- André Biernath
- Da BBC News Brasil em Londres
As políticas ambientais e a preservação da Amazônia estiveram no discurso de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O presidente eleito falou que o Brasil “está pronto para retomar o protagonismo na luta contra a crise climática” e que o próximo governo vai “lutar pelo desmatamento zero na Amazônia”.
“Vamos retomar o monitoramento e a vigilância da Amazônia, e combater toda e qualquer atividade ilegal — seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida”, prometeu.
“Ao mesmo tempo, vamos promover o desenvolvimento sustentável das comunidades que vivem na região amazônica. Vamos provar mais uma vez que é possível gerar riqueza sem destruir o meio ambiente”, disse.
Mas como todas essas questões serão abordadas na prática? Como o próximo governo, que assume a partir de janeiro de 2023, pode realmente frear o desmatamento e preservar a floresta?
O legado que fica
Lula vai assumir a Presidência num momento em que a taxa de desmatamento na Amazônia está em alta.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) calcula que os números de área destruída da floresta aumentaram 73% nos três primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro (PL) — ainda não há dados consolidados para 2022.
Também não faltam evidências sobre a queda nos investimentos em institutos de monitoramento e fiscalização ambiental na atual gestão.
O próprio Inpe, citado anteriormente, é um exemplo disso: o então presidente do órgão, o cientista Ricardo Galvão, foi demitido em 2019 depois de Bolsonaro criticar publicamente a divulgação de dados oficiais sobre o desmatamento da Amazônia.
Em entrevistas posteriores, Galvão disse que foi perseguido e teve até o telefone grampeado.
Outros órgãos que sofreram cortes profundos no orçamento foram o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Um relatório publicado em agosto pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgado pelo InfoAmazônia, revela como o investimento nesses órgãos foi reduzido ano após ano.
O documento aponta que as despesas projetadas com gestão ambiental caíram de R$ 6 bilhões em 2018 para 3,7 bilhões em 2021.
O estudo feito por ISA e UFRJ ainda calcula que, entre 2019 e 2020, foram publicados 57 atos legislativos “que fragilizaram a política de preservação e conservação ambiental no Brasil”.
“Durante o mesmo período, houve uma redução de 72% na aplicação de multas do Ibama”, revela o texto.
Outro fato que marcou o início do atual governo na área ambiental foi o congelamento do Fundo Amazônia.
Gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o fundo concentra cerca de R$ 1,4 bilhão doados por Noruega e Alemanha para projetos de conservação ambiental no Brasil.
Durante a campanha de 2018 e o período da presidência, Bolsonaro também se notabilizou por uma série de frases polêmicas a respeito do meio ambiente, das mudanças climáticas e dos povos originários.
Ele prometeu que não demarcaria novas terras indígenas, estimulou o garimpo em regiões florestais e, durante uma das piores queimadas registradas na região, afirmou que a Amazônia “não pega fogo”.
Ricardo Salles, que foi ministro do Meio Ambiente entre janeiro de 2019 e junho de 2021 e agora elegeu-se deputado federal por São Paulo, também ficou marcado por propor “passar a boiada” durante uma reunião ministerial.
A ideia de Salles era supostamente aproveitar a atenção da imprensa e da opinião pública com a pandemia de covid-19 para afrouxar as regulamentações ambientais do país.
As propostas e e discurso
O plano de governo da chapa Lula e Geraldo Alckmin (PSB) traz uma série de propostas para combater o desmatamento e as mudanças climáticas.
O texto cita, por exemplo, o combate ao “uso predatório dos recursos naturais” e o estímulo às “atividades econômicas com menor impacto ecológico”.
O documento também promete que o próximo governo vai coibir “o crime ambiental promovido por milícias, grileiros, madeireiros e qualquer organização econômica” e “cumprir as metas assumidas na Conferência de 2015 em Paris”.
Durante o discurso da vitória, Lula adotou um tom emotivo para abordar esses tópicos.
“O Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva. Uma árvore em pé vale mais do que toneladas de madeira extraídas ilegalmente por aqueles que pensam apenas no lucro fácil, às custas da deterioração da vida na Terra.”
