- Matthew Wilson
- BBC Culture
Os quadros de Cézanne (1839-1906) surpreenderam seus contemporâneos. Eles pareciam oferecer uma forma nova e radical de observação, embora ninguém conseguisse explicar exatamente como.
Em 1881, Paul Gauguin brincou sobre uma forma de descobrir os misteriosos métodos de Cézanne. Ele instruiu o também pintor Camille Pissarro a “oferecer a ele uma daquelas misteriosas drogas homeopáticas e vir direto para Paris com a informação”.
O pintor e crítico de arte Maurice Denis compartilhou sua sensação de perplexidade frente à revolução de Cézanne nas representações visuais. Ele escreveu em 1912 que “nunca havia ouvido um admirador… fornecer um relato claro e preciso da sua admiração”.
A natureza exata do sucesso de Cézanne virou obsessão para muitos filósofos e historiadores da arte ao longo dos anos. Mas um olhar crítico pode ser encontrado no campo da ciência.
As descobertas de neurocientistas, filósofos e psicólogos comprovaram que os métodos de Cézanne apresentam curiosa similaridade com o processamento visual da mente humana. Ele contrariou séculos de teorias sobre o funcionamento dos olhos ao ilustrar um mundo em constante movimento, influenciado pela passagem do tempo e repleto das memórias e emoções do próprio artista.
As visões de Cézanne sobre a percepção humana representaram uma vida inteira de lenta experimentação. Seu quadro Açucareiro, Peras e Xícara Azul (1865-70), por exemplo, mostra Cézanne observando e pintando de forma relativamente tradicional. Exceto pelo manuseio mais rústico da tinta, trata-se de um parente próximo de cenas tradicionais como Natureza-Morta: Uma Alegoria das Vaidades da Vida Humana, do pintor holandês Harmen Steenwyck – obra da era barroca, de 1640.
Naquele ponto, Cézanne acreditava, respaldado por séculos de teorias científicas, que o olho humano funciona exatamente como uma câmera: um portal para o fluxo de verdade visual que constrói um panorama detalhado do nosso ambiente visível.
Esta visão filosófica é resumida em um diagrama (elaborado mais ou menos na mesma época da pintura de Steenwyck) do estudo de René Descartes sobre a visão, La Dioptrique, de 1637. Ele mostra o olho recebendo uma imagem estática do mundo exterior, que é compreendida de forma clara pelo cérebro, representado pelo homem idoso ao fundo.
A câmara escura – um dispositivo que projeta imagens nítidas em uma caixa vedada, aprimorado nos séculos 16 e 17 – parecia confirmar que a percepção funcionava desta forma. Mas, no final dos anos 1870, Cézanne começou a questionar esta premissa.
No seu quadro Natureza-Morta com Prato de Frutas (1879-80), a borda do copo cheio d’água é exibida em perspectiva distorcida, o papel de parede no fundo parece estar na frente do prato de frutas (porque a pintura é aplicada de forma mais espessa) e a toalha de mesa branca parece estar suspensa no espaço, sem repousar realisticamente sobre a ponta da mesa.
Cézanne está nos mostrando que não quer ver a cena a partir de um ângulo fixo. Ele adotou um olhar móvel, fixando-se em um elemento de cada vez. Com isso, quando os objetos são reunidos, podemos observar as inconsistências.
Esta é uma das formas em que a abordagem de Cézanne se aproxima do que sabemos hoje sobre o processamento da visão humana.
Embora tenhamos pouca consciência disso, nossos olhos não ficam estáticos quando enxergamos. Eles fazem movimentos rápidos e minúsculos (conhecidos como “movimentos sacádicos”) entre as áreas de interesse visual. A visão compartimentalizada de Cézanne corresponde aos movimentos sacádicos.
O termo “sacada” foi usado pela primeira vez pelo oftalmologista francês Émile Javal. Ele descobriu o fenômeno mais ou menos na mesma época em que Cézanne pintou Natureza Morta com Prato de Frutas: em 1878.
Segundo o escritor Joachim Gasquet, que visitou Cézanne em 1897, o artista ficava até 20 minutos olhando fixamente para pontos isolados dos seus modelos enquanto pintava. Obras de arte como Madame Cézanne em uma Cadeira Amarela (1888-90) e Natureza-Morta com Prato de Frutas mostram as singularidades produzidas por essas observações, relacionadas à anatomia do olho humano e ao processo de movimentos sacádicos.
No centro da nossa retina (a região no fundo dos olhos), encontra-se um pequeno e denso conjunto de “cones” sensíveis que conseguem perceber as cores. À sua volta, encontram-se “hastes” que só podem detectar o claro e o escuro.
Por isso, o olho só pode perceber as cores em uma faixa absolutamente minúscula – efetivamente, apenas alguns graus em volta de onde estamos olhando diretamente. À medida que os olhos fazem diversos movimentos sacádicos, a mente os “costura” continuamente, processando as informações isoladas para criar a ilusão de uma realidade contínua e consistente, como em uma fotografia.
Este processo pode parecer pouco intuitivo, mas pode ser comprovado. Se você fixar o olho em um único ponto por muito tempo, sua visão periférica começa a se dissolver. Este fenômeno é conhecido como Efeito de Troxler.
Olhar fixo
Segundo o professor Paul Smith, da Universidade de Warwick, no Reino Unido, o método de observação de Cézanne, fixando sua atenção aos seus modelos, causava anomalias visuais.
Os rostos das pessoas sentadas nos seus retratos (como Madame Cézanne em uma Cadeira Amarela) parecem ser máscaras, pois ele se concentrava em pequenas áreas de detalhes faciais e não permitia que sua mente observasse o rosto como um todo holístico.
Em Natureza-Morta com Maçãs e um Vaso de Prímulas (c. 1890), a folha no lado direito não tem caule, o que indica que a fixação visual ininterrupta do pintor sobre a região causou o Efeito de Troxler.
O fato de que Cézanne mantinha erros intencionalmente nas suas pinturas não significa que ele fosse descuidado. Pelo contrário, Cézanne era cuidadoso e estudado, segundo uma das curadoras da exibição da galeria Tate Modern, Natalia Sidlina.
“Cézanne traduzia originais em latim por diversão”, afirma ela, “e era amigo de alguns dos principais cientistas em campos como as ciências naturais, a geologia e a óptica”.
Um dos desenvolvimentos mais notáveis da ciência e da óptica ocorridos durante a vida de Cézanne foi a invenção da fotografia.
Sabemos que Cézanne tinha e até copiava fotografias. Mas as primeiras câmeras, como o daguerreótipo (inventado por Louis Daguerre e apresentado ao público em 1839) e o calótipo (inventado por Henry Fox Talbot e apresentado em 1841), reproduziram o antigo ponto de vista do “olho” estático, concebido por Descartes.
Elas foram uma desilusão para muitos pintores do século 19, incluindo Cézanne, pois representavam uma alternativa parda e opaca do mundo visto pelos olhos humanos.
No quadro Natureza-Morta com Cupido de Gesso (c. 1894), Cézanne explorou ainda mais a magia e a excentricidade da percepção humana.
Nessa cena que parece retirada de Alice no País das Maravilhas, o espaço não faz sentido lógico. O piso do estúdio, ilustrado no lado direito, é inclinado para cima e a maçã no canto do cômodo é do mesmo tamanho das frutas no prato no plano central.
Se você olhar com cuidado, irá observar que Cézanne pintou sua estatueta de Cupido de vários ângulos – o pé está de frente para nós, mas os quadris parecem girar a 90 graus, como se a estátua fosse observada de diversos pontos de vista ao mesmo tempo.
Uma natureza-morta convencional como a pintura de Steenwyck (e a fotografia de Daguerre) nos fornece um momento congelado no tempo, mas essa visão de realidade não condiz com a experiência vivida.
A observação é sempre contínua. Cézanne nos diz que o presente não existe – apenas um fluxo contínuo entre o passado e o futuro.
A forma como experimentamos o tempo tornou-se um tema importante na influente filosofia de Henri Bergson (1859-1941) e na literatura do século 20, particularmente na técnica de fluxo de consciência usada por escritores como T. S. Eliot, James Joyce e Virginia Woolf.
Cézanne causou impacto direto sobre o desenvolvimento do cubismo, inspirando Pablo Picasso e Georges Braque a incorporar a dimensão do tempo à sua pintura, ilustrando pontos de vista simultâneos em uma única composição.
Em paisagens como A Montanha de Santa Vitória (1902-06), Cézanne explorou como a realidade é uma construção da mente e não dos olhos.
É uma abordagem que vai de encontro ao trabalho de cientistas do século 19, como o médico alemão Hermann von Helmholtz e o neurologista inglês W. J. Dodds. Ambos demonstraram que a visão não é simplesmente óptica, mas sim influenciada pelas nossas memórias, desejos e pelos sentidos do olfato, paladar e tato.
A profunda familiaridade de Cézanne com a paisagem em volta da Montanha de Santa Vitória – seu terreno irregular, mudanças anuais de coloração e diversas perspectivas da própria montanha, indicadas pelos seus vários contornos em azul – permeou sua forma de representação.
O feito de Cézanne, portanto, foi usar o ato de pintar para analisar a percepção humana com honestidade e curiosidade sem precedentes.
“Cézanne foi o precursor dos movimentos da arte modernista do século 20”, resume Natalia Sidlina. “Ele colocou questões no ponto central do que estava fazendo, ele colocou o processo à frente do resultado.”
Ao fazê-lo, ele se afastou da noção tradicional dos olhos como câmeras “passivas” e a substituiu por uma consideração mais sutil da percepção como falível, móvel, improvisada, temporal e sempre inerentemente incorporada. E, quanto mais descobrimos sobre a forma em que o olho interage com a consciência humana, mais a arte cética e investigativa de Cézanne faz sentido.
Talvez por isso, ele continua a ser uma figura tão envolvente na história da arte.
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