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“Se eu não sair e protestar, quem vai?”

Estas foram as últimas palavras de Minoo Majidi para sua família antes de morrer.

Minoo tinha 62 anos quando foi baleada pelas forças de segurança nas ruas de Kermanshah, no oeste do Irã. Segundo sua filha, ela foi atingida por 167 projéteis. E morreu a caminho do hospital.

Após a morte de Minoo, Roya Piraei postou uma foto tirada ao lado do túmulo da mãe no Instagram. Com a cabeça raspada, ela segurava o próprio cabelo em sinal de luto e desafio. Rapidamente se tornou viral.

A mãe de Roya é uma das centenas de iranianos em todo o país que foram mortos enquanto protestavam contra a morte de Mahsa Amini sob custódia da polícia da moralidade em Teerã.

Crédito, Família de Minoo Majidi

Legenda da foto,

Minoo Majidi morreu após ser baleada pelas forças de segurança do Irã

A jovem curda de 22 anos foi detida por supostamente não cumprir o rígido código de vestimenta, que exige que as mulheres cubram a cabeça e usem hijab.

Autoridades do Estado reconheceram que mais de 300 pessoas morreram durante os protestos, mas esse número inclui integrantes das forças de segurança e pessoas pró-governo.

De acordo com a ONG Iran Human Rights, até 29 de novembro, pelo menos 448 pessoas foram mortas pelas forças de segurança, incluindo 29 mulheres e 60 crianças.

A organização acredita que o número real de pessoas mortas é “certamente maior”, já que eles só incluem casos que conseguiram verificar e receberam um grande volume de relatos de mortes, que continuam investigando.

Identificando os mortos

Usando técnicas forenses minuciosas, as equipes da BBC conseguiram verificar as identidades de mais de 75 dos mortos.

Ao pesquisar em registros oficiais, sites e redes sociais, encontramos certidões de óbito, imagens de funerais e fotos terríveis dos falecidos. Também conversamos com parentes, ativistas e grupos de direitos humanos para confirmar e cruzar as informações que encontramos.

Nossa pesquisa confirmou que muitos dos mortos são mulheres — e que um grande número é proveniente de grupos minoritários étnicos marginalizados. Os mortos incluem crianças a partir de sete anos.

Também identificamos que algumas pessoas mortas foram apanhadas na violência mais ampla e nos distúrbios em torno dos protestos, em vez de estarem diretamente envolvidas nas manifestações em si.

Maioria das mortes é de comunidades minoritárias

“Acredito que o que está acontecendo no Irã não é mais um protesto. Começou como um protesto, mas uma revolução está tomando forma”, diz Roya.

Roya é de uma comunidade curda. Nossa pesquisa mostrou que as áreas curdas, assim como as regiões que abrigam outras minorias étnicas — como os baluqui, na província do Sistão-Baluquistão, no sudeste — registraram a maior proporção de mortes.

Dos nomes que verificamos, 32 eram de regiões curdas, enquanto 20 eram da província do Sistão-Baluquistão.

Sistão-Baluquistão é uma das províncias mais pobres do Irã e uma das mais conservadoras. A maioria do povo baluqui pertence à minoria sunita do Irã. De acordo com grupos de direitos humanos, eles enfrentam discriminação com base tanto na religião quanto na etnia.

Apesar do seu conservadorismo, nas últimas semanas as mulheres se juntaram a protestos na capital da província, Zahedan. Em vídeos online, mulheres usando xador — véu que cobre o corpo inteiro — podem ser vistas cantando: “Seja com ou sem hijab, avante para a revolução”.

Hasti Narouei, de 7 anos, também era da comunidade baluqui. Esta foto mostra ela usando um vestido tradicional baluqui.

Em 30 de setembro, ela estava em Zahedan com a avó para as orações de sexta-feira. Vídeos do dia publicados nas redes sociais mostram as forças de segurança reagindo a um protesto atirando contra a multidão.

De acordo com ativistas locais, Hasti foi atingida na cabeça por uma bomba de gás lacrimogêneo. Ela sufocou.

Ela era a única filha mulher dos pais. Tinha dois irmãos — e faltava apenas uma semana para seu primeiro dia de aula na escola.

A Anistia Internacional diz que pelo menos 66 pessoas foram mortas no dia em que Hasti morreu, incluindo 10 crianças que pertenciam à minoria baluqui. Foi o dia mais mortal registrado desde o início dos protestos — os ativistas chamam de “sexta-feira sangrenta”.

