Você está andando por um corredor escuro de uma nave espacial abandonada. Ao fundo, ecoa um rosnado. De repente, um vidro se estilhaça à sua esquerda e um monstro grotesco cai sobre você. As mãos dele arranham seu rosto.
Bem-vindo ao The Callisto Protocol, o lançamento que promete fazer aquilo que muitos tentaram desde os primórdios dos videogames: assustar e chocar os jogadores.
O avanço da tecnologia permitiu que os criadores desenvolvessem uma das experiências de jogo mais macabras já vistas – e eles não se arrependem.
A obra foi banida no Japão porque sua equipe de criação não aceitou alterar o conteúdo para que ele se encaixasse nos regulamentos de classificação local — o que exigiria que as cenas fossem modificadas e atenuadas.
Falando à BBC, o diretor criativo, Chris Stone, diz que, “sem dúvida”, é “absolutamente válido” colocar cenas sangrentas na tela.
Considerando que algumas experiências de terror dependem da imaginação do jogador para funcionar, Stone e sua equipe também aproveitaram para explorar a potência dos gráficos dos consoles mais recentes para mostrar, em detalhes, o que acontece com os personagens do jogo quando eles encontram um fim repentino e sangrento.
Ele argumenta que os fãs de jogos de terror “gostam dessa adrenalina”.
“É a mesma razão pela qual as pessoas saltam de paraquedas ou de bungee jump“, completa.
“Sob uma perspectiva mais mórbida, acho que é a mesma razão pela qual as pessoas dirigem devagar quando passam perto de um acidente de carro. Elas gostam de ver as coisas à distância, é um tabu do qual querem fazer parte.”
Para Louise Blaine, especialista em terror e apresentadora do programa Sound of Gaming da BBC Radio 3, no Reino Unido, “é um verdadeiro prazer ficar chocado com sangue”, se isso for “justificado” dentro da história que está sendo contada pelo jogo.
Callisto Protocol é o mais recente de uma longa linha de títulos, como Resident Evil e Silent Hill, que usaram medo e muito sangue para entreter o público.
“Os jogos são capazes de contar histórias cada vez mais inteligentes. E eles podem ser tão sangrentos quanto quiserem para cumprir esse trabalho”, avalia Blaine.
“Sentir um momento de horror e depois rir da sensação que isso deu é uma parte vital da experiência de terror. Precisamos passar por algo – caso contrário, qual é o sentido?”, questiona.
Como o cinema e a televisão, os jogos ocasionalmente incomodam alguns que acham desnecessário exibir conteúdos explícitos nas telas.
O mundo dos games tem cada vez mais se afastado dessas discussões, assim como o cinema e a televisão. Mas lançamentos como esse são uma oportunidade para alguns voltarem a questionar a validade de conteúdos explícitos e violentos.
Blaine acha frustrante que o gênero de terror seja tratado dessa maneira. “Esse debate aparece toda vez que alguém se atreve a fazer algo um pouco diferente, ou tenta empurrar o gênero para uma nova direção”, opina.
“Desde que Callisto Protocol possa justificar todo o sangue, mesmo que seja pelo terror cômico, eu não posso acreditar que o jogo cause tanta indignação ou desperte algo sombrio. Acho que nos encharcar com sangue de monstros alienígenas só pode ser uma boa coisa.”
“E a verdade é que, se você não gosta de videogames de terror, ninguém está obrigando você a jogá-los. Desde que seja direcionado para o público certo, as pessoas podem assistir e experimentar o que quiserem.”
Em boa parte do mundo, Callisto Protocol é um jogo classificado para maiores de 18 anos.
Mas há uma diferença fundamental entre os jogos de terror e seus congêneres no cinema ou na televisão.
Nos videogames, o jogador está no controle da história e tem a responsabilidade de criar o resultado. Nesse caso, o consumidor não é passivo e escolhe ativamente abrir uma porta misteriosa ou caminhar por um corredor assustador, tornando a experiência mais pessoal e os sustos, mais intensos.
Stone diz que o uso do medo e da violência é projetado para recompensar pelas mortes no jogo.
“A imaginação do jogador sempre criará tensão, e há muito disso em nosso jogo. As cenas de morte validam essa imaginação”, diz o diretor criativo do projeto.
Morrer é parte integrante da mecânica de muitos videogames, seja durante uma missão de guerra em Call of Duty ou quando Mario não consegue pular em uma plataforma suspensa no ar. Nesse contexto, a morte costuma ser um evento para aprender a evitar uma nova falha no jogo e a superar um desafio.
Stone argumenta que, embora possa ser “mórbido”, os momentos mais horríveis de Callisto Protocol são “quase uma recompensa por morrer no jogo”.
“Existem muitos jogos em que você morre repetidamente da mesma maneira. Com isso, você fica cansado e desliga o aparelho.”
“Não é isso que queremos. Desejamos que o jogador ache a experiência dolorosamente recompensadora — dessa forma eles vão querer fazer tudo de novo e ver o que acontece a seguir. Nos esforçamos muito para criar todos esses momentos de terror.”
A atriz Karen Fukuhara interpreta Dani Nakamura, uma personagem central que lidera um grupo de resistência numa prisão.
Ela está acostumada a atuar em projetos com muito sangue, já que também interpreta uma das principais personagens da série The Boys, da Amazon Prime.
Fukuhara entende que as experiências de terror são populares porque “as pessoas adoram perder o controle”, especialmente se “estiverem em um ambiente confortável”.
“Existe uma espontaneidade que vem com o horror, porque existem esses sustos e o aumento da tensão — especialmente em nosso jogo, que é tão brutal. Obviamente, essas não são coisas que você encontra na vida cotidiana. Ser capaz de fazer isso em um jogo, e ter esse tipo de experiência em um lugar seguro, é o que atrai as pessoas para o gênero”, diz.
“Adoro fazer projetos como este, o que é engraçado, porque sempre que vejo outros programas com tanto sangue fico assustada! Sempre penso: ‘Ah não, por que eles mostraram isso?!'”
“Mas sempre que confiro o resultado dos projetos dos quais participo ou quando estou trabalhando nas cenas, sinto uma espécie de conforto. É divertido estar no set de filmagens para trabalhar nessas cenas malucas que vão deixar as pessoas desconfortáveis”, conclui.
The Callisto Protocol foi feito por alguns dos cérebros por trás da série de videogame Dead Space e é visto como uma espécie de sucessor da franquia.
Seja você um fã de terror ou não, uma coisa é certa: o novo jogo não foi feito para os corações mais sensíveis.
Você precisa fazer login para comentar.