- Vinícius Lemos – @oviniciuslemos
- Da BBC News Brasil em São Paulo
O bancário Caio Guitton mora em São Paulo (SP) e viajou ao Rio de Janeiro para votar no domingo (30/10). Ele retornaria para casa na manhã seguinte. Porém, os planos dele foram alterados quando passou por uma experiência que avalia como angustiante.
Caio estava em um ônibus que saiu do Rio de Janeiro na madrugada de segunda-feira e seguia em direção a São Paulo. Ele planejava chegar à capital paulista cerca de sete horas depois. No entanto, o trajeto foi interrompido em decorrência de um bloqueio na via, causado por uma paralisação de apoiadores do presidente derrotado Jair Bolsonaro (PL) — entre eles, muitos caminhoneiros.
“Eu saí do Rio de Janeiro por volta das 23h40, porque queria chegar em São Paulo em torno das 6 da manhã para seguir para o trabalho. Mas por volta das 1h40 ou 2 da manhã, o ônibus parou na Via Dutra, em Barra Mansa (RJ) e ficou em uma escuridão, ninguém sabia o que estava acontecendo”, diz o bancário à BBC News Brasil.
“Depois, por volta de umas 2h20, a concessionária da rodovia colocou uma nota no site em que informou sobre a manifestação dos caminhoneiros. Aí eu entendi o que estava acontecendo”, acrescenta.
Ele precisou buscar uma forma para ir a uma rodoviária para retornar ao Rio de Janeiro e, ainda sem previsão, voltar para São Paulo.
O protesto que impediu o tráfego do ônibus de Caio é um exemplo de uma medida tomada por caminhoneiros bolsonaristas de diversos estados: eles fecharam rodovias em manifestação contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em Mato Grosso, a professora Simone (nome fictício), que mora em Cuiabá, fazia uma viagem a uma cidade do interior do Estado quando o ônibus em que ela estava ficou parado na estrada. “Era para chegarmos a Barra do Garças (MT) às 6h, mas chegamos às 12h”, diz.
Até o momento, essas manifestações foram registradas em rodovias de 16 estados, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Pelo país, as regiões atingidas pelo movimento tiveram longos engarrafamentos, que chegaram a até mais de 12 horas.
‘Situação semelhante à guerra’
O protesto causou um engarrafamento de grandes proporções na Via Dutra, diz Caio. Enquanto o dia amanhecia, ele notava a fila “interminável” de veículos parados. “Tinha um engarrafamento de cerca de 4 quilômetros à frente do ônibus e atrás era ainda maior”, detalha.
“Foi uma situação angustiante. A gente está há meses vendo a guerra na Ucrânia, com quilômetros de engarrafamentos e nunca acha que vai acontecer com a gente. É um sentimento de obscuridade total”, comenta.
Ele classifica a situação como “algo semelhante a uma mistura de guerra na Ucrânia com The Walking Dead (série americana) tupiniquim”.
O bancário acredita que boa parte dessa situação poderia ser evitada se Bolsonaro fizesse uma declaração na qual aceitasse a vitória de Lula – ele não se pronunciou até o momento.
“Boa parte de tudo isso talvez pudesse ser evitado se houvesse um gesto democrático (de Bolsonaro) de aceitar o resultado das urnas e diminuir os ânimos exaltados”, comenta.
Por volta das 11h, ele deixou o ônibus. “Eu precisava trabalhar e estava apreensivo. Algumas pessoas começaram a deixar o ônibus quando o dia amanheceu. Eu coloquei um prazo até 11 da manhã para ver se algo aconteceria, mas nada mudou. Então, 11 em ponto saí do ônibus e comecei a buscar alguma alternativa de caminho na rodovia”, detalha.
Pouco antes de deixar o veículo, ele descobriu, por meio das redes sociais, que uma colega de trabalho, Beatris Sá, também estava parada em outro ônibus no engarrafamento. Os dois desceram ao mesmo tempo na rodovia.
“Caminhamos pela rodovia por mais ou menos 20 minutos. Foi assustador, porque havia um trânsito danado”, diz.
Eles conseguiram uma carona com um desconhecido que avistaram no sentido oposto da via e seguiram para a rodoviária de Volta Redonda (RJ).
“Agora vamos voltar para o Rio de Janeiro para tentar comprar passagem de avião para conseguir voltar para São Paulo”, diz Caio. Ele diz que não há possibilidade, ao menos nesta segunda-feira, de conseguir voltar de ônibus.
‘Não respeita e não aceita o sistema e o processo eleitoral’
Para a professora Simone, a manifestação dos bolsonaristas é um ato “totalmente antidemocrático, que não respeita e não aceita o sistema e o processo eleitoral”. Ela avalia que não há uma “pauta realmente digna de luta”.
“É (um protesto) por puro e simples descontentamento com o resultado das eleições e com o desejo de quase 51% da população”, declara.
Nas cerca de seis horas em que ficou no ônibus na rodovia parada, ela diz que ficou “à deriva” junto com os outros passageiros.
“Muitos passageiros estavam revoltados porque estavam com crianças, pessoas doentes, com fome, sede e afins. O movimento pró-Bolsonaro estava questionando o resultado das eleições e desconsiderou o nosso direito de ir e vir”, declara.
Em determinado momento, os caminhoneiros abriram passagem para os veículos que estavam no engarrafamento na rodovia de Mato Grosso. “Mas não sei se foi uma liberação total ou parcial”, diz.
A repercussão do movimento
Apesar de a proporção dos protestos não ter se alastrado como na greve de 2018, o movimento causa preocupação.
A manifestação após a vitória de Lula tem dividido caminhoneiros. Enquanto alguns reforçam que o movimento deve crescer cada vez mais em protesto à eleição de Lula, outros defendem que a categoria respeite a eleição do petista.
“As manifestações estão crescendo rapidamente, e não tem uma intervenção imediata da PRF como houve em outras ocasiões. Além disso, a demora de Bolsonaro para se pronunciar pode contribuir para que os protestos se alastrem”, disse Wanderlei Dedeco, caminhoneiro de Curitiba, Paraná, que atua como “conselheiro” das lideranças dos caminhoneiros.
Em entrevista à BBC News Brasil, Dedeco afirma ser contra as paralisações e diz que, até o começo desta segunda, não acreditava que os protestos durariam por muito tempo, mas horas depois passou a ver o cenário com “outros olhos”, após notar crescimento nas manifestações pelo país.
Até a tarde desta segunda-feira, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), havia 136 protestos. Foram registradas manifestações em Alagoas, Amazonas, Acre, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande de Norte, Roraima e Rondônia.
A Procuradoria-Geral da República pediu nesta segunda-feira que o diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, preste esclarecimentos em 24 horas sobre os bloqueios nas rodovias por caminhoneiros e esclareça as providências tomadas para liberar o fluxo de veículos.
Em nota, a PRF afirma que adotou as providências para o retorno da normalidade das rodovias afetadas desde a noite de domingo. “direcionando equipes para os locais e iniciando o processo de negociação para liberação das rodovias priorizando o diálogo, para garantir, além do trânsito livre e seguro, o direito de manifestação dos cidadãos, como aconteceu em outros protestos”.
Além disso, a PRF afirma que acionou a AGU (Advocacia-Geral da União) para conseguir liberar estradas bloqueadas.
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