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- BBC News Mundo
A população mundial cresceu no último quarto do século a uma taxa média de 1,2% ao ano, chegando a quase 8 bilhões de habitantes.
A tendência foi semelhante na América Latina, onde a população já passa de 600 milhões.
Exceto em casos de guerra ou outros eventos extremos, é incomum que a população de um país fique estagnada ou até mesmo diminua em um período de 25 anos.
Mas Cuba não é um país normal.
Em 1984, a ilha ultrapassou a marca de 10 milhões de habitantes; em 1997, de 11 milhões; e, depois de alguns altos e baixos, o dado mais recente, relativo a 2021, é de 11,1 milhões.
Para se fazer uma comparação: no Brasil, a população em 1984 era estimada em 132 milhões; em 1997, de 167 milhões, e em 2021, de 212 milhões.
Quais são os motivos que explicam essa tendência incomum em Cuba?
Um pouco de história
“Em Cuba, você pergunta a qualquer um quantos filhos quer ter, e a resposta é 2 filhos, e tem até a ordem, primeiro um menino e depois uma menina. É um ideal reprodutivo que vem de nossos avós espanhóis”, explica à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, Juan Carlos Albizu-Campos, professor do Centro de Estudos da Economia Cubana da Universidade de Havana.
O acadêmico, que é autor de diversos estudos sobre o tema, destaca que, desde o início do século 20, Cuba sempre teve um comportamento demográfico diferente de seus vizinhos latino-americanos.
“Já em 1900, a fecundidade era relativamente baixa em comparação com o resto da América Latina, de 6 filhos por mulher (no México, por exemplo, eram 7, e em outros países da região, o número era ainda maior), e a população começou a adotar o esquema de famílias pequenas”, explica.
Na primeira metade do século passado, a ilha alcançou níveis de desenvolvimento inatingíveis em outros países da região e recebeu uma grande onda de migrantes europeus, principalmente espanhóis.
Ambos os fatores marcaram sua tendência demográfica diferenciada.
A partir de 1960, o declínio da mortalidade infantil e o maior acesso aos serviços de saúde e maternidade, entre outros fatores, levaram a um “baby boom”.
Mas não durou mais de uma década: nos anos 1970, a taxa de 2,1 filhos por mulher que garante a substituição geracional caiu pela primeira vez.
Assim, no final de 1985, a combinação de fecundidade e expectativa de vida em Cuba já “se assemelhava mais à média europeia do que à latino-americana”, diz Albizu-Campos.
Natalidade, mortalidade e pobreza
Cuba registrou em 2021 o menor número de nascimentos, 99.096, e o maior número de mortes, 167.645, das últimas seis décadas.
Embora o número de mortos tenha sido elevado pela onda mortal de covid-19 que atingiu o país, os registros de nascimentos confirmam uma tendência de queda acentuada que vem de anos atrás.
Hoje, a taxa de fecundidade total é de 1,45 filhos por mulher, bem abaixo da taxa de reposição — e também da média de 2 filhos na América Latina, segundo dados do Banco Mundial.
Essa tendência ocorre em um momento de extrema crise em Cuba, onde há escassez de alimentos, remédios, artigos médicos e outros bens básicos.
Segundo Albizu-Campos, o país está passando pelo que alguns acadêmicos chamam de “malthusianismo da pobreza”.
“Em Cuba, até 3 ou 4 gerações vivem juntas na mesma casa, e a comida também é escassa. Assim, a primeira pergunta que um jovem casal faz quando quer ter um filho é: onde vou colocá-lo?, e uma vez que isso está resolvido, o que vou dar de comer a ele?.”
Em outras palavras, hoje as mulheres cubanas percebem o nascimento de mais um filho como um risco real para os que já estão na família.
Quando essa situação se mantém ao longo do tempo, ele ressalta, “acaba transformando o padrão reprodutivo, e as mulheres protagonizam uma queda no nível de fecundidade, como aconteceu no ‘período especial'”.
O “período especial” foi a crise extrema que se instalou em Cuba após o colapso da União Soviética no início da década de 1990, com uma situação de escassez generalizada que muitos comparam com a atual.
“No ‘período especial’, o número de filhos por mulher caiu de 1,8 para 1,6 e, como foi uma crise sustentada ao longo do tempo, modificou o padrão reprodutivo da sociedade cubana”, indica Albizu-Campos.
A doutora em sociologia Elaine Acosta, pesquisadora associada da Universidade Internacional da Flórida, nos EUA, observa que Cuba “lidera os processos de envelhecimento na América Latina” devido à sua pirâmide demográfica mais parecida com a de um país europeu.
“Mesmo em comparação com o que se vive nas sociedades europeias, o salto produzido entre 1970 e hoje foi mais vertiginoso em Cuba, onde a população idosa passou de 9% do total para 20%”, afirma.
No entanto, ela considera problemática a combinação, nos últimos 25 anos, de uma pirâmide populacional semelhante à de um país desenvolvido com a deterioração gradual dos níveis de bem-estar e desenvolvimento humano.
Esta última questão, segundo ela, não só contribuiu para a redução da fecundidade, como também fomentou outro fator que explica a estagnação populacional na ilha: a emigração.
A emigração
Estima-se que quase um milhão de cubanos deixaram o país nos últimos 25 anos.
Destes, mais de 800 mil emigraram para os Estados Unidos, segundo os registros oficiais deste país.
O fluxo vinha oscilando entre 30 mil e 70 mil migrações por ano até a pandemia, mas somente nos primeiros nove meses de 2022, chegaram 200 mil cubanos ao país norte-americano — um recorde histórico que supera o de êxodos em massa anteriores, como o de Mariel em 1980 (quando 125 mil cubanos deixara a ilha em apenas 7 meses) ou a crise dos balseiros durante o “período especial”.
“O aumento descontrolado da inflação, a queda do valor real dos salários e pensões, a insegurança alimentar, a escassez de medicamentos e a deterioração da habitação, entre outros, reduziram os níveis de bem-estar a níveis mínimos semelhantes aos do período especial, mas com menores níveis de proteção social e em um ambiente de maior tensão política e insatisfação popular”, explica a socióloga.
“Tudo isso acaba influenciando milhares de jovens e até idosos a se juntarem à debandada migratória que recomeçou quando os voos foram reabertos, em novembro de 2021.”
Vai cair para 10 milhões?
Isso significa que, após 25 anos de estagnação, a população cubana pode estar iniciando uma tendência de queda, especialmente se levarmos em conta que grande parte dos emigrantes são jovens ou pessoas em idade fértil que vão gerar filhos fora da ilha.
O demógrafo Albizu-Campos previu anos atrás que a população cubana retornaria à marca de 10 milhões de habitantes a partir de 2030, com toda a geração do baby boom dos anos 1960 na velhice.
No entanto, o processo parece ter acelerado, e a redução do patamar de 11 milhões poderá ocorrer já neste ano, quando o cadastro for atualizado com os novos dados de nascimentos, óbitos e emigrantes.
“A combinação perversa entre a emigração sustentada e o aumento das mortes pode indicar que estamos mais perto novamente de baixar essa marca”, diz o especialista.
O panorama demográfico se mostra ainda mais complicado para 2050, quando mais de 3,7 milhões de cubanos de uma população estimada em 10,1 milhões de habitantes terão mais de 60 anos, segundo projeções das Nações Unidas.
Destes, quase 1,3 milhão serão idosos com mais de 80 anos.
Elaine Acosta observa ainda que estas projeções foram formuladas antes da atual crise migratória.
“Consequentemente, a contração da população pode ser ainda maior do que a esperada.”
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