- Bruna Alves
- De São Paulo para BBC News Brasil
Pesquisa divulgada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que a taxa de participação feminina na força de trabalho já era de 54,5%. Isso indica, em parte, que as mulheres almejam alçar voos cada vez mais altos quando o assunto é carreira profissional. No entanto, o relógio biológico não espera e, depois da menopausa, elas nem sempre conseguem engravidar sem ajuda da ciência.
Isso ocorre porque, ao contrário do homem, que produz espermatozoides a vida inteira, a mulher não produz óvulos para sempre, conforme explica Renato Fraietta, professor adjunto livre-docente, vice-chefe da disciplina de Urologia e coordenador do Setor Integrado de Reprodução Humana da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“A cada ciclo menstrual, centenas de óvulos são preparados, só que ela ovula um só, e o restante morre. Chamamos isso de morte celular programada, que ocorre até ela entrar na menopausa. E o que acontece é que esse estoque não é renovado a cada ovulação, então, ela só vai perdendo”, resume Fraietta.
O especialista cita que, biologicamente, a mulher está no auge da fertilidade, isto é, com uma enorme reserva ovariana, dos 18 até os 28 anos de idade, em média. Entre os 32 e 35, ela ainda tem um bom potencial para engravidar, mas, a partir dessa idade, até os 37 anos, existe uma queda acentuada da quantidade e da qualidade dos óvulos.
“Até os 35, ela ainda tem entre 17 e 20% de chance de gestação por ciclo menstrual. Mas entre esses 35 até os 40 anos, a taxa cai para apenas 5% de chance de ela conseguir engravidar sem intervenção”, afirma o coordenador do Setor Integrado de Reprodução Humana da Universidade Federal de São Paulo.
Já após os 45 anos, as chances de uma gestação natural giram em torno de menos de 1% e a partir dos 50 é considerada extremamente rara. Nesse sentido, vale lembrar que mulheres com mais de 40 anos têm gestações de alto risco.
“São de risco pela maior propensão a abortos, diabetes gestacional, pré-eclâmpsia, restrição de crescimento do bebê, trabalho de parto prematuro, entre outros”, alerta a especialista em reprodução humana Mychelle Garcia, ginecologista e obstetra da Maternidade Escola Januário Cicco, vinculada à rede Ebserh, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (MEJC/UFRN).
Por outro lado, Garcia, que também é coordenadora do Centro de Reprodução Assistida da Maternidade— diz que é possível diminuir esses riscos durante a gestação. “O primeiro passo é estar com a saúde em dia antes de engravidar: peso normal, praticar atividade física, caso tenha doenças crônicas que estas estejam controladas e manter todos os cuidados solicitados durante o pré-natal”, ressalta.
E, caso haja dificuldade, a mulher pode recorrer a alguns métodos para conseguir a tão sonhada gestação. Veja, a seguir, quais são e como eles funcionam:
Inseminação intrauterina
Essa é a técnica mais antiga. Nesse caso, a mulher toma medicamentos (injetáveis ou orais) para estimular a ovulação e depois passa por um acompanhamento do seu ciclo menstrual através de exames de ultrassonografia, portanto, a inseminação só pode ser feita enquanto ela ainda menstrua.
O próximo passo é a coleta do sêmen (através de masturbação). Em seguida, é selecionado e preparado os melhores espermatozoides, que são transferidos diretamente para o interior do útero da mulher no dia da sua ovulação.
“Não devemos chamá-la de artificial, porque não tem nada de artificial. As pessoas chamam assim talvez porque não é o ciclo natural da mulher, mas o DNA é do casal. Será o filho do casal e uma gestação como qualquer outra”, orienta Fraietta.
Esse é um procedimento ambulatorial que não precisa de anestesia e nem de repouso. De acordo com os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a taxa de sucesso fica entre 10 e 25% por tentativa.
Contudo, não é indicado fazer mais de três tentativas de inseminação, especialmente, pelo custo-benefício. Em média, a inseminação intrauterina custa entre R$ 5 e 10 mil, dependendo da clínica. Sem sucesso, a orientação médica é partir para a fertilização in vitro.
O principal efeito colateral da inseminação intrauterina é o inchaço, devido aos medicamentos hormonais em doses altas que retêm líquidos. Dor de cabeça também costuma ser comum, e ambos podem gerar desconforto, mas já existem protocolos bem estabelecidos e esses sintomas tendem a ser passageiros. Logo, os riscos desse procedimento, em geral, são mínimos.
Esse é considerado o tratamento mais eficaz, principalmente, se a mulher fez o congelamento dos óvulos antes dos 35 anos. Mas vale ressaltar que uma gestação não é recomendada a partir dos 50 anos.
A fertilização não coloca o sêmen no útero da mulher. Nesse método, a mulher recebe uma carga bem maior de medicamentos hormonais e o especialista, com anestesia, aspira (tira) os seus óvulos e os fertiliza com os espermatozoides do parceiro no laboratório que, por sua vez, vai propiciar o desenvolvimento do embrião— unindo óvulo e espermatozoide.
Após a formação, os embriões são implantados na mulher, que pode grudar ou não. Segundo Fraietta, as chances de dar certo depende da idade:
- Mulheres até 35 anos tem entre 50 e 60% de chance de gestação por tentativa;
- 36 a 39 anos fica ao redor de 30 e 40%;
- 40 anos, 20%;
- 42 anos fica entre 8 e 10%;
- 43 anos, 5%;
- De 44 em diante, 1% até 0 de dar certo.
