- Amanda Ruggeri
- BBC Worklife
Antes mesmo de ter seu primeiro filho, Libby Ward sabia que tipo de mãe ela queria ser: consciente, paciente e amorosa.
Mas sua expectativa ia além disso, especialmente quando observava as mães no seu círculo social. Ela queria imitá-las também de outras formas, com refeições caseiras, uma casa impecável e uma rotina de sono para o bebê.
Quando teve sua filha em 2014, Ward sentiu que seria capaz de ser a mãe que pretendia, pelo menos em grande parte.
Dois anos depois, seu filho nasceu. Ela teve problemas com a amamentação. Ele não dormia mais de duas horas seguidas — e parecia sentir dores.
“Senti que não conseguia oferecer alimento, sono ou conforto suficiente”, relembra Ward, que mora em Ontário, no Canadá.
“Não conseguia manter os padrões que havia definido para mim mesma. E tudo simplesmente pareceu desabar.”
Mais do que qualquer outra emoção, ela sentiu raiva. O ressentimento se voltou para o seu parceiro, para os filhos e até para completos estranhos — qualquer pessoa que parecesse ter mais facilidade do que ela. E ela ficou envergonhada por essa reação.
“Eu era mãe de dois filhos há cerca de cinco meses quando finalmente me olhei no espelho e não consegui me reconhecer fisicamente, emocionalmente, mentalmente”, afirma Ward.
“Eu dizia: ‘Esta não sou eu. Isso não é quem eu sou. Não é quem eu quero ser. Não é quem eu esperava ser’.”
Ela estava passando por uma condição vivenciada por muitas mães, mas comentada por poucas: a ambivalência materna.
Definida como sentir emoções complexas sobre a maternidade, muitas vezes contraditórias, a ambivalência materna não significa falta de amor pela criança.
Na verdade, as mães que se identificam como ambivalentes costumam ter claro que fariam tudo pelos filhos — tanto que, para muitas, a preocupação, o estresse e o medo que elas sentem pelas crianças são alguns dos motivos por que elas acham que ser mãe é um desafio tão grande.
Mas elas podem também sentir raiva, ressentimento, apatia, tédio, ansiedade, culpa, tristeza e até ódio — emoções que a maioria das pessoas não costuma associar à maternidade, que dirá com ser uma “boa” mãe.
Essa mistura de emoções não é surpreendente. Ser mãe, afinal, é uma tarefa emocional, trabalhosa e que exige tempo. Ela traz uma mudança fundamental na identidade da pessoa, além de alterações psicológicas que, muitas vezes, são difíceis.
As mães provavelmente tiveram sentimentos conflitantes desde o início da humanidade. Ainda assim, alguns fatores tornam a ambivalência materna atual um pouco diferente e, muito provavelmente, mais difícil de se enfrentar.
Em primeiro lugar, existem os padrões, muitas vezes irreais, sobre o que significa ser uma “boa” mãe (e também um “bom” filho), que são acentuados pela sobrecarga de informações e comparações oferecida pela indústria de aconselhamento aos pais, pela internet e pelas redes sociais.
E, em segundo lugar, existe a vergonha e a estigmatização sentidas por muitas mães simplesmente por tocar no assunto, em uma cultura que valoriza posturas como “aproveite cada momento!” em relação à maternidade.
As mães podem até conseguir dizer que criar filhos é difícil, mas é um tabu muito maior afirmar que elas não necessariamente apreciam o seu papel.
O paradoxo da maternidade
“A ambivalência materna é questão de abraçar o ‘e'”, diz Sophie Brock, socióloga que estuda maternidade, de Sydney, na Austrália. Ela apresenta o podcast The Good Enough Mother (“A mãe suficientemente boa”, em tradução livre).
“Temos tantos paradoxos como mães, e a ambivalência está dizendo ‘na verdade, eu sinto ambos'”, afirma Brock.
Pensar que “eu quero passar cada minuto com minha filha, e não consigo passar mais um minuto com ela”. “Sou muito agradecida por meu filho existir, e não consigo suportar o que se tornou a minha vida.”
“Quero ser a melhor mãe possível, e tenho muita raiva por ver como minha identidade mudou.” Ou até mesmo “amo intensamente meu filho e, neste momento, também o odeio.”
