundo”, afirma Williamson. “São sons de baixa frequência – apenas o necessário para penetrar na densa vegetação rasteira.”
Williamson e seus colegas simularam o som que o P. tubicen pode ter produzido, com ou sem um conjunto de órgãos vocais, como a laringe encontrada nos mamíferos e répteis modernos.
Eles concluíram que, mesmo sem a laringe ou uma caixa vocal equivalente, os dinossauros podem ainda ter produzido ruídos devido à forma em que o ar teria ressonado no interior da crista quando o animal soprava ar através dela, como sopramos hoje sobre a abertura de um jarro.
“Nós não temos tecidos moles preservados e não sabemos, por exemplo, se esses dinossauros tinham órgãos produtores de sons, como os mamíferos e as aves”, afirma Williamson. “Ficou evidente que um órgão produtor de sons não era necessário para que essa crista ressonasse, porque era uma estrutura muito longa.”
Outros hadrossauros tinham cristas musicais similares no crânio, embora não tão dramáticas. Acredita-se que elas tivessem função visual e auxiliassem na vocalização. A maioria teria produzido sons em baixa frequência e os restos fossilizados desses animais até inspiraram a criação de instrumentos musicais baseados em crânios de hadrossauros.
Nem todos os dinossauros tiveram a sorte de contar com um trompete sobre suas cabeças. E não temos evidências fossilizadas de laringes de dinossauros, o que leva alguns pesquisadores a especular que os animais podem até ter sido mudos.
“O que realmente temos são indicações fósseis que podem nos mostrar parâmetros diferentes das vias aéreas, como seu diâmetro e seu comprimento”, afirma a paleontóloga Julia Clarke, da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos. “Podemos comparar essa geometria para observar sua relação com os dinossauros vivos hoje em dia – as aves.”
Mas Clarke tem outra indicação que forneceu mais uma peça do quebra-cabeça. Em meados dos anos 2000, ela e seus colegas realizaram um exame detalhado do esqueleto preservado de uma espécie de pássaro antigo, que havia sido encontrado mais de uma década antes por pesquisadores argentinos na ilha Vega, um minúsculo pedaço de terra na ponta da Península Antártica.
O fóssil permanece parcialmente incrustado em um pedaço de rocha, mas, usando métodos avançados de tomografia computadorizada, Clarke e sua equipe conseguiram detectar pedaços do fóssil que não podiam ser vistos e reconstruíram digitalmente o fóssil a partir dessas imagens.
Ali, abrigados entre os fragmentos de ossos fossilizados, estavam os restos de algo fabuloso – os anéis mineralizados de uma siringe, o órgão gerador de sons encontrado nas aves, datado da época dos dinossauros.
A ave primitiva à qual ele pertencia – uma criatura parecida com um ganso chamada Vegavis iaai – teria existido simultaneamente com os dinossauros não aviários no final do período Cretáceo, 66-68 milhões de anos atrás.
Nessa época, aquela parte da Antártida moderna teria sido coberta de florestas temperadas e rodeada por mares rasos. Os sons de buzina do V. iaai provavelmente faziam parte do cenário.
Para Clarke, a própria existência da descoberta é reveladora – o fato de que esses órgãos produtores de sons podem fossilizar-se e sua ausência da maioria dos fósseis de dinossauros é reveladora.
As aves – os dinossauros aviários, para ser mais preciso – evoluíram dos dinossauros terópodes, cerca de 150 a 165 milhões de anos atrás, durante o período Jurássico. Se a siringe de uma ave que viveu há 66-68 milhões de anos pôde ser preservada como fóssil, por que nenhuma foi encontrada entre os restos dos seus primos não aviários extintos, como o Tyrannosaurus rex?
Esta questão fez com que Clarke analisasse mais profundamente como as aves modernas produzem sons.
“Existem cerca de 10 mil espécies de aves vivas [algumas estimativas falam em até 18 mil], mas é surpreendente que existam tão poucas pesquisas científicas sobre quais sons elas realmente emitem e como elas fazem”, afirma ela.
Seu trabalho trouxe uma revelação que provavelmente irá abalar as crianças de cinco anos de idade e os fãs de cinema de todo o mundo.
É quase certo que os dinossauros não rugiam. Provavelmente, eles arrulhavam. Ou, mais precisamente, eles podem ter produzidos sons similares ao arrulhar dos pombos ou ao grasnado das avestruzes.
Os filmes estão errados
Muitas aves modernas usam o que é chamado de vocalização com a boca fechada, na qual o som é produzido inflando a garganta, sem a passagem de ar através da siringe.