A fertilização in vitro tem algumas variantes. Por exemplo, ao contrário da intrauterina, mesmo após a menopausa, é possível realizá-la, pois a mulher pode receber óvulos de uma doadora anônima, cujo procedimento chama-se “óvulo de doadora”.
Tudo é feito de forma anônima — a doadora não saberá a identidade da receptora e vice-versa. Os óvulos da doadora são preparados e recolhidos para que sejam fecundados com o sêmen do parceiro da receptora em laboratório.
Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada em 2021, também passou a permitir a doação de óvulos e espermatozoides entre parentes de até 4º grau para procedimentos de fertilização in vitro.
“Mulher que não tem útero também pode usar o de uma parente “emprestado” de até 4º grau para apenas gestar a criança”, acrescenta o coordenador do Setor Integrado de Reprodução Humana da Universidade Federal de São Paulo, lembrando que as escolhas dependem, individualmente, de cada caso.
Todos esses procedimentos, portanto, têm respaldo na lei. “O filho é da mulher que solicitou e fez o procedimento. O DNA pode ser do doador, mas o filho é afetivamente e legalmente dela”, esclarece Fraietta.
Embora esse procedimento seja considerado o carro chefe para o sucesso de muitas gestações, há um entrave: o preço. Estima-se que uma fertilização in vitro em clínicas particulares oscile entre R$ 20 mil e 50 mil, por tentativa.
“Quando uma paciente vai fazer uma fertilização in vitro, ela vai gastar entre R$ 4 mil a 6 mil só de medicações, incluso no valor final”, estima Caio Parente Barbosa, ginecologista e obstetra do Instituto Ideia Fértil de Saúde Reprodutiva e pró-reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC).
Já os efeitos colaterais são semelhantes aos da inseminação intrauterina. E ambos os métodos aumentam o risco de gestação gemelar.
Sexo programado
Esse é outro método em que a mulher recebe medicamentos para estimular a produção de óvulos e, após um período, o casal é orientado sobre os melhores dias para a relação sexual.
No entanto, os especialistas dizem que esse procedimento costuma funcionar com mulheres mais jovens, já que as chances de gravidez naturalmente aos 40 anos são mínimas.
“E o tempo vai passando e a situação ficando cada vez mais difícil, por isso, nessa idade a indicação é de fazer a fertilização in vitro, para ter mais chances nesse curto intervalo que ela ainda tem para engravidar”, alerta Fraietta.
O que está disponível no SUS?
Aqui chegamos num entrave. De um lado, médicos afirmam que o SUS não disponibiliza verba para fins de tratamentos de reprodução humana.
“Não existe um código na tabela SUS que contemple esses métodos assistidos” afirma o coordenador do Setor Integrado de Reprodução Humana da Universidade Federal de São Paulo.
No entanto, Fraietta pontua que, no Brasil, existem cerca de 13 serviços assistidos de reprodução humana em alguns hospitais públicos.
“O SUS é nacional, então, não tem como ir em qualquer hospital de serviço público porque ele não oferece. Mas existem hospitais estaduais que recebem verba diretamente da Secretaria de Saúde do Estado para reprodução humana. Em São Paulo, por exemplo, tem o Hospital da Mulher (antigo Pérola Byington) e o Hospital das Clínicas que contam com esses serviços de inseminação intrauterina e a fertilização in vitro 100% gratuitos”, indica o coordenador do Setor Integrado de Reprodução Humana da Universidade Federal de São Paulo.
Para o ginecologista e obstetra do Instituto Ideia Fértil de Saúde Reprodutiva, além da escassez de tratamento gratuito, há outro ponto importante. “O SUS não cobre tratamentos, e nem preservação da fertilidade. E isso é um grande problema, porque tem pacientes com câncer que vão fazer quimioterapia e que precisam preservar os seus óvulos através do congelamento, mas não podem”, argumenta Barbosa.
Em suma, os especialistas consideram a quantidade de hospitais públicos insuficiente para atender a demanda e acreditam que, muitas mulheres, desistem do tratamento devido à burocracia ou após anos numa fila de espera.
O Ministério da Saúde, por sua vez, afirma ter esses tratamentos subsidiados pela pasta. “O tratamento para fertilização é ofertado integralmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2005, com a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida”, diz um trecho da nota enviada à reportagem.
A entidade alega que a porta de entrada para esses procedimentos é a atenção primária, ou seja, os postinhos e Unidades Básicas de Saúde (UBS). Nesses locais, segundo o Ministério, existe acolhimento, orientações gerais às mulheres, exames físicos e avaliação de outras situações que possam interferir numa gestação.
“Quando necessário, as mulheres podem ser encaminhadas à atenção especializada”, diz a pasta. Já em relação a demanda para a realização dos procedimentos, ela passa o bastão para as secretarias estaduais e municipais de saúde que, segundo ela, são os responsáveis pela gestão desses serviços. “Tendo em vista que o SUS é descentralizado”, limitou-se a dizer.
Ainda segundo o órgão, os Estados que têm serviços gratuitos de Atenção à Reprodução Humana Assistida cadastrados são: Distrito Federal, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Quando procurar ajuda?
Mesmo que a mulher seja nova, se possível, ela deve procurar um especialista após um ano de tentativas frustradas. “Ou, após os 35 anos, se passar seis meses e não engravidar já deve procurar um médico, justamente pela drástica queda de óvulos”, indica Fraietta.
Além disso, há casos em que a fertilidade é prejudicada como endometriose em mulheres, varicocele, câncer do testículo, tratamento de quimioterapia ou radioterapia, no caso dos homens. Em todas essas situações, deve-se procurar ajuda o quanto antes para tratar o problema de base e, depois, tentar engravidar.
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