A ambivalência pode ser confundida com condições como ansiedade ou depressão pós-parto, ou conviver junto com elas. E, se não for expressa, pode aumentar o risco de piorar a saúde mental. Por isso, é sempre importante buscar assistência profissional em caso de dúvida.
Mas, geralmente, a ambivalência materna é normal e saudável, segundo os pesquisadores e psicólogos.
“Quase toda [mãe] com quem falei sente-se suficientemente segura para afirmar que sua verdadeira experiência tem sentimentos mistos sobre o seu papel”, afirma a terapeuta Kate Borsato, de British Columbia, no Canadá, que estuda a saúde mental das mães.
“E isso faz sentido para mim”, diz ela.
“A vida delas mudou muito. Sua sensação de autoconfiança, a forma como elas passam o tempo, o que elas pensam — tudo é diferente.”
Uma mãe que conhece essa situação por experiência própria é Jessica Rose Schrody, comediante e criadora de conteúdo digital de Los Angeles, nos Estados Unidos.
Quando engravidou com pouco mais de 20 anos, ela questionou se deveria dar prosseguimento à gestação.
“Mas, de forma geral, eu dizia: ‘Ah, eu vou conseguir, vou dar um jeito’. Agora, com 31 anos, eu penso: ‘Uau! Isso complicou muito a minha vida, de todas as formas possíveis’. E nenhuma dessas formas eu conseguia compreender ou realmente processar, com 21 anos.”
A luta para ser ‘boa’
Ser mãe sempre foi difícil. Mas as pressões específicas da atualidade podem dificultar ainda mais.
Diferentemente da primeira metade do século 20, por exemplo, agora se espera que as mães deem “tudo” pelos seus filhos em termos de tempo, trabalho e recursos emocionais, mentais e financeiros — e ainda tenham alto desempenho no trabalho e nos relacionamentos.
Em 1996, esta construção cultural da maternidade recebeu um rótulo que acabou ficando até hoje: “maternidade intensiva”.
E, para piorar ainda mais a situação, as mulheres enfrentam dificuldades para atingir esse ideal em uma época em que a assistência para os pais, em grande parte, não acompanhou as exigências da vida moderna. Mesmo alguns dos países mais ricos do mundo oferecem menos de quatro meses de licença-maternidade.
E, em famílias no Reino Unido em que os dois pais trabalham, mais de 50% da renda média da mulher em tempo integral vão para a creche.
“Todas as mães já conhecem isso: somos sobrecarregadas, trabalhamos demais, carregamos a maior parte do trabalho emocional, a maior parte da esfera doméstica e as pressões do trabalho profissional”, afirma Brock.
“E as pessoas esperam que coloquemos uma máscara que diga: ‘Consegui fazer tudo. Sou a mãe perfeita. Não tenho dificuldades.'”
Alecia Carey tem 35 anos, é mãe de dois filhos e trabalha em filantropia política em Boston, no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. Para ela, a ambivalência materna surgiu quando ainda estava grávida — algo que não é incomum.
“Quando fiquei grávida, senti que havia sido rebaixada de ser humano para mulher”, conta.
“Tudo o que os meus colegas de trabalho me diziam era que eu estava grávida. Era a única coisa a meu respeito. Tornou-se toda a minha personalidade. Eu odiava aquilo.”
Ela conta que foi muito difícil se ajustar à mudança para a maternidade, depois de passar grande parte da vida desenvolvendo sua carreira, seu círculo social e seus interesses e aspirações pessoais — algo que as gerações passadas, que costumavam ter filhos mais cedo, podem não ter vivenciado da mesma forma.
Lizzie Laing, de Cornwall, no Reino Unido, tem 27 anos. Ela afirma que também se sentiu despreparada para as transformações que vieram com a maternidade — e que ver outras mães tendo aparentemente mais facilidade fez com que ela se sentisse pior.
“Você está de luto pela facilidade da sua vida antiga e pelo seu relacionamento com o seu parceiro”, diz ela.
“E você vê outras pessoas que estão simplesmente se dando bem. Eu me sentia em outro planeta em relação a todos os demais — com muita dificuldade.”
“Eu tinha amigas que tiveram bebês mais ou menos na mesma época”, afirma.
“Mas eu conseguia ver nos olhos delas que elas estavam realmente sendo gentis quando diziam ‘sim, eu sei o que você quer dizer’, enquanto eu claramente estava em uma situação diferente delas.”