Os crocodilos (outros parentes distantes dos dinossauros, descendentes de um ancestral comum que viveu há cerca de 240 milhões de anos) também usam a vocalização com a boca fechada para gerar roncos profundos que podem fazer a água à sua volta “dançar” em volta dos seus corpos.
Como outros répteis e os mamíferos, os crocodilos têm laringe, e não siringe, para produzir sons. Mas eles não a usam para produzir seus gritos de acasalamento.
“Os filmes da série Jurassic Park estão errados”, ri-se Clarke. “Muitas das primeiras reconstruções de dinossauros foram influenciadas pelo que associamos aos ruídos assustadores dos grandes mamíferos predadores atuais, como os leões.”
“Nos filmes da série Jurassic Park, eles usaram vocalizações de crocodilos para os grandes dinossauros, mas, na tela, os dinossauros estão com a boca aberta, como um leão rugindo”, prossegue ela. “Eles não teriam feito aquilo, especialmente pouco antes de atacar ou comer a sua presa.”
“Os predadores não fazem isso – seria anunciar aos demais que você conseguiu uma refeição e avisar à presa que você está ali”, explica Clarke.
A paleontóloga acredita que, em vez disso, muitos dinossauros não aviários podem ter produzido sons com a boca fechada, inflando os tecidos moles da garganta, como parte de algum tipo de exibição para acasalamento. Mas ela afirma que eles podem também ter usado chamados com a boca aberta em outras situações, como momentos de tensão.
“Existem muitos tipos diferentes de sons no cenário do Jurássico Superior, ou do Cretáceo Inferior”, afirma Clarke.
Esta visão é sustentada por pesquisas sobre outra parte da anatomia dos dinossauros com melhores evidências no registro fóssil – os ouvidos. Estudos de crânios de dinossauros permitiram aos paleontólogos reconstruir a aparência dos ouvidos internos dos animais. Alguns fósseis também revelaram parte dos delicados ossos que ajudavam no funcionamento dos ouvidos dos dinossauros.
“Os dinossauros tinham apenas um osso no seu ouvido interno, o estribo – uma estrutura fundamental na tradução para o ouvido interno das vibrações do ar, ondas sonoras, que podem ser então processadas pelo cérebro”, explica Phil Manning, professor de história natural da Universidade de Manchester, no Reino Unido. “Nós, mamíferos, temos também o martelo e a bigorna.”
Sem essas partes do aparelho de audição ósseo, os dinossauros talvez só conseguissem ouvir uma faixa de frequências muito mais restrita que os mamíferos, segundo Manning. E, provavelmente, eles estavam sintonizados para ouvir sons de baixa frequência.
“O estribo dos dinossauros costumava ser muito grande, quase do tamanho de um palito de fósforo no T. rex, o que significa que ele era sintonizado nas frequências mais baixas”, afirma Manning. “Espécies pequenas de dinossauros com estribos menores estariam correlacionadas a sons de alta frequência.”
O tamanho dos dutos cocleares no ouvido interno de fósseis de dinossauros oferece outras indicações sobre suas capacidades auditivas. Ele indica que os animais podem ter sido capazes de ouvir altas frequências.
“Sabemos pelos animais vivos que, geralmente, quanto mais longa a cóclea, maior a faixa de sons que podemos ouvir”, afirma Steve Brusatte, professor de paleontologia e evolução da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido. “As cócleas de mamíferos têm forma de bobina como uma cobra, para ocupar um longo comprimento em uma pequena região do crânio. As cócleas dos dinossauros não têm esse formato, mas algumas são bastante compridas.”
Um estudo detalhado de uma espécie de tiranossauro – um predador do Cretáceo Médio do tamanho de um cavalo, chamado Timurlengia euotica, que vagava pelo que hoje é o deserto de Kyzylkum, no Uzbequistão – revelou que esses animais tinham dutos cocleares anormalmente longos no seu ouvido interno.
“Isso indica que eles conseguiam ouvir uma faixa de sons mais ampla do que muitos outros dinossauros”, afirma Brusatte, que chefiou o estudo. “Quando estudamos as imagens de tomografia computadorizada do Timurlengia, observamos que sua cóclea era realmente muito comprida para um dinossauro.”
De fato, os dinossauros podem ter desenvolvido essas cócleas alongadas mais ou menos no início da sua evolução, talvez nos primeiros dias do surgimento do seu ramo evolutivo – os arcossauros, cerca de 250 milhões de anos atrás.
“O alongamento coclear que indica sensibilidade a ruídos agudos ocorreu perto da origem dos ‘répteis dominantes’ arcossaurianos, que incluem aves e crocodilos”, segundo Bhart-Anjan Bhuller, curador associado de paleontologia de vertebrados do Museu Peabody de História Natural da Universidade Yale, em New Haven, Connecticut (Estados Unidos).
