- Leandro Prazeres – @PrazeresLeandro
- Da BBC News Brasil em Brasília
O Partido Liberal (PL), do presidente Jair Bolsonaro, ingressou com uma ação nesta terça-feira (22/11) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo a invalidação de 59,18% dos votos do segundo turno das eleições presidenciais.
Pouco depois de o PL ter movido a ação que pede a anulação dos votos, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, assinou um despacho determinando que o processo movido pelo partido abrangesse, também, os votos do primeiro turno.
“As urnas eletrônicas apontadas na petição inicial foram utilizadas tanto no primeiro turno, quanto no segundo turno das eleições de 2022. Assim, sob pena de indeferimento da inicial, deve a autora aditar a petição inicial para que o pedido abranja ambos os turnos das eleições, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas”, diz o documento assinado por Moraes.
O principal argumento do PL é que uma auditoria contratada teria identificado supostas “inconsistências” em arquivos gerados pelas urnas eletrônicas fabricadas antes de 2020 e que isso colocaria em risco a segurança do resultado das eleições. Na prática, se o pedido for atendido, uma das consequências seria, em tese, declarar Bolsonaro vitorioso e não o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A ação movida pelo PL acontece em meio a diversas manifestações em todo o país realizadas por apoiadores de Bolsonaro que estão insatisfeitos com a vitória de Lula. Organizados em grupos de WhatsApp e Telegram, os manifestantes vêm se aglomerando em frente a instalações militares e realizando bloqueios de rodovias.
Apesar de o resultado das eleições ter sido reconhecido por dezenas de países e por instituições internacionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA), os manifestantes vinham aguardando uma contestação oficial das eleições presidenciais.
Especialistas consultados pela BBC News Brasil com experiência prévia na análise da segurança das urnas e dos programas utilizados nelas, porém, apontaram falhas no relatório apresentado pelo PL para pedir a invalidação dos votos.
Segundo eles, o relatório parte de premissas técnicas equivocadas sobre a segurança das urnas e não apresenta nenhum indício de fraude que pudesse ter beneficiado o presidente eleito Lula.
Eles também afirmam que o pedido de invalidação dos votos parece focado especificamente no caso particular de Bolsonaro, uma vez que se alguma falha grave tivesse sido encontrada, o natural seria pedir a anulação dos votos não do segundo turno das eleições presidenciais, mas também dos votos do primeiro turno e para todos os outros cargos.
Os argumentos do PL
Segundo a ação movida pelo PL, o principal problema detectado pela consultoria contratada pelo partido foi o fato de que as urnas cujos modelos anteriores a 2020 não gerariam arquivos de log que permitam saber, pelo nome do arquivo, a qual urna ele se refere.
“Arquivo log” é um arquivo de texto que contém uma espécie de “biografia” da urna. Ele informa, por exemplo, dados sobre quantas vezes ela foi ligada, desligada e em que momento os programas foram inseridos. Esse arquivo é considerado importante porque qualquer tentativa de acesso irregular à urna ficaria registrado nele.
Segundo a petição do PL, as urnas fabricadas antes de 2020 não estariam gerando arquivos log com um nome individualizado e, por isso, não seria possível relacionar um arquivo log específico a uma determinada urna.
“É como se, em vez de termos vários nomes diferentes para cada urna, todos esses arquivos saíssem com o nome Enzo”, explica Marcos Simplício, professor de Engenharia de Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Ele é pesquisador nas áreas de cybersegurança e criptografia, e vice-coordenador do convênio USP-TSE que analisa a segurança do sistema de votação brasileiro.
Ainda de acordo com o PL, apenas os arquivos gerados pelas urnas fabricadas a partir de 2020 poderiam ser considerados idôneos. Segundo o PL, os votos depositados nessas urnas representam 40,82% do total de votos computados pelo TSE. E ainda de acordo com o partido, se apenas esses votos fossem computados, Bolsonaro sairia vencedor das eleições porque teria obtido 51,05% dos votos contra 48,95% de Lula.
Na petição do PL não há nenhuma menção ao termo fraude. O relatório foi elaborado pelo Instituto Voto Legal (IVL), contratado pelo PL. Segundo Carlos Rocha, o diretor da entidade, a suposta falha detectada pelos seus técnicos geraria “incerteza” sobre o processo eleitoral.
“Isso, evidentemente, se tornou um problema porque é muito desagradável ter esse indício de mau funcionamento porque gera incerteza sobre os dados gerados por essas urnas”, disse Rocha.
O IVL é o mesmo instituto que elaborou um relatório a pedido do PL em setembro criticando a segurança das urnas eletrônicas.
Especialistas contestam pedido do partido de Bolsonaro
O pesquisador Marcos Simplício afirma que a suposta falha detectada pelo PL não comprometeria a confiança nos resultados das urnas. Segundo ele, apesar de os arquivos log das urnas fabricadas antes de 2020 gerarem nomes semelhantes, bastaria abrir os arquivos para encontrar as informações precisas para identificar a qual urna ele pertence.
“Não é porque o arquivo tem um nome semelhante que isso invalida os dados. Basta abrir o arquivo para saber a qual urna ele pertence. Qualquer pessoa com acesso a internet consegue fazer isso”, disse o especialista.
O professor de Ciência da Computação na Universidade de Aarhus, na Dinamarca, Diego de Freitas Aranha, também já fez inspeções em urnas eletrônicas usadas no Brasil. Segundo ele, as supostas falhas apontadas pelo PL também não teriam influência sobre os dados de votação porque os votos não estão dentro dos arquivos log.
“Os dados que mais importam, que são os votos, não estão nos arquivos log. Eles estão em outros arquivos. E não houve nenhuma menção a uma suposta irregularidade com relação a esses dados”, disse o professor.
Diego Aranha salienta outro ponto que, segundo ele, chamou atenção no pedido feito pelo PL: a menção apenas aos resultados do segundo turno.
“Se a falha encontrada pelo PL fosse realmente grave, o natural seria que ele pedisse anulação dos votos do primeiro turno, também, e não apenas do segundo. Isso teria que acontecer porque as urnas que eles contestam, as fabricadas antes de 2020, também foram usadas no primeiro turno”, afirmou.
Na avaliação do professor, o pedido foca no caso específico de Bolsonaro, que perdeu as eleições.
“A representação vem do PL, então é impossível não interpretar assim. Além disso, ela busca levantar suspeição exatamente sobre as urnas onde o atual presidente teve votação menos expressiva”, diz o Diego Aranha.
Marcos Simplício segue a mesma linha de raciocínio.
“Suponhamos que essa falha de fato teria afetado o pleito. O partido teria que pedir a anulação dos votos dos dois turnos e não só do segundo. Mas isso teria efeitos não apenas para a eleição presidencial, mas para todos os cargos que foram disputados como deputados estaduais, federais, senadores e governadores”, disse o pesquisador.
No primeiro turno das eleições, o PL elegeu a maior bancada da Câmara dos Deputados: 99. No Senado, o PL também elegeu o maior número de senadores: oito.
Na entrevista coletiva realizada pelo PL na tarde desta terça-feira, o presidente nacional do partido, Valdemar da Costa Neto, e o advogado que assina a ação, Marcelo Bessa, foram questionados pelos jornalistas sobre o porquê de a legenda ter questionado apenas os votos do segundo turno e não dos dois, como apontaram os especialistas entrevistados pela BBC News Brasil.
Nenhum dos dois respondeu às perguntas.
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