Em uma das primeiras mudanças sugeridas pelo novo governo federal a assumir em 2023 está o possível retorno do horário de verão. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) postou esta semana no Twitter uma enquete para sondar a opinião dos internautas.
Ao encerramento da votação, no dia seguinte, o sim venceu com mais de 66,2% entre 2,3 milhões de votos.
Quatro dias antes, um post do ator Bruno Gagliasso na mesma social marcava o perfil de Geraldo Alckmin (PSB) com o pedido da rediscussão de tema no plano de transição. Recebeu como resposta dois emojis do vice-presidente eleito sugerindo que anotava a sugestão.
O maior aproveitamento da luz natural é o objetivo do horário de verão, extinto em 2019 por decreto pelo atual presidente Jair Bolsonaro.
Com o adiantamento dos relógios em 1 hora entre a primavera e o verão, as regiões que adotam o horário especial ganham tempo adicional de luminosidade no fim da tarde, adiando o acionamento de lâmpadas e de eletrodomésticos na volta para casa depois do trabalho.
Historicamente, a economia era de cerca de 4% a 5% da demanda no horário de pico.
O governo Bolsonaro argumentou, porém, com base em dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que o pico de demanda no verão mudou ao longo dos anos do fim da tarde para o meio dela, devido ao acionamento dos aparelhos de ar condicionado nas empresas.
Estudo do ONS divulgado ano passado dizia que não foi identificada “economia significativa de energia, pois a redução observada no horário da ponta noturna, ou seja, das 18h às 21h, é compensada pelo aumento do consumo em outros períodos do dia, especialmente no início da manhã” e que “os ganhos em termos de benefícios relevantes para o Sistema Interligado Nacional (SIN) são reduzidos”.
História do horário de verão
O horário de verão foi instituído pela primeira vez no Brasil em 1931, durante o governo de Getúlio Vargas. À época, dizia o Diário de Noticias: “A prática dessa medida, já universal, traz grandes benefícios ao público, em consequência da natural economia de luz artificial”.
A medida foi repetida em anos seguintes, sem regularidade. A partir de 1985 — ano que foi marcado por uma seca histórica, que resultou em blecautes e racionamento de água —, o horário diferenciado passou a ser adotado anualmente, com duração e abrangência territorial definidas por decretos presidenciais.
Em 2008, um decreto tornou o horário de verão permanente, vigorando do terceiro domingo de outubro até o terceiro domingo de fevereiro do ano seguinte. Até que, em abril de 2019, Bolsonaro extinguiu a medida.
“O horário de pico hoje é às 15 horas e [o horário de verão] não economizava mais energia. Na saúde, mesmo sendo só uma hora, mexia com o relógio biológico das pessoas”, argumentou o presidente, à época.
1) Vantagens
Economia de energia
Amanda Schutze, coordenadora de energia no Climate Policy Initiative (CPI) e professora da PUC-RJ, diz que há uma pequena redução com o horário de verão, embora não seja “capaz de reduzir o consumo de energia como antes porque ocorreu uma mudança no padrão de consumo”.
Ela diz que o padrão de consumo se alterou ao longo do tempo, principalmente na última década, com o pico de consumo atualmente entre 14h e 16h e não mais no início da noite. Assim, o horário de verão não tem o mesmo efeito de quando o pico ocorria no início da noite. Iluminação não tem o mesmo peso que ar condicionado hoje em dia, explica Schultze.
“Mas mesmo assim seria alguma redução. Como ele não prejudica o setor elétrico, outros fatores podem ser relevantes também como maior demanda para o comércio e serviços por conta do maior tempo de claridade.”
O ex-diretor do ONS Luiz Eduardo Barata diz que em 2021, durante a crise hídrica, defendeu o horário de verão porque “qualquer economia é uma economia”.
“E ainda hoje, se vai resultar em economia, pequena que seja, por que não fazer?”
Barata também vê um possível incentivo à participação da energia solar no sistema elétrico com a volta da adoção do horário de verão.
Ele, de qualquer forma, defende a tese de que o horário de verão ultrapassa a questão do setor de energia e tem impacto importante no setor de turismo e lazer.
Mais vendas no varejo e nos bares
Uma segunda vantagem do horário de verão é o estímulo às vendas do comércio e dos bares, resultado da hora a mais de luminosidade.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) diz que o faturamento chega a dobrar entre 18h e 20h no horário de verão, com efeitos positivos econômicos também para o turismo, como parques. O dia esticado aumenta a clientela.
