- Esme Stallard
- Clima e Ciência, BBC News
Cientistas americanos anunciaram que conseguiram produzir mais energia do que a empregada em um experimento de fusão nuclear.
É um feito que pode significar no futuro uma fonte quase ilimitada de energia limpa.
Os cientistas dizem que o resultado é um importante marco para a ciência, perseguido há décadas, mas dizem que ainda há um longo caminho a percorrer antes que a fusão forneça eletricidade às casas.
O que eles fizeram?
O experimento ocorreu no Lawrence Livermore National Laboratory (LLNL), na Califórnia.
A fusão nuclear é descrita como o “Santo Graal” da produção de energia. É o processo que alimenta o Sol, responsável pelo seu calor e sua luz, e outras estrelas.
Funciona juntando pares de átomos leves e forçando-os a ficarem juntos. Essa fusão libera muita energia.
É o oposto da fissão nuclear, onde os átomos pesados se separam. A fissão é a tecnologia utilizada atualmente nas usinas nucleares, mas o processo também produz uma grande quantidade de rejeitos que emitem radiação por muito tempo.
Esses resíduos podem ser perigosos e devem ser armazenados com segurança.
Na fusão nuclear ocorre o contrário: apenas pequenas quantidades de resíduos radioativos, de curta duração — e produz muito mais energia.
E o que é mais importante, o processo não produz emissões de gases de efeito estufa e, portanto, não contribui para as mudanças climáticas.
O desafio: temperatura e pressão
Para alcançar a fusão nuclear, um dos desafios é o uso de altos níveis de temperatura e pressão para manter os elementos juntos.
Até agora, nenhum experimento de fusão nuclear havia conseguido produzir mais energia do que a investida.
No experimento do laboratório na Califórnia, os cientistas colocaram uma pequena quantidade de hidrogênio em uma cápsula do tamanho de um grão de pimenta.
Então usaram um poderoso laser de 192 feixes para aquecer e comprimir o combustível de hidrogênio.
O laser é tão forte que pode aquecer a cápsula a 100 milhões de graus Celsius, temperatura mais alta que o centro do Sol, e comprimi-la a mais de 100 bilhões de vezes a atmosfera da Terra.
Sob essas forças, a cápsula começa a implodir sobre si mesma, forçando os átomos de hidrogênio a se fundirem e liberarem energia.
Ao anunciar o resultado, o vice-chefe de programas de defesa da Administração Nacional de Segurança Nuclear dos EUA, Marvin Adams, disse que os lasers do laboratório forneceram 2,05 megajoules (MJ) de energia ao alvo, que produziu 3,15 MJ de energia de fusão.
Muito tempo e trabalho pela frente
A diretora do LLNL, Kim Budil, disse que ainda existem grandes obstáculos até que possamos ver o uso da fusão em usinas de energia.
“Com esforços e investimentos conjuntos, algumas décadas de pesquisa nas tecnologias subjacentes podem nos colocar em posição de construir uma usina de energia”, disse ela.
Um dos principais entraves é a redução de custos em conjunto com o aumento de escala da produção de energia.
O experimento só foi capaz de produzir energia suficiente para ferver de 15 a 20 chaleiras e custou US$ 3,5 bilhões.
E, embora o experimento tenha obtido mais energia do que o laser produzia, isso não incluía a energia necessária para fazer os lasers funcionarem, que era muito maior do que a quantidade de energia gerada pelo hidrogênio.
Da maneira correta
Melanie Windridge, diretora-executiva (CEO) da Fusion Energy Insights, explicou à BBC por que os cientistas estão tão entusiasmados com esse avanço.
“A fusão entusiasma os cientistas desde que foi descoberto o processo por trás do brilho do Sol. Esses resultados, de fato, nos colocam no caminho da comercialização da tecnologia.”
Jeremy P. Chittenden, professor de física de plasma e codiretor do Centro de Estudos de Fusão de Confinamento Inercial no Imperial College London, chamou isso de “um verdadeiro divisor de águas” que demonstra que “o ‘Santo Graal’ da fusão pode ser alcançado”.
É um sentimento ecoado por físicos de todo o mundo, que elogiaram o trabalho da comunidade científica internacional.
“O sucesso de hoje é baseado no trabalho feito por muitos cientistas nos Estados Unidos, Reino Unido e ao redor do mundo. Não apenas o poder de fusão foi desbloqueado, mas também uma porta se abriu para uma nova ciência”, disse Gianluca Gregori, professor de física na Universidade de Oxford.
O quão próximo estamos de um futuro de energia limpa?
Análise de Rebecca Morelle, editora de Ciência da BBC
A quantidade de energia gerada neste experimento é pequena, apenas o suficiente para ferver algumas chaleiras.
Mas o que isso representa é enorme para os cientistas que passaram tanto tempo trabalhando nessa tecnologia. E é para todo o mundo.
A promessa de um futuro movido a fusão nuclear está mais próxima. Mas, e sempre há um “mas” com esses avanços, ainda há um longo caminho a percorrer antes que isso se torne uma realidade.
A experiência prova que a ciência funciona. Agora ela precisa ser repetida e aprimorada antes de ter sua escala ampliada. A quantidade de energia gerada terá que ser aumentada significativamente para as necessidades práticas da humanidade.
O outro problema é o custo: o experimento custou bilhões de dólares. Mas a promessa de uma fonte de energia limpa, em meio aos grandes problemas das mudanças climáticas causados por energia fóssil, certamente será um grande incentivo para superar esses desafios.
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