“Se o Catar é uma bolha dentro do mundo, A Pérola é uma espécie de bolha dentro do Catar.”
A frase é da britânica Siobhan Tulley, moradora da ilha artificial cheia de ostentação que o Catar construiu para imigrantes ricos.
As ruas de A Pérola não parecem estar no Golfo Pérsico: suas construções imitam os prédios da Europa mediterrânea. Mas são todas novas em folha, já que a ilha foi construída em 2006, e misturam estilos de diferentes países, quase como um parque temático.
Existem praças e canais de estilo espanhol e edifícios venezianos. As rotatórias, enfeitadas por fontes, são passarelas onde desfilam carros esportivos que valem centenas de milhares de dólares. Baías da ilha são circuladas por enormes prédios de mais de 20 andares, com piscinas e até praias particulares. Na marina Porto Arábia, há edifícios que imitam o estilo de construção árabe.
Várias nacionalidades, muito mais de aparência ocidental do que o resto do país, se divertem em cafés nas calçadas e em bistrôs à noite.
Aqui estão cenas não tão comuns em outros bairros de Doha, como o grupo de garotas sauditas que entram em um restaurante libanês cobertas e depois de alguns minutos descobrem o cabelo inteiro. Na marina, as mulheres andam com decotes baixos, ombros descobertos e saias curtas. A ilha também tem a maior concentração do país de hotéis e bares que servem álcool.
4 milhões de m² recuperados do mar
A Pérola é o principal projeto da United Development Company, a principal construtora pública do Catar. A ilha foi feita artificialmente e cerca de 4 milhões de m² foram “tomados” do mar.
Ela foi o primeiro projeto urbano que permitiu que imigrantes comprassem imóveis no Catar. Atualmente a ilha tem 25 mil unidades residenciais e 33 mil habitantes.
Um apartamento de um cômodo, estilo, “estúdio” pode custar US$ 300 mil (R$ 1,6 milhões) e uma casa de cinco cômodos com vista para o mar ultrapassa os US$ 12 milhões.
Quinze milhões de turistas visitam anualmente este espaço que abriga restaurantes, hotéis de luxo — um deles hospeda a seleção dos Estados Unidos — shoppings, bares, cinemas e outros estabelecimentos de lazer.
Oásis para migrantes ricos
Siobhan e Ian Tulley são um casal britânico que mora no Catar há sete anos, sendo seis e meio em A Pérola. Ela é inglesa, ele é escocês.
Ambos trabalham para o setor de saúde e moram em um prédio no Viva Bahriya, um conjunto de 30 torres altas dispostas em semicírculo ao redor da praia.
“Quando chegamos aqui, quase não havia serviços por perto, mas em pouco tempo já está cheio de restaurantes, cafés e comércio. É muito gostoso caminhar e não precisar dirigir tanto”, diz Siobhan.
Doha é uma cidade moderna atravessada por avenidas gigantes com várias pistas. Exceto por algumas ruas, praças e vários centros comerciais, não é pensada para pedestres e é difícil encontrar sombra e parques. As altas temperaturas na maior parte do ano também não facilitam a caminhada.
A Pérola, ‘inspirada’ nas cidades mediterrâneas, é muito mais amigável para caminhadas.
“Nós íamos ficar aqui por três anos, mas já estamos há sete. Estamos muito felizes e me sinto muito segura”, diz Siobhan.
O Catar é um país muito seguro em geral. Mas moradores do país contam à BBC Mundo que alguns comportamentos ocidentais, como a forma de se vestir, têm causado alguns problemas com catarianos conservadores. Algo que é mais difícil de acontecer na ilha.
Os Tulley desfrutam dos benefícios do setor público catariano, que cobre parte dos custos de aluguel do casal. Além disso, Ian tem cerca de 90 dias de férias pagas por ano.
Inicialmente, A Pérola era o lar principalmente da comunidade de imigrantes ricos, muitos de países ocidentais. “Mas cada vez mais catarianos estão chegando. Há propriedades aqui que pertencem à família real”, diz Ian, mostrando a foto gigante do emir Tamim bin Hamad al Thani em um arranha-céu.
Ruas venezianas, ilhotas particulares…
“É como uma Veneza sem gôndolas”, descreve o venezuelano Gustavo Jaramillo no Qanat Quartier, bairro que imita a famosa cidade italiana.
O engenheiro mora em A Pérola com sua parceira venezuelana Sabrina Masciovecchio em uma torre alta com piscina e acesso direto à praia.
“Com a situação atual da Venezuela, quase qualquer lugar é melhor, mas morar em Doha e na Pérola é outro nível”, diz Masciovecchio à BBC Mundo.
O casal mostra a ilha para a BBC Mundo durante um passeio de carro.
“Cuidado ao filmar aqui porque é restrito”, alerta Jaramillo ao passar por Isola Dana, um dos projetos imobiliários mais recentes onde os compradores podem comprar ilhotas particulares e construir suas mansões.
Jaramillo trabalha no setor de energia e tem benefícios para pagar aluguel, transporte e telefone. Ele gasta cerca de 25% de seu salário mensal. O que sobra, quase isento de impostos, ele economiza.
Enquanto ele continua a falar sobre as vantagens de viver neste país e nesta ilha, passamos em frente a um grande edifício quadrado que lembra um palácio renascentista.
“É uma espécie de super central de ar condicionado. Aqui é processada a água gelada que circula por tubulações por toda A Pérola e cada prédio tem seu sistema de distribuição dessa água gelada”, diz Jaramillo.
“O serviço é pago à parte para a Qatar Cool, empresa que o administra. Não entra nos gastos de energia elétrica”, explica.
Além de Isola Dana e do bairro veneziano, a ilha também inclui distritos com arranha-céus de escritórios, marinas esportivas, torres residenciais e bairros paisagísticos com mansões.
“A bolha dentro da bolha”
Quando Siobhan Tulley diz que A Pérola “é uma bolha dentro da bolha”, ela fala sobre problemas que assolam o mundo – como a pandemia e a guerra na Ucrânia – e como eles atingem pouco a ilha.
A referência a essas bolhas no Catar, onde mulheres ocidentais podem usar biquínis na praia, frequentemente surge em conversas com moradores e jornalistas.
Para migrantes pobres, no entanto, a situação é diferente. Nos arredores de Doha, a Labor City recebe trabalhadores migrantes do Sudeste Asiático e da África Oriental. O acesso ao local é restrito e vigiado pelo governo, e os relatos que existem não pintam uma situação agradável.
Críticos afirmam que isso é uma das autoridades de manter os trabalhadores excluídos e escondidos, algo que o Catar nega, dizendo que é para garantir sua segurança.
“No nosso caso, apesar de nos darmos bem com todo mundo, nosso ambiente é latino e espanhol. Não convivemos muito com catarianos ou árabes locais”, explica Jaramillo.
Jaramillo e Masciovecchio também mencionam a falta de hospitais e escolas, o que é complicado, considerando que a ilha tem apenas um acesso e o trânsito é frequentemente congestionado.
No momento há um grande hospital em construção – assim como uma série de outros empreendimentos.
“A pior coisa aqui é a perfuração constante. Há construções acontecendo o tempo todo. Você vê aquele prédio quase pronto? Eles começaram no final de setembro”, diz Siobhan.
* Com informações de José Carlos Cueto, enviado da BBC News Mundo ao Catar
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