“Um rio de águas límpidas vale muito mais do que todo o ouro extraído às custas do mercúrio que mata a fauna e coloca em risco a vida humana. Quando uma criança indígena morre assassinada pela ganância dos predadores do meio ambiente, uma parte da humanidade morre junto com ela”, concluiu.
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, entende que a vitória de Lula é simbólica por significar uma desaprovação ou um basta nas políticas ambientais adotadas atualmente.
“Falamos do desmatamento e dos efeitos disso em campo, com a violência, os conflitos e as mortes de tantos ativistas nos últimos anos”, lista.
“Frear essa destruição, porém, será algo difícil em uma Amazônia tomada por criminosos e milícias”, admite a especialista.
Desafios pela frente
A partir de janeiro de 2023, o novo governo terá a tarefa de frear o desmatamento e reforçar o papel das instituições de monitoramento e fiscalização — como o Inpe, o Ibama e o ICMBio.
Para a ecóloga Erika Berenguer, pesquisadora do Laboratório de Ecossistemas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, Lula precisará dar logo nos primeiros meses “sinais claros de que a Amazônia será uma prioridade”.
“O mais importante para o Brasil e para o mundo é a diminuição do desmatamento”, resume.
“E isso foi algo que já vimos no governo Lula anterior, responsável pela maior queda no desmatamento da história”, classifica.
Segundo o Inpe, ao longo dos dois mandatos do petista (entre 2003 e 2010), a taxa de desmatamento caiu 67%.
Mas a pesquisadora entende que não bastará ao próximo governo repetir em 2023 as medidas que foram adotadas a partir de 2003 e 2004.
“Não estamos falando de uma mera transferência de medidas, mesmo sabendo que há o conhecimento e a experiência de sucesso para diminuir o desmatamento”, diz.
Berenguer acredita que o primeiro passo em prol do meio ambiente está justamente em fortalecer as instituições que cuidam do setor.
“Ibama, ICMBio, Fundação Nacional do Índio e Ministério do Meio Ambiente foram sistematicamente desmontados durante o governo Bolsonaro de várias formas, com cortes severos no orçamento e falta de concursos públicos”, descreve
“Atualmente, essas instituições não têm recursos humanos e financeiros nem para funcionar mal, que dirá funcionar bem.”
Mas como isso impacta a habilidade do próximo governo de fazer uma mudança nas políticas ambientais?
Unterstell explica que há uma diferença grande entre as “canetadas” de Bolsonaro, que modificaram várias regulamentações do setor, e os projetos de lei que foram apresentados e discutidos no Congresso Nacional.
“Nós identificamos mais de 400 dessas ‘canetadas’ de Bolsonaro que precisam ser revertidas no próximo governo. Falamos aqui de um estrago reversível”, estima.
Já no poder legislativo, a questão pode ser um pouco mais complicada, embora muitos dos projetos de lei não foram para frente.
A presidente do Instituto Talanoa avalia que o atual governo “não foi competente para fazer essa articulação com o congresso”.
“Dos três pontos mais sensíveis — a regularização fundiária de terras públicas invadidas, o alívio no licenciamento ambiental de obras e a mineração em terras indígenas — os dois primeiros tiveram projetos aprovados na Câmara dos Deputados e aguardam apreciação no Senado.”
“Mas é preciso ter em conta que o novo congresso, que assume a partir de 2023, será bem menos favorável a Lula. Então é possível que os parlamentares consigam pautar e levar em frente essas pautas, a despeito de Bolsonaro não estar mais no poder”, complementa Unterstell.
Pontos de atenção
Lula também foi bastante criticado por ambientalistas em diversos momentos do seu mandato, em particular por supostamente priorizar grandes obras de infraestrutura à preservação ambiental.
Isso é apontado como um dos motivos da saída da então ministra do Meio Ambiente Marina Silva do governo, em 2008.
