- André Biernath – @andre_biernath
- Da BBC News Brasil em Londres
Em cerca de 4,5 bilhões de anos de existência, o planeta Terra passou por pelo menos cinco grandes extinções em massa — e é bem provável que estejamos no sexto fenômeno do tipo justamente no período em que vivemos.
Esses momentos são caracterizados por um aumento na taxa de seres vivos que deixam de existir.
Para ter ideia, cerca de 98% dos organismos que habitaram o globo já não estão mais aqui.
Os cientistas estimam que a média “normal” de extinção é de 0,1 a 1 espécie por 10 mil espécies a cada 100 anos.
Porém, em pelo menos cinco ou seis episódios ao longo das eras, essa taxa acelerou além da conta: de acordo com o Museu de História Natural de Londres, no Reino Unido, “um evento de extinção em massa acontece quando as espécies desaparecem muito mais rápido do que são substituídas”.
“Isso geralmente ocorre se cerca de 75% das espécies do mundo são perdidas em um ‘curto’ período de tempo geológico — menos de 2,8 milhões de anos”, calcula a instituição.
O paleontólogo Mario Cozzuol, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cita outra característica fundamental desses acontecimentos: eles aconteceram de forma homogênea em todas as partes do mundo.
“Falamos de eventos em escala global, com uma grande extensão, num tempo geólogo relativamente próximo”, acrescenta.
Mas que eventos de extinção de massa são esses? E como os cientistas conseguem determinar que eles de fato ocorreram?
1. Ordoviciano-Siluriano, 440 milhões de anos atrás
Numa publicação disponível online, o Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) explica que, nessa era, o planeta vivia um momento de progresso.
“O número de espécies, principalmente de animais marinhos, estava em crescimento. Foi nessa época que surgiram também as primeiras plantas terrestres”, contextualiza o artigo.
Mas a bonança acabou com o desaparecimento de 85% das espécies, especialmente de pequenos seres marinhos invertebrados.
Entre as possíveis causas para a crise, os cientistas apontam a movimentação dos continentes em direção ao pólo sul, as quedas na temperatura, a formação de glaciares e a redução do nível dos mares (dos quais boa parte da vida dependia).
2. Devoniano, 370-360 milhões de anos atrás
Cerca de 75 milhões de anos depois, a Terra passou por uma nova hecatombe, que varreu do mapa entre 70 e 80% de todas as espécies.
À época, o mundo “era povoado por muitos peixes primitivos. Também surgiram os primeiros vertebrados terrestres com quatro membros e os insetos. As plantas, por sua vez, estavam cada vez mais altas”, descreve o Museu da Vida.
Ainda não há consenso sobre os motivos por trás dessa extinção em massa.
As evidências apontam para diversas alterações no ambiente, como aumento e redução intercalados da temperatura, elevação e baixa do nível dos oceanos e uma queda na concentração de oxigênio na atmosfera.
Alguns também especulam sobre possíveis impactos de meteoritos e cometas.
3. Permiano, 250 milhões de anos atrás
Eis o pior evento de todos: estima-se que mais de 95% dos seres foram extintos nesse período.
Conhecido como “A Grande Morte”, esse evento também está relacionado às mudanças no ambiente.
É possível que a movimentação dos continentes, as erupções vulcânicas, o aquecimento do clima e o aumento da acidez dos oceanos tenham representado o fim da linha para muitas espécies que habitavam o planeta.
“Alguns cientistas apontam que a Terra foi atingida por um grande asteroide, que encheu o ar de partículas de poeira, bloqueou a luz solar e provocou chuvas ácidas. Outros pensam que uma grande explosão vulcânica aumentou a quantidade de dióxido de carbono (CO2) e tornou os oceanos tóxicos”, detalha o Museu de História Natural de Londres.
4. Triássico, 200 milhões de anos atrás
Os estudos calculam que três quartos das espécies desapareceram nessa época, marcada pelo desenvolvimento dos pinheiros e outras plantas do grupo das gimnospermas, dos dinossauros e dos primeiros mamíferos.
