- Geeta Pandey
- BBC News, Morbi
Uma série de questionamentos estão sendo feitos na Índia depois que uma popular ponte suspensa para pedestres desabou, jogando dezenas de pessoas no rio que passava embaixo dela, em Morbi, no estado de Gujarat, na noite de domingo (30/10).
O incidente, uma das piores tragédias no país em anos, deixou 135 mortos — a maioria mulheres, crianças e idosos. A aglomeração ocorreu em meio ao Diwali, o Festival das Luzes, um dos mais tradicionais e populares eventos festivos do hinduísmo.
A ponte suspensa de 137 anos havia sido reaberta apenas cinco dias antes de desabar, após passar por reparos. Mas o que deu errado?
A BBC conversou com sobreviventes, socorristas, jornalistas e autoridades locais para contar a história de uma tragédia desnecessária.
Moradores e jornalistas culpam a empresa que operava a ponte — e a polícia e as autoridades locais também são acusadas de cometer erros.
Os minutos que antecederam o desastre
Pouco depois das 18h30 (13:00 GMT) de domingo, Mahesh Chavda, de 18 anos, e dois amigos compraram ingressos para entrar na ‘jhulto pul’ (ponte suspensa) de Morbi.
A atração é descrita pelo site de turismo do Estado como uma “maravilha tecnológica” e é popular entre os turistas — era o lugar favorito de Mahesh desde que era criança.
A estrutura de 230 metros de comprimento sobre o Rio Machchu liga o Palácio Darbargarh e a Faculdade de Engenharia Lakhdhirji. Não há consenso sobre a data da sua construção, mas os moradores dizem que foi construída na década de 1880 pelo marajá Waghji Thakore.
“Eu costumava visitar (a ponte) com meus pais e, nos últimos anos, ia lá todos os domingos com meus amigos”, diz Mahesh.
Ele ficou “animado” quando soube na semana passada que a ponte havia reaberto, e decidiu retomar a rotina de domingo à noite com os amigos.
Sentado agora em seu leito no hospital com gesso no pescoço, Mahesh conta que, ao se aproximarem da ponte, perceberam que estava superlotada.
“Então pensamos em esperar um pouco, mas a pessoa que verificava os ingressos disse que tínhamos que seguir em frente. A ponte desabou no momento em que pisamos nela”, afirma.
A parte onde Mahesh e os amigos estavam virou, e eles foram jogados de uma altura de 15m no rio.
Os três adolescentes ficaram feridos, mas sobreviveram.
Dezenas de outros não tiveram a mesma sorte, e o desastre destruiu muitas famílias que perderam vários membros enquanto passeavam à noite sobre o rio.
Denúncias em relação aos reparos
Muita gente agora está se perguntando como uma tragédia dessa dimensão poderia acontecer, e por que não foi evitada?
A ponte foi reaberta ao público na quarta-feira passada (26/10), para coincidir com o ano novo de Gujarati.
Um dia antes, Jaysukh Bhai Patel, dono do grupo Oreva, empresa contratada para manter e operar a ponte desde 2008, disse em entrevista coletiva que a reforma custou 20 milhões de rúpias (US$ 242 mil).
“Nada acontecerá com a ponte nos próximos 8 a 10 anos. E se for usada com responsabilidade, a ponte não precisará de reparos por 15 anos”, disse ele ao jornal Times of India.
Ele teria elogiado a qualidade da obra de reparo, o maquinário e a empreiteira que a empresa havia contratado.
Desde o acidente de domingo, a polícia prendeu nove pessoas associadas à Oreva — incluindo dois gerentes e dois funcionários que cuidavam dos ingressos que estavam na folha de pagamento da empresa, além de dois empreiteiros e três seguranças que haviam contratado.
Eles estão sendo investigados por homicídio culposo.
Em entrevista coletiva na quarta-feira, o promotor público HS Panchal disse que os dois empreiteiros contratados pela empresa para o trabalho “não eram qualificados” para a tarefa.
“Apesar disso, foram entregues a esses empreiteiros obras de reparo da ponte em 2007 e em 2022”, afirmou, acrescentando que estão investigando a fundo o caso.
Um relatório forense apresentado pelo investigador no tribunal afirma que o piso da ponte foi substituído durante a reforma, mas seus cabos não — e os cabos antigos não foram capazes de aguentar o peso do piso novo.
Um policial também disse ao tribunal que o cabo estava “enferrujado” — e que a tragédia poderia ter sido evitada se tivessem sido consertados a tempo.