Silva perdeu diversas batalhas internas dentro do governo — por exemplo, a liberação de áreas para plantio de soja transgênica ou a pressão para dar o aval a obras do PAC, o Projeto de Aceleração de Crescimento, comandado na época pela então ministra Dilma Rousseff.
O episódio apontado como gota d’água para a saída da então ministra foi a entrega da gestão do então Plano Amazônia Sustentável ao Ministério de Assuntos Estratégicos, e não ao Ministério do Meio Ambiente, o que foi enxergado como um esvaziamento da pasta.
Ainda na campanha do primeiro turno das eleições de 2022, Silva declarou apoio a Lula. À época, ela disse que este era um “momento crucial da nossa história” e que o candidato do PT reunia “as maiores e melhores condições para derrotar Bolsonaro e a semente maléfica do bolsonarismo”.
Esses pontos foram tema de campanha — Bolsonaro lembrou por diversas vezes que Lula registrou os recordes de área total desmatada nos dois primeiros anos do governo, em 2003 e 2004.
Entre os vários projetos de infraestrutura questionados ao longo dos governos do petista estão as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, construídas no rio Madeira, em Rondônia. Na época, ambientalistas alertavam para impactos na fauna, na flora e nas comunidades indígenas.
A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que teve a construção autorizada no governo Lula e foi concluída na gestão Dilma, foi outro ponto que gerou muitas críticas entre ambientalistas.
Unterstell afirma que, no início da campanha das eleições de 2022, viu com reservas os discursos de Lula que chamavam atenção para as grandes obras de infraestrutura e a exploração do petróleo no pré-sal.
“Me pareceu uma visão desatualizada, em descompasso com o tempo que vivemos hoje. O regime atual não comporta mais esse modelo — a própria usina de Belo Monte não é capaz de produzir o que estava previsto porque o regime de chuvas na região está diferente”, exemplifica.
“Mas houve uma evolução significativa do discurso de Lula e de Geraldo Alckmin sobre o assunto nos últimos meses”, contemporiza.
Diplomacia ambiental
Em contrapartida às críticas, foi no governo Lula que o Brasil consolidou uma posição de destaque nas conferências climáticas internacionais, que visam implementar ações globais de contenção do aquecimento global.
Foi num desses encontros que surgiu a proposta do Fundo Amazônia, implementado em 2008 com dinheiro da Noruega e da Alemanha para estimular projetos de combate ao desmatamento e uso sustentável da floresta.
A cooperação internacional, inclusive, deve ser outro foco de ação do próximo governo na hora de promover as políticas ambientais.
Isso já ficou claro nas mensagens de parabéns compartilhadas pelos líderes mundiais nas últimas horas e no próprio discurso de vitória de Lula.
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, disse em “fortalecer a parceria entre os países” e “avançar em prioridades compartilhadas — como proteger o meio ambiente”.
Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia, disse que o bloco está comprometido em “aprofundar e ampliar o relacionamento em todas as áreas de interesse mútuo, inclusive no comércio, no meio ambiente, nas mudanças climáticas e na agenda digital”.
Rishi Sunak, primeiro-ministro do Reino Unido, falou em “trabalhar juntos por questões que importam”, como “a proteção dos recursos naturais do planeta”.
Lula, por sua vez, disse no discurso que o país está aberto “à cooperação internacional para preservar a Amazônia, seja em forma de investimento ou pesquisa científica, mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania”.
Unterstell interpreta que o Brasil é protagonista em assuntos ambientais “de qualquer maneira, pelo tamanho do nosso território e o papel da Amazônia”.
“Mas ser protagonista não é o mesmo que ser líder. O país precisa agora garantir resultados e dar mostras que é um parceiro confiável”, diz.
A especialista entende, porém, que algo que não pode ser ignorado nesse contexto é a questão indígena.
“E essa pode ser a grande novidade desse governo”, acredita.
“Quando Lula foi presidente no passado, ainda não se levava em consideração a ideia de que os povos indígenas têm lideranças capazes de traçar seu próprio destino. Isso é algo que foi reconhecido e que precisa ser estimulado a partir de agora”, conclui.
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