A principal explicação para o fenômeno é a separação da Pangeia — o supercontinente que reunia praticamente toda a superfície terrestre do globo.
Essa atividade geológica colossal elevou a quantidade de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, deixou os oceanos mais ácidos e engatilhou a erupção de vários vulcões.
Com isso, a vida deixou de ser viável para muitas criaturas.
As mudanças, porém, representaram uma vantagem para aqueles que resistiram, como foi o caso de alguns dinossauros.
As espécies de répteis que não morreram acabaram encontrando um terreno fértil para prosperar pelos próximos milhões de anos, aponta o Museu Americano de História Natural.
5. Cretáceo, 65 milhões de anos atrás
Essa talvez seja a mais famosa de todas: ela representou a extinção da maioria dos dinossauros.
“A maior parte desse grupo foi dizimado. Só sobrou a linhagem das aves”, resume o biólogo geneticista Fabrício Rodrigues dos Santos, também professor da UFMG.
Estima-se que cerca de 80% das espécies sumiram nesse momento.
“Um dos argumentos mais aceitos para o fenômeno é a queda de um asteroide, cujo impacto tomou uma dimensão global”, complementa o pesquisador.
Muito provavelmente, esse asteroide atingiu a Península de Yucatán, território que atualmente pertence ao México.
“E é possível mapear as ondas de impacto até hoje, com evidências disso não apenas na região, mas em partes da África, das Américas e até da Ásia”, diz Santos.
É claro que o tal asteroide sozinho não acabou com todos os dinossauros do dia para a noite.
Acredita-se que ele tenha sido o gatilho para uma série de mudanças no ambiente — poeira, diminuição da luz solar, morte das plantas, redução de oxigênio, chuvas ácidas, atividade vulcânica — que acabou com esses répteis aos poucos, ao longo de um milhão de anos.
A ativação devastadora de um vulcão no que hoje conhecemos como Índia é um exemplo desses desdobramentos.
E quem sobreviveu à catástrofe? “Só bichos muito pequenos, que necessitavam de poucos recursos”, responde Santos.
“Embora tenham aparecido até antes, a diversidade de mamíferos ficou reprimida por causa dos dinossauros. Eles estavam restritos a determinados ambientes”, diz Cozzuol.
“Com o desaparecimento dos dinossauros, os mamíferos e as aves que sobreviveram se aproveitaram desse espaço ecológico novo para se diversificar. Então, a partir daí, sem o limitante que os dinossauros colocavam, eles puderam prosperar”, explica o paleontólogo.
Alguns especialistas entendem que o planeta passa atualmente pela sexta extinção em massa agora, no momento em que vivemos.
E, ao contrário dos cinco episódios anteriores, as causas não são as mudanças ambientais fortuitas ou a chegada de asteroides. Dessa vez, a culpa é da humanidade.
Lembra aquela taxa “normal” de extinção de espécies? Pois alguns cálculos apontam que ela está entre 100 e mil vezes mais acelerada desde o surgimento dos hominídeos.
As pesquisas apontam que a atividade humana está por trás disso — e tudo só tem piorado nos últimos séculos.
“Desde a Revolução Industrial, nós estamos aumentando a pressão sobre a natureza ao usar os recursos, sem pensar em como recuperá-los”, aponta o Museu de História Natural de Londres.
“Por exemplo, a mudança no uso da terra continua a destruir grandes porções de paisagens naturais. Os seres humanos já transformaram mais de 70% das superfícies terrestres e usam cerca de três quartos dos recursos de água doce”, continua o texto.
A atividade agropecuária é uma das principais fontes da degradação do solo, do desmatamento, da poluição e da perda de biodiversidade.
E isso, por sua vez, destrói o habitat de diversas espécies, que passam a competir pelos mesmos recursos, cada vez mais escassos.
“Não é exagero pensar que várias espécies que nem conhecemos ainda estão sendo extintas agora mesmo”, diz Cozzuol.