Carey também se sentia sozinha na sua experiência.
“Senti como se tivesse sido simplesmente retirada do nosso círculo social porque fiquei grávida”, afirma.
“Era muito isolador. E ficou muito mais isolador porque, na internet e nos círculos dessas mães, todas pareciam adorar, aproveitar e tirar o máximo daquilo. Eu achava tudo desconfortável e isolador, e fui corroída pela ansiedade o tempo todo.”
Mas os desafios em relação à maternidade não se resumem à forma como as mães devem se comportar. Outra dificuldade são as expectativas sobre como as crianças “devem” agir — algo que, muitas vezes, é observado como refletindo a própria capacidade da mãe na criação dos filhos.
“A maternidade era tudo o que sempre quis na minha vida”, afirma Emily Whalley, de Derbyshire, no Reino Unido. Ela tem 32 anos, teve seu primeiro filho em 2015, e o segundo, em 2019.
“É muito difícil admitir que, na verdade, não aproveito tanto quanto gostaria.”
Grande parte disso se deve ao fato de que seus filhos têm sérios problemas de saúde. Ela conta que ficou bastante obcecada pelo sono do filho, e acabou descobrindo que ele tinha dificuldade para dormir, em grande parte, por uma razão médica: ele tinha língua presa e não havia sido diagnosticado.
“Não consegui ter uma boa experiência em ser mãe”, afirma ela.
“Cuidar de um bebê tem sido fonte de estresse e preocupação.”
As ideias equivocadas de Laing sobre o comportamento dos bebês também “roubaram sua alegria”, diz ela.
A tradição familiar e as informações divulgadas na imprensa a convenceram de que o recém-nascido dormiria a maior parte do dia, dando a ela tempo de cumprir as tarefas domésticas ou trabalhar, e que os bebês adormecem sozinhos.
A realidade foi um choque para ela. A bebê de Laing chegava a ficar acordada por seis horas seguidas. Ela só dormia com ruído de fundo, em um sling (tecido para carregar a criança), com Laing se balançando sobre uma bola.
“Basicamente, nós não tivemos o ‘bebê padrão'”, ela conta.
“Mas aprendi que aquela era a norma e, quando vi que não o meu caso, fiquei ressentida.”
Ela sentiu como se estivesse fracassando como mãe.
‘Estou perdendo alguma coisa?’
É comum sentir vergonha e culpa por não se satisfazer com a maternidade.
Isso acontece especialmente quando todas as interações, das redes sociais às conversas familiares, pintam um quadro da maternidade como sendo algo feliz e recompensador — e quando poucas mães se abrem para falar como pode ser difícil na realidade.
A estigmatização em torno de admitir isso não é fruto da imaginação. Quando a criadora de conteúdo digital Schrody afirmou que lamentava ter sido mãe em um podcast recente, 90% das reações foram de outras mulheres que se sentiam da mesma forma. Mas ela também recebeu sua parcela de críticas.
Ela se recorda particularmente de um vídeo de alguém dizendo como deve ter sido horrível para sua filha. Mais de 30 mil pessoas “curtiram” o vídeo, segundo Schrody. Isso a preocupou.
Talvez ela não devesse ter se aberto sobre seus sentimentos. Como a maioria das outras mães, apesar de ter deixado clara sua posição no podcast — “não me arrependo da minha filha, me arrependo da função” —, sua maior preocupação é se irá ferir os sentimentos dela.
É claro que não são apenas as mulheres que compartilham seus sentimentos em público que sentem culpa e vergonha. Muitas acabam passando por tudo isso em silêncio.
“Eu esperava que as primeiras semanas e meses depois de ser mãe seriam a melhor época da minha vida”, afirma Kayleigh Thomas, 30 anos, de Warwickshire, no Reino Unido.
“Depois me senti mal porque não estava sendo o que tinha visto online ou lido a respeito.”
Até as mães que tentaram se libertar deliberadamente das expectativas da maternidade intensiva, como Carey em Boston, nos Estados Unidos, ainda se sentem internamente culpadas.
Carey conta que não se permite sentir as “culpas óbvias da maternidade”, em relação a coisas como sair para jantar com o marido ou tirar férias sem as crianças. Mas, quando ela foi fazer recentemente uma viagem internacional com o marido, uma amiga enviou uma mensagem perguntando: “Você não sente falta da sua filha?”