Desafios da checagem

Legenda da foto,

Algumas das vítimas na província do Sistão-Baluquistão

Para as equipes da BBC, descobrir as identidades dos mortos na província do Sistão-Baluquistão tinha outra camada de complexidade.

Como é uma das províncias mais conservadoras do Irã, as pessoas normalmente não estão online — não havendo então quase nenhuma postagem regular nas redes sociais que permitisse que as identidades de outras pessoas que morreram fossem compartilhadas.

A família de Hasti, por exemplo, não falou publicamente sobre a filha, a não ser na mídia estatal, rigorosamente controlada.

A província também possui uma infraestrutura fraca de internet, com poucos moradores capazes de acessar ou contar com conexões domésticas de banda larga.

Das 20 pessoas que a BBC identificou como mortas na província do Sistão-Baluquistão, muitas pareciam não ter nenhum perfil de rede social ou outra presença online. Suas fotos post-mortem foram o único registro visual de suas identidades que conseguimos encontrar.

O papel das redes sociais

Em outras partes do país, em áreas com maior uso da internet, as redes sociais permitiram que as mortes recebessem mais atenção.

Fereshteh Ahmadi, de 32 anos, de Mahabad, na província do Azerbaijão Ocidental, foi uma das três mulheres curdas que identificamos.

Em 26 de outubro, protestos foram realizados em todo o país para marcar o 40º dia de luto por Mahsa Amini.

Fereshteh morreu depois que as forças do governo supostamente atiraram em seu peito, enquanto ela estava no telhado de casa. O governo nega.

As autoridades de inteligência convocaram sua família para interrogatório.

A foto de uma garotinha presente no funeral — que acredita-se ser a filha de Fereshteh, Bawan —, chorando enquanto segurava um punhado de terra do túmulo da mãe, foi amplamente compartilhada em plataformas de rede social e visualizada milhões de vezes.

Somente no Instagram do serviço de notícias persa da BBC, a imagem foi vista por mais de 2,5 milhões de pessoas e recebeu mais de 198 mil curtidas.

Os manifestantes na cidade de Mashad, no nordeste do país, começaram até a usar sua imagem em outdoors para destacar a situação de outras crianças que perderam seus pais.

Sem chance de viver o luto

Por trás dos números e imagens, estão famílias em choque e de luto. Em muitos casos, incapazes de se manifestar por medo de retaliação.

Agora em segurança fora do Irã, Roya se lembra da mãe, Minoo. Ela recorda do seu entusiasmo pela vida, da sua calma e paciência infinitas.

“Ela era esportista e adorava andar a cavalo. Era até treinadora de pingue-pongue!”, afirma.

“Mas eu simplesmente sinto que não tive a chance de viver o luto pela morte dela. Foi tão antinatural.”

“A única coisa que espero agora é que o Irã seja livre um dia. Que aqueles que foram mortos injustamente não tenham morrido em vão. O povo iraniano merece ter uma vida normal.”

Metodologia

O mapa que mostra os protestos em todo o Irã foi criado usando dados confirmados pelo Projeto de Ameaças Críticas (CTP, na sigla em inglês).

O projeto atribui um nível de confiança (alto, moderado ou baixo) ao divulgar sua avaliação da probabilidade de o protesto ter ocorrido em um dia específico e em um local específico.

A BBC usou protestos confirmados do conjunto de dados alto e moderado.

O CTP usa imagens e vídeos de rede social e relatórios da imprensa estatal iraniana para avaliar a data, local e tamanho dos protestos. O CTP, que monitora os protestos desde 2017, definiu em 12 o número mínimo de indivíduos reunidos para reportar.

Uma investigação da BBC em outubro identificou um total de 45 homens, mulheres e crianças que morreram nos protestos no Irã.

Na ocasião, os jornalistas usaram as mesmas técnicas que usamos aqui, começando com uma pesquisa em fontes abertas e, na sequência, entrando em contato com fontes, grupos de direitos humanos, parentes, ativistas e o serviço persa da BBC para coletar e cruzar dados.

Imagens post-mortem ou vídeos dos funerais também foram obtidos em quase todos os casos.

As imagens foram provenientes de redes sociais, de organizações de direitos humanos ou da imprensa local.

Reportagem — Lara Owen, Firouzeh Akbarian e Khosro Kalbasi Isfahani.

Verificação — Firouzeh Akbarian, Khosro Kalbasi Isfahani, Soroush Pakzad e Nooshin.

Produção e Jornalismo Visual — Leoni Robertson e Raees Hussain.

Editado por Rebecca Skippage.