No ano passado, a entidade promoveu um movimento pela volta do horário de verão junto com a Confederação Nacional de Turismo (CNTur) que teve adesão de Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs), Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce).
Segurança nas ruas
Um terceiro argumento em favor do horário de verão é a segurança.
“A evidência empírica sugere que uma hora a mais de luminosidade reduz homicídios, roubos e acidentes de trânsito”, disse Claudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B e especialista em infraestrutura, que publicou em 2019 um artigo sobre o tema em coautoria com os pesquisadores Miguel Foguel e Renata Canini.
Estudo de 2016, realizado por pesquisadores da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), por exemplo, analisou dados de ocorrência de acidentes rodoviários entre 2007 e 2013. Segundo o estudo, nos Estados em que o horário de verão era adotado, houve redução de 10% dos acidentes em rodovias federais.
“Os testes revelaram que a realocação do horário de atuação da luminosidade durante o dia contribui consideravelmente na redução de acidentes em rodovias federais”, concluíram os pesquisadores. “Os testes apresentaram evidências de que o impacto de transição para o horário de verão afeta o comportamento de direção dos motoristas em rodovias federais, principalmente ao entardecer.”
Exercícios físicos e uso do espaço público
Outro argumento daqueles que defendem o horário de verão é a possiblidade fazer exercícios físicos ao fim da tarde e melhor aproveitar o espaço público.
2) Desvantagens
Dificuldade de adaptação
O principal argumento dos contrários à volta do horário de verão é que a adaptação é difícil e a mudança mexe com o relógio biológico.
Um estudo de pesquisadores brasileiros publicado em 2017 na revista Annals of Human Biology, com mais de 12 mil participantes, mostrou que menos da metade (45,43%) diziam não sentir nenhum desconforto com a mudança de horário. E cerca de 25% diziam permanecer desconfortáveis durante todo o período de mudança de horário.
A dificuldade de adaptação tem razões biológicas: a alteração do horário mexe com a produção de hormônios como a melatonina e o cortisol, responsáveis respectivamente por dar sono e despertar o corpo.
A mudança também é mais penosa para adolescentes, que têm dificuldade de acordar cedo para aulas matinais, e para crianças pequenas, que têm necessidade de longas horas de sono e costumam ser sensíveis a mudanças de luminosidade.
Mudanças no ciclo agropecuário
Uma segunda desvantagem do horário de verão, segundo os contrários à medida, é que ele afeta o setor agropecuário.
O gado bovino, por exemplo, é sensível à mudança de horário das fazendas, que pode inclusive afetar a produtividade leiteira.
“Os bovinos são animais de hábito, todos os dias eles se alimentam num mesmo horário, são animais de rotina. Se os horários mudam repentinamente, isso causa um estresse no animal. No caso da vaca de lactação, pode inclusive diminuir o leite”, diz José Carlos Ribeiro, da Boi Saúde, consultoria especializada em saúde bovina.
Mas há quem trabalhe no campo e não se importe com a mudança.
“As empresas trocam o horário, em vez de pegar às 7h, pega às 8h para a colheita da soja, então não prejudica em nada, eu acho que é bom”, diz Antônio Rodrigues da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados Rurais de Sapezal (MT).
Horários diferentes Brasil afora
Uma terceira desvantagem é a maior dissincronia entre os horários Brasil afora.
O Brasil é um país tão grande que tem quatro fusos horários: o de Brasília, que abrange a totalidade das regiões Nordeste, Sudeste e Sul, além dos estados do Pará, Amapá, Tocantins, Goiás e o Distrito Federal; o de Fernando de Noronha (uma hora à frente de Brasília); o do Amazonas, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (uma hora atrás de Brasília); e o do Acre e oeste do Amazonas (duas horas atrás de Brasília).
No horário de verão, Norte e Nordeste não adotam a mudança, que não faz diferença nessas regiões devido à proximidade delas com o Equador.
Assim, no horário especial, Roraima, Rondônia e Amazonas passam a ter duas horas de diferença em relação a Brasília e o Acre, três horas.
Isso dificulta, por exemplo, a realização de eventos nacionais, a tal ponto que, em 2018, o horário de verão foi mais curto, devido às eleições. A pedido do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, o horário de verão naquele ano começou somente em novembro, para evitar atrasos na apuração dos votos e na divulgação dos resultados.
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