Bhuller reconstruiu os canais auditivos de diversos arcossauros, usando imagens tridimensionais dos seus crânios fossilizados.
“Consideramos todos os tipos de causas possíveis dessa transformação e percebemos que a única razão consistente com todas as evidências foi o surgimento de alto nível de cuidado com os filhotes e, mais especificamente, o uso de piados como ‘chamados de localização’ pelos bebês”, afirma ele.
Então, os jovens dinossauros podem ter piado nos seus ninhos para chamar a atenção dos pais, como fazem hoje os filhotes de aves e os jovens crocodilos modernos? Bhuller acredita que sim.
“Considerando que os bebês das aves e crocodilos piam, é razoável supor que os bebês dinossauros não aviários também piassem e que seus pais os ouviam e cuidavam deles, da mesma forma que fazem os pais crocodilos e aves”, afirma ele.
“Com relação ao significado da sensibilidade a sons agudos sobre os ruídos feitos pelos dinossauros não aviários adultos, esta questão ainda não tem resposta”, segundo Bhuller. “Eu não ficaria nada surpreso se a maioria dos dinossauros, especialmente os parentes próximos das aves, fizesse uma variedade de ruídos.”
A capacidade de ouvir uma ampla faixa de sons pode ter sido útil de muitas formas, para detectar predadores ou outras ameaças, ou permitindo que eles encontrassem suas presas de forma mais eficiente, segundo Brusatte. Mas ela pode também ter sido usada para comunicação entre eles, seja para alertar sobre perigos, atrair parceiros para acasalamento, intimidar rivais ou para ajudar os bandos a permanecer juntos.
“Sabemos que pelo menos alguns tiranossauros viajavam e talvez caçassem em grupo, de forma que a comunicação entre os indivíduos provavelmente era importante”, afirma Brusatte.
Mas, com esses grandes animais produzindo muitos desses sons, como eles teriam soado aos nossos ouvidos?
O infrassom
Muitos dos fortes chamados dos crocodilos e casuares estão além dos limites da audição humana, em frequências baixas conhecidas como infrassom. Existem até relatos de jacarés que vivem perto do Cabo Canaveral, na Flórida (EUA), que produzem chamados em infrassom em resposta ao ronco profundo dos foguetes, durante os lançamentos dos ônibus espaciais nos anos 1980.
Também sabemos que os elefantes se comunicam por longas distâncias usando infrassom e que rinocerontes de Sumatra usam “assobios” em infrassom que relembram o canto das baleias-jubarte para penetrar no seu espesso habitat florestal.
Sons em baixa frequência e infrassom são especialmente bons para cobrir longas distâncias, tanto em ambientes abertos quanto em densas florestas. Em animais com o tamanho do T. rex ou de saurópodes gigantes como o diplodoco, o som pode ter sido realmente muito baixo.
“Sabemos que existe uma relação de escala fundamental entre o tamanho do corpo e a frequência”, segundo Clarke. “Os animais pequenos geralmente produzem sons em frequência mais alta devido ao comprimento das suas cordas vocais, a menos que eles tenham modificações muito estranhas.”
“Os animais grandes produzem sons em frequências mais baixas. E, com os dinossauros, você tem esses animais com o tamanho de quatro elefantes empilhados uns sobre os outros. Eles não estão produzindo sons na faixa de frequências da audição humana. Mas você provavelmente iria senti-los”, explica a paleontóloga.
Outras pesquisas indicam que, mesmo se pudéssemos ouvir os maiores dinossauros zumbindo entre si, teria soado estranho para os nossos ouvidos.
Gigantes como o supersauro podem não ter muito controle sobre suas capacidades vocais, devido ao atraso relativamente longo para que os sinais nervosos trafeguem pelos 28 metros de pescoço a partir do cérebro. Isso teria feito com que qualquer chamado produzido parecesse sensivelmente moroso em relação aos eventos à sua volta.
Mas alguns paleontólogos propuseram que os saurópodes gigantes, como o diplococo e o supersauro, podem ter confiado mais na comunicação táctil enquanto se moviam em bandos. Talvez esta seja a razão das suas caudas tão alongadas, pois elas permitiam que eles ficassem em contato quase constante com seus vizinhos enquanto migravam.
É inspirador imaginar um Cretáceo cheio de grasnados de dinossauros menores, piados de jovens recém-nascidos e o estrondo ameaçador de gigantes à distância. Ao enfrentar esse ataque aos ouvidos e a vibração correndo pelos ossos, é difícil imaginar se ficaríamos para olhar mais de perto ou se simplesmente correríamos para longe.
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