“Minha sensação era que não”, ela conta.
“Depois pensei: ‘Sou uma pessoa ruim? Sou uma assassina em série? Será que perdi alguma coisa? Esperam que eu queira jogar pela janela tudo a meu respeito e simplesmente adotar essa nova personalidade e novos interesses?'”
“Não me sinto capaz de fazer isso e me ressinto quando as pessoas me pedem que faça”, afirma.
“E meu marido não está sendo questionado.”
É comum que as mães se critiquem pela sua ambivalência, o que “apenas aumenta a dor em uma situação que já é difícil”, diz Borsato.
“Já é difícil esconder todas essas emoções. Você não precisa acrescentar mais crítica, mais julgamento, mais sentimentos negativos.”
E a desvantagem das mulheres que silenciam, segundo ela, é que, se uma mãe se abrir sobre seus sentimentos, provavelmente ela se sentirá menos sozinha e menos autocrítica — sensações que podem levar a situações mais profundas, como a depressão.
O problema, de acordo com ela, não é a ambivalência materna em si. É o significado que ela tem.
“Se uma pessoa concluir que existe algo de errado com ela, ou que o fato de ser ambivalente deve significar que ela não foi feita para ser mãe, ou que fizeram uma má escolha, ou que seu filho merece uma mãe que não tenha essa ambivalência — isso pode se tornar algo perigoso”, explica.
‘Experiências comuns’
Embora siga existindo muita vergonha em torno da ideia da ambivalência materna, essa conversa está mudando lentamente.
Algumas mulheres dedicaram suas carreiras a ajudar outras a terem uma experiência mais prazerosa da maternidade — sabendo que não ficar alegre todo o tempo também é aceitável.
Depois de enfrentar dificuldades com seu papel como mãe, Borsato, por exemplo, encontrou motivação ao ajudar outras mães a priorizar sua saúde mental. Já Whalley abriu um negócio tentando ajudar os pais a entender mais sobre o sono dos bebês e descartar eventuais problemas de saúde.
“É por isso que faço esse trabalho, apenas para tentar tornar a vida das outras pessoas mais feliz do que a minha”, afirma Whalley.
Outras pessoas se comprometeram a eliminar o estigma de falar sobre o assunto.
Schrody ficou abalada com os comentários negativos que recebeu. Mas continuou falando sobre sua experiência, na expectativa de poder mostrar às outras mães que não há problema em ter sentimentos contraditórios sobre a maternidade.
“A ideia de que ‘você deveria ficar mais em silêncio sobre isso’ é perfeitamente alinhada a uma sociedade misógina”, afirma.
Quando Ward não conseguiu encontrar outras criadoras de conteúdo se abrindo sobre as dificuldades da maternidade, ela decidiu fazer isso. Ward começou a compartilhar sua experiência no TikTok em março de 2020, com o título Diary of an Honest Mom (“Diário de uma Mãe Honesta”). E, seis meses depois, lançou uma conta similar no Instagram.
Muitos dos seus vídeos mais curtidos são aqueles que mostram as dificuldades na criação de filhos — como sua frustração quando os filhos não comem o almoço que ela preparou, como a maternidade a deixou menos “divertida” e como sua família a deixou “dormir” no Dia das Mães (spoiler: ela não conseguiu dormir).
Atualmente, suas plataformas têm juntas cerca de 1,5 milhão de seguidores. Ward recebe tantas mensagens de mães que precisou contratar uma pessoa para responder.
As mulheres contam que não percebiam que outras pessoas achavam tão difícil cuidar dos filhos ou que pensavam que seus sentimentos significavam que elas eram mães ruins.
“Muitas mães se sentiam muito envergonhadas e culpadas pelas dificuldades na maternidade”, diz ela.
“E elas se sentem muito sozinhas com isso.”
“Percebi que as mães que tentei imitar e que observei no começo nunca falavam sobre as dificuldades”, conta Ward.
“Elas não falavam sobre a falta de sono. Elas não falavam sobre a vergonha. Elas não contavam como gritavam com os filhos. Elas não falavam nada sobre o que eu estava enfrentando e me faziam sentir totalmente sozinha e isolada.”
“E só quando comecei a compartilhar essas coisas, percebi que essas experiências eram comuns”, conclui Ward.
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