• Lauren Moss e Josh Parry
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O Catar é um dos mais de 60 países onde é ilegal ser gay

A polêmica em torno da Copa do Mundo no Catar tem como um dos principais focos os direitos da comunidade LGBT e a criminalização das relações entre pessoas do mesmo sexo. Transgêneros do Catar podem ser detidos por “violar a moral pública”, sem necessidade de acusação formal ou julgamento. A BBC conversou com duas mulheres trans sobre suas vidas no país árabe.

“Estou com muito medo, mas só quero que as pessoas saibam que existimos”, diz Shahd. Como a outra pessoa que aparece nesta reportagem, os nomes foram trocados para proteger suas identidades.

Nós nos comunicamos com Shahd por meio de um aplicativo criptografado para garantir sua segurança. Ela sai de casa para fazer uma videochamada em um quarto escuro onde nada pode ser identificado.

Shahd nos mostra seu cabelo, que foi cortado à força para dar uma aparência masculina, mas não revela por quem.

Ela então desabotoa a camisa para nos mostrar as feridas na parte superior do peito, explicando que as feridas são o resultado de ter sido presa por “se passar por uma mulher”.

As autoridades disseram que o tecido mamário que se formou em seu corpo deve ser removido. Ela começou a tomar estrogênio conseguido sem receita em outro país.

“Perdi meu emprego e meus amigos”, conta. “Fui detida e interrogada várias vezes sobre a minha identidade. Perdi tudo.”

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Shad diz que foi presa por “imitar uma mulher” ao carregar maquiagem

O Catar é um dos mais de 60 países onde é ilegal ser gay. No Catar, atos homossexuais são contra a lei porque são considerados imorais sob a lei islâmica.

As punições incluem multas, penas de prisão de até sete anos e até morte por apedrejamento, embora não haja registro que isso tenha ocorrido.

Medo da prisão

A polícia pode deter uma pessoa por até seis meses sob suspeita de violar as leis de “proteção da comunidade”, sem julgamento ou acusação, se há a suspeita de que “a moral pública” foi violada.

Shahd diz que está constantemente com medo de ser presa.

Um relatório recente da ONG Human Rights Watch detalhou as prisões de pessoas LGBT no Catar. A organização descobriu que várias pessoas trans estavam entre elas por causa de roupas, cabelos ou maquiagem.

Shahd evita lugares mais concorridos nos horários de pico porque acha que as pessoas podem notá-la e denunciá-la à polícia.

Ela diz que foi presa por “imitar uma mulher” ao carregar maquiagem e descreve o departamento de segurança preventiva do governo — uma divisão de aplicação da lei do Catar — como uma “gangue criminosa”.

“Eles capturam você e impedem de dizer a qualquer um onde você está. A prisão é subterrânea e você é tratada como criminosa”, conta.

“Eles algemam você”, detalha Shahd, que acrescenta com uma risada seca: “É para proteger a sociedade de nós”.

Não foi possível verificar de forma independente o relato de Shahd sobre sua detenção, porque ela não recebeu nenhum registro oficial dela.

Crédito, BBC/Gemma Laister

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Lauren Moss, repórter da BBC, usou serviços de mensagem encriptados para falar com mulheres trans do Catar — onde ser gay é ilegal

Terapia de conversão

Shahd diz que qualquer um que tenha estado na prisão por motivos semelhantes aos dela é encaminhado a um médico para a chamada “terapia de conversão”.

Ela nos mostra imagens de folhetos médicos para sessões em um centro de terapia em Doha.

Um funcionário do governo do Catar negou que o governo opere ou autorize quaisquer “centros de conversão”.

“Eles me disseram que eu poderia ir para o inferno por isso, mas acredito que Deus me criou como eu sou”, diz ela.

“Eu sou uma mulher. Se eu pudesse ser um homem, eu seria. Minha vida seria muito mais fácil.”

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A ONG Human Rights Watch publicou um relatório sobre o tratamento da população LGBT

Pedido de asilo na Europa

As coisas ficaram tão difíceis para Sara, outra mulher transgênero, que ela fugiu do Catar e agora está pedindo asilo na Europa.

Sara conta como deixou tudo para trás, levando apenas uma sacola com pertences e pouco dinheiro.

“Naquele ponto ou me matava ou saía. Decidi sair”, explica.

Sara diz que também foi forçada a fazer terapia de conversão várias vezes em seu país. Mas não acha que os apelos para boicotar a Copa do Mundo por causa das leis do Catar sobre homossexualidade são produtivos.

“Muitos outros países também têm essas leis, mas as pessoas estão condenando apenas o Catar e dizendo que o Catar não deveria sediar a Copa”, diz ele.

O diretor-geral da Fifa (Federação Internacional de Futebol) pediu que a atenção fosse voltada para a competição e que a política fosse deixada de lado. No entanto, várias organizações fazem campanha para que nenhum outro país com leis anti-LGBT possa sediar a Copa do Mundo no futuro.

O Catar rejeitou “categoricamente” as alegações de Shahd e Sara.

Um funcionário do governo reiterou a mensagem frequentemente repetida de que “todos são bem-vindos” na Copa do Mundo, dizendo que torcedores “de todas as esferas da vida se reúnem no Catar para construir pontes de amizade e derrubar barreiras de mal-entendidos”.

O responsável afirmou que o Catar “não tolera discriminação contra ninguém” e que está entre os países mais seguros do mundo.