- James Gallagher
- Repórter de Ciência e Saúde da BBC
Um câncer que era considerado incurável de uma adolescente foi eliminado de seu corpo com um novo tipo de tratamento revolucionário usado pela primeira vez.
Todos os outros tratamentos para a leucemia da menina britânica Alyssa haviam falhado.
Por isso, os médicos do Great Ormond Street Hospital, um hospital infantil em Londres, recorreram à engenharia biológica para viabilizar tal façanha.
Seis meses depois, o câncer de Alyssa está indetectável, mas a menina continua sendo monitorada para o caso de ele voltar.
Alyssa, que tem 13 anos e é de Leicester, na Inglaterra, foi diagnosticada com leucemia linfoblástica aguda de células T em maio do ano passado.
As células T deveriam ser as guardiãs do corpo — buscando e destruindo ameaças — mas para Alyssa elas se tornaram um risco e estavam saindo de controle.
Seu câncer era agressivo. A quimioterapia e um transplante de medula óssea não conseguiram eliminá-lo de seu corpo.
Sem o medicamento experimental, a única opção restante seria apenas deixar Alyssa em cuidados paliativos.
“Eventualmente, eu teria morrido”, diz Alyssa. Sua mãe, Kiona, afirma que no ano passado temia o Natal, “pensando que este seria o último com ela”.
O que aconteceu em seguida seria impensável apenas alguns anos atrás e foi possível graças aos incríveis avanços da genética.
A equipe do hospital usou uma tecnologia chamada “edição de base”, inventada há apenas seis anos.
“Bases nitrogenadas” são a linguagem da vida. Os quatro tipos de base nitrogenada — adenina (A), citosina (C), guanina (G) e timina (T) — são os blocos de construção do nosso código genético. Assim como as letras do alfabeto formam palavras que carregam significado, os bilhões de bases em nosso DNA formam o manual de instruções de nosso corpo.
A edição de base permite aos cientistas ampliar uma parte precisa do código genético e, em seguida, alterar a estrutura molecular de apenas uma base, convertendo-a em outra e alterando as instruções genéticas.
A numerosa equipe de médicos e cientistas usou essa ferramenta para projetar um novo tipo de célula T capaz de caçar e matar as células T cancerígenas de Alyssa.
Eles usaram células T saudáveis que vieram de um doador e começaram a modificá-las.
A primeira edição básica desativou o mecanismo de direcionamento das células T para que não atacassem o corpo de Alyssa.
O segundo removeu uma marcação química, chamada CD7, que está em todas as células T.
A terceira edição foi uma capa invisível que impedia que as células fossem mortas por uma droga quimioterápica.
O estágio final da modificação genética instruiu as células T a rastrear qualquer coisa com a marcação CD7 para que destruísse todas as células T de seu corpo — incluindo as cancerígenas. É por isso que essa marca deve ser removida do tratamento — caso contrário, ela simplesmente se destruiria.
Se a terapia funcionar, o sistema imunológico de Alyssa — incluindo as células T — será reconstruído com o segundo transplante de medula óssea.
Quando a ideia foi explicada à família, a mãe Kiona diz ter pensado: “O senhor pode fazer isso?” Foi decisão de Alyssa ser a primeira a fazer a terapia experimental — que continha milhões de células modificadas — em maio deste ano.
“Ela é a primeira paciente a ser tratada com esta tecnologia”, diz o professor Waseem Qasim, da Universidade College London e médico do Great Ormond Street Hospital.
Qasim diz que essa manipulação genética é uma “área da ciência que se move muito rápido” com “enorme potencial” em uma série de doenças.
Alyssa ficou vulnerável a infecções, pois as células projetadas atacaram tanto as células T cancerígenas em seu corpo quanto aquelas que a protegem de doenças.
Depois de um mês, Alyssa estava em remissão e recebeu um segundo transplante de medula óssea para regenerar seu sistema imunológico.
Ela passou 16 semanas no hospital e não podia ver seu irmão, que ainda estava indo para a escola, devido ao risco de contrair infecções.
Houve preocupações depois que o check-up de três meses encontrou sinais do câncer novamente. Mas nos dois exames mais recentes não havia sinais.
“Você aprende a apreciar cada pequena coisa. Estou tão grata por estar aqui agora”, diz Alyssa.
“É uma loucura. É incrível poder ter essa oportunidade, estou muito agradecida por isso e vai ajudar outras crianças também, no futuro.”
Ela agora está empolgada em passar o Natal com a família, ser dama de honra no casamento de sua tia, voltar a andar de bicicleta, retomar a escola e “apenas fazer coisas normais”.
A família espera que o câncer nunca volte, mas já agradece pelo tempo que ela ganhou.
“Ter este ano extra, estes últimos três meses em que ela esteve em casa, foi um presente em si”, diz Kiona.
“Acho muito difícil falar sobre o quanto estamos orgulhosos. Quando você vê o que ela passou e sua vitalidade de vida que ela trouxe para todas as situações, é excelente”, afirma o pai de Alyssa, James.
A maioria das crianças com leucemia responde aos principais tratamentos, mas acredita-se que até uma dezena por ano poderia se beneficiar dessa terapia.
Alyssa é apenas a primeira de 10 pessoas a receber o tratamento como parte de um ensaio clínico.
Robert Chiesa, do departamento de transplante de medula óssea do Great Ormond Street Hospital, diz: “É extremamente emocionante. Obviamente, este é um novo campo da medicina e é fascinante que possamos redirecionar o sistema imunológico para combater o câncer”.
A tecnologia, porém, é apenas o começo do que a edição de bases poderia alcançar, dizem os especialistas.
David Liu, um dos inventores da edição de base no Broad Institute, diz ser “um pouco surreal” que pacientes estejam sendo tratados apenas seis anos após a invenção da tecnologia.
Na terapia de Alyssa, cada uma das edições de base envolvia a quebra de uma seção do código genético para que esta não funcionasse mais.
Mas existem aplicações mais diferenciadas nas quais, em vez de “desativar” uma instrução, pode-se “consertar” uma defeituosa.
A anemia falciforme, por exemplo, é causada por apenas uma alteração de base que poderia ser corrigida.
Portanto, já existem testes de edição de base em andamento para essa doença, bem como no colesterol alto que ocorre em famílias e na talassemia, um tipo de distúrbio do sangue.
Liu explica que as “aplicações terapêuticas da edição de base estão apenas começando” e que é “uma experiência de humildade fazer parte desta era da edição terapêutica de genes humanos”, já que a ciência agora está dando “passos importantes para assumir o controle de nossos genomas”.
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