A BBC entrou em contato com a Oreva para pedir uma resposta às acusações que enfrenta.
No tribunal, um dos acusados — um gerente da empresa — classificou o desabamento da ponte como um “ato de Deus”, informou o promotor.
No início da semana, um porta-voz da empresa disse ao jornal Indian Express que havia muita gente no meio da ponte, e algumas estavam tentando fazer a mesma balançar.
A Oreva também foi acusada de outros lapsos, incluindo não obter permissão das autoridades para operar a ponte.
O chefe de serviços municipais, Sandipsinh Zala, disse a jornalistas na segunda-feira que a Oreva não havia recebido um certificado de segurança antes de reabrir a ponte.
Mas muitos estão questionando por que uma empresa conhecida por fabricar relógios foi autorizada a manter uma ponte. Ela também fabrica produtos de iluminação, bicicletas elétricas e eletrodomésticos.
Zala não atendeu nossas ligações nem respondeu nossas mensagens, mas um assistente que trabalha em seu escritório me disse que a Oreva havia ganhado um contrato da administração distrital em 2008 para ser concessionária da ponte.
“Zala acabou de renovar esse contrato em março”, acrescentou o assistente.
A BBC teve acesso a uma cópia do contrato que é válido por 15 anos — até março de 2037.
O documento afirma que a manutenção e segurança são de responsabilidade da empresa, que também fica com a receita da venda dos ingressos.
De acordo com o texto, a empresa tem permissão para cobrar 15 rúpias para adultos e 12 rúpias para crianças por ingresso, mas estava cobrando um ágio de 2 rúpias em cada ingresso.
As autoridades prometeram uma investigação completa, e uma equipe especial foi criada para apurar as causas da tragédia.
Quem é responsável pela superlotação?
Ao que tudo indica pelos relatos ouvidos em Morbi, o que levou ao desabamento foi o grande número de pessoas autorizadas a entrar na ponte ao mesmo tempo.
A maioria diz que deveria haver, no máximo, de 100 a 150 pessoas na ponte, mas muitas testemunhas estimam que havia mais de 500 pessoas.
O experiente jornalista Pravin Vyas, morador de longa data de Morbi, mora perto da ponte e diz que nunca a viu tão lotada antes.
“Moradores e turistas compareceram em peso, já que era domingo e último dia das celebrações do Diwali. Muitos também estavam felizes por estar comemorando após dois anos de restrições em decorrência da covid-19”, avalia.
“É responsabilidade da administração ver quantas pessoas podem ser autorizadas (a entrar) com segurança a qualquer momento na ponte. Mas é vantajoso permitir mais gente porque a entrada é paga”, acrescenta.
Vyas acredita que a administração da cidade e a polícia também não estão isentas de culpa.
“Há milhares de pessoas visitando a ponte todos os dias desde que ela reabriu, então as autoridades não podem dizer que não sabiam porque a Oreva não pediu permissão a eles.”
Os críticos se perguntam ainda como uma área que atrai milhares de moradores e turistas todos os dias não tem medidas de segurança para lidar com uma emergência.
Como é que não havia policiais, mergulhadores e barcos por perto?, eles questionam.
A administração distrital insiste que garantir a segurança dos visitantes era responsabilidade da empresa.
NK Muchhar, magistrado distrital, me disse que estava orgulhoso da rapidez com que responderam à crise e da enorme operação de resgate montada que salvou vidas.
“Conseguimos ter mergulhadores, nadadores, cordas, barcos e bombeiros aqui em 10 minutos”, ele afirmou.
Muitos apontam, no entanto, que o número de mortos teria sido muito maior se não fosse pelos socorristas que incluíam moradores e um grupo de operários que construíam um novo templo às margens do rio.
Niranjan Das tinha acabado de terminar seu turno de trabalho nas obras do templo e estava sentado com os colegas ao lado da ponte, observando o anoitecer na cidade.
“Vimos pessoas agarradas aos pedaços da ponte”, diz ele.
Cordas do canteiro de obras foram usadas para descer ele e sete de seus colegas até a água.
“Salvamos oito pessoas e retiramos dezenas de corpos.”
Ele mostra ferimentos nas mãos e pés de um colega que também participou do resgate.
Parbat Govind, um homem de 61 anos que se mudou para Morbi há dois anos e supervisiona os operários, também estava no templo e assistiu à tragédia ao vivo.
“Essas feridas vão cicatrizar”, diz ele.
“Mas nunca esqueceremos o que testemunhamos naquele dia. Nunca seremos capazes de esquecer aqueles gritos.”
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