- Jessica Klein
- BBC Lovelife
“Nos primeiros [vários] anos do nosso casamento, tínhamos uma vida sexual incrível… e, agora que ele ficou mais velho (está agora com 30 anos), ele simplesmente não parece estar mais interessado em sexo.”
Este é um dos muitos comentários que aparecem no subgrupo r/DeadBedrooms na plataforma de rede social Reddit – autodescrito como “grupo de discussão para membros do Reddit que estão enfrentando um relacionamento com séria falta de intimidade sexual”.
Casos de frustração como este, de pessoas que estão em relacionamentos com pouco ou nenhum sexo, são frequentes.
“Por que ele prefere a própria mão a ter sexo comigo?”, pergunta uma mensagem. E a perspectiva do subgrupo é um tanto desoladora: “conselhos são sempre bem-vindos”, diz a descrição, “mas não se surpreenda ao saber que já ouvimos de tudo”.
Pode parecer natural quando essas histórias vêm de casais mais velhos que lutam para manter a faísca que tinham décadas atrás. Mas muitas são postadas por pessoas que afirmam estar na faixa entre 27 e 40 anos.
Alguns afirmam que os filhos ou casamentos interrompem suas vidas sexuais; outros dizem que seus maridos com “baixa libido” podem assistir a pornografia sem parar, mas não ficam estimulados. E a lista de queixas prossegue, com multidões de millennials postando sobre seus “quartos mortos”.
Embora os millennials (nascidos entre 1981 e 1995) estejam no seu ápice sexual, ou perto dele, existem relatos de que alguns membros dessa geração em todo o mundo estão se “afastando do sexo”. Os fóruns de millennials – incluindo o r/DeadBedrooms – confirmam essa tendência, especialmente entre os casais casados e em relacionamentos longos.
E estatísticas recentes contam uma história similar. Uma pesquisa de 2021 entre adultos com 18 a 45 anos de idade nos Estados Unidos, realizada pelo Instituto Kinsey da Universidade de Indiana e pela empresa de produtos eróticos Lovehoney, demonstrou que, entre os adultos casados, os millennials foram os mais propensos a “relatar problemas com desejo sexual no último ano”.
A pesquisa demonstrou que 25,8% dos millennials casados relataram esse problema, enquanto apenas 10,5% dos casados da geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) e 21,2% dos adultos casados da geração X (nascidos entre cerca de 1965 e 1980) relataram a mesma situação.
“O baixo nível de desejo não é necessariamente sinônimo de um casamento sem sexo”, segundo o pesquisador Justin Lehmiller, do Instituto Kinsey, mas “quando um ou os dois parceiros de um casamento enfrentam redução do desejo sexual, a frequência do sexo normalmente cai – e a perda do desejo é uma das maiores razões para que os casamentos acabem ficando sem sexo.”
Mas o que, exatamente, está acontecendo? Terapeutas sexuais e pesquisadores indicam uma série de fatores que podem explicar os casamentos sem sexo dos millennials, que vão desde os seus atuais estágios de vida até a toda-poderosa influência da internet.
Mas, independentemente das razões específicas dos problemas sexuais, esta geração está, acima de tudo, tendo que enfrentar obstáculos únicos, e até sem precedentes, para atingir vidas sexuais saudáveis.
A anatomia do casamento sem sexo
Existem diversas definições de um casamento sem sexo. Uma é literal: o casal não faz sexo nenhum por um longo período de tempo. E outra medida amplamente utilizada para definir um casamento sem sexo é ter sexo menos de 10 vezes por ano.
Os especialistas que conversaram com a BBC também apresentaram ideias variadas. O terapeuta sexual Stephen Snyder, de Nova York (Estados Unidos), afirma: “normalmente penso em ‘sem sexo’ como quatro vezes por ano ou menos”, a menos que o casal esteja “tendo sexo a cada três meses e ambos afirmam que isso é incrível”.
Já Kimberly Anderson, terapeuta sexual e professora de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em Los Angeles, nos Estados Unidos, define o limite de casamento com “pouco sexo” em menos de 25 vezes por ano. Outros afirmam que a definição é puramente subjetiva. Se um casal estiver infeliz com a frequência com que estiverem tendo sexo, existe um problema que merece ser enfrentado.
Existem muitos fatores que podem levar a um casamento sem sexo ou com pouco sexo.
Quando existe uma “discrepância do desejo”, nas palavras da terapeuta sexual Christene Lozano, da Califórnia, nos Estados Unidos, esse desequilíbrio pode crescer ao longo do tempo se o casal não fizer um bom trabalho para enfrentar a questão.
A pessoa que deseja mais sexo e insiste em começar poderá desistir e perder sua autoestima se continuar a ser rejeitada, por exemplo. Já o parceiro que o rejeita pode sentir-se cada vez mais culpado e as duas situações criam condições ainda piores para alimentar o desejo.
Outros fatores também podem contribuir, incluindo questões médicas ou de saúde mental, que podem tornar o sexo difícil, indesejável ou impossível. Vidas atribuladas com o trabalho e/ou as crianças também podem retirar o sexo da equação, da mesma forma que a falta de comunicação entre os desejos de cada parceiro.
Embora esses aspectos que contribuem para casamentos sem sexo não sejam específicos de nenhuma geração, alguns especialistas observaram uma mudança nas pessoas que vivenciam relacionamentos sem sexo e em qual período da vida.
“[Os casais] estão passando a ficar sem sexo em menos tempo”, acredita a terapeuta sexual Celeste Hirschmann, de San Francisco, nos Estados Unidos. Ela analisa clientes há cerca de 20 anos e costumava observar, entre seus pacientes, que levava cerca de 10 a 15 anos para que os casais parassem de ter sexo. “Agora, pode estar levando de três a cinco”, segundo ela.
Anderson trabalha como terapeuta sexual há 30 anos e afirma que a demografia dos casamentos sem sexo, de fato, mudou desde que ela começou a trabalhar.
“Trinta anos atrás, a maior parte dos casais em casamentos sem sexo que eu tratava tinha mais de 50 anos de idade”, ela conta. Eles enfrentavam a queda da libido com as mudanças hormonais e as doenças decorrentes do envelhecimento.
Mas, hoje, a maioria dos casais em casamentos sem sexo que procuram Anderson tem 45 anos ou menos. “A dinâmica por trás do processo é muito diferente da que existe/existia com os casais mais velhos”, ela conta.
O peso do estresse
Estresse em demasia pode atrapalhar a vida sexual de qualquer pessoa – e os millennials, especialmente, têm sérios problemas com cortisol, o hormônio controlador do estresse.
“O estresse é um dos maiores assassinos da libido”, afirma Lehmiller, “e os millennials são um grupo particularmente estressado de muitas formas, especialmente em comparação com a geração X”.
Os principais estágios da vida são um fator. Muitos millennials estão na idade em que estão sendo pais pela primeira vez ou têm filhos pequenos. É uma fase extenuante da vida das pessoas.
Em um estudo realizado em 2018 pela rede de aconselhamento britânica Relate, 61% das pessoas na casa de