Para complementar, o lançamento de toneladas e mais toneladas de CO2 na atmosfera por meio dos combustíveis fósseis e de outras fontes aumenta a temperatura média do planeta e instiga secas, enchentes e outras catástrofes — o que inviabiliza a vida sob muitos aspectos.
“Se compararmos com o Cretáceo, os dinossauros declinaram ao longo de um milhão de anos. Agora, estamos vendo isso acontecer numa escala de tempo muito menor”, pontua Santos.
“Mesmo com tantas mudanças, o planeta vai continuar a existir. A maior preocupação é justamente saber o que vai acontecer com a nossa própria espécie”, complementa.
Cozzuol pondera que, apesar de o ritmo acelerado da extinção atual ser um consenso dentro da comunidade acadêmica, é difícil compará-lo ao de períodos anteriores.
Segundo o pesquisador, a grande dificuldade está na “resolução temporal”, ou na escala de tempo entre o passado e o presente.
“Tivemos algumas extinções de escala global que levaram até 5 milhões de anos. E o pleistoceno todo, que é o período em que a humanidade surgiu e se desenvolveu, compreende ao redor de 2 milhões de anos”, informa.
“Mas de fato passamos por um tempo em que a taxa de extinção está maior que a média normal. Só que é difícil comparar isso em termos de eras geológicas”, conclui.
Como os cientistas sabem disso tudo?
Para coletar essa montanha de informações, geólogos, paleontólogos e biólogos utilizam uma série de métodos para analisar formações rochosas e fósseis.
“Fazemos a datação desses indícios ao longo das eras e comparamos aspectos qualitativos. A partir daí, é possível ver quais espécies sobreviveram ou se extinguiram”, explica Santos.
Ou seja: se os especialistas viam fósseis de determinada espécie e, a partir de um certo período, esse material desaparece, isso representa um indicativo de que aquele ser vivo deixou de existir no planeta.
“Nessa linha do tempo, é possível ver que um número muito grande de espécies não passou para o outro lado, ou seja, não conseguiu transpor alguma dificuldade que apareceu no ambiente. E isso sugere uma extinção em massa”, resume Cozzuol.
“E o que determina a segmentação do tempo geológico em períodos são justamente as extinções. Todos os grandes períodos, como o Paleozoico, o Mesozoico e o Cenozoico, foram marcados por esses fenômenos massivos”, complementa.
Uma extinção ancestral?
Nas últimas semanas, uma equipe de pesquisadores americanos descreveu a possível ocorrência de uma sétima extinção em massa — ou primeira, a depender do ponto de vista.
De acordo com a pesquisa, conduzida na Universidade da Califórnia em Riverside e na Virginia Tech, ambas nos Estados Unidos, esse fenômeno de desaparecimento das espécies teria acontecido há 550 milhões de anos, durante o período Ediacarano.
Calcula-se que 80% dos seres vivos tenham sumido do mapa.
“Os registros geológicos indicam que os oceanos perderam muito oxigênio durante aquele período, e as poucas espécies que sobreviveram tinham organismos adaptados aos ambientes com baixa oxigenação”, conta o paleoecólogo Chenyi Tu, um dos coautores do artigo, em comunicado à imprensa.
Entre as criaturas ancestrais do Ediacarano que acabaram extintas estão o Obamus coronatus, que tinha um formato de disco, e o Attenborites janeae, que lembra um ovo — os nomes deles fazem homenagens ao ex-presidente americano Barack Obama e ao naturalista inglês David Attenborough, respectivamente.
Embora as descobertas sejam interessantes e curiosas, os especialistas consultados pela BBC News Brasil entendem que essa extinção em massa ancestral ainda carece de mais evidências para ser considerada do mesmo nível das outras cinco.
“Ainda não há consenso sobre essa extinção do Ediacarano e precisamos de mais informação antes de equipará-la às demais”, avalia Santos.
Na visão do biólogo, a grande dificuldade em analisar eras tão antigas está na dificuldade em encontrar fósseis e outros registros geológicos.
“Falamos de seres que não fossilizam, o que dificulta a obtenção de um ‘extrato’ desse período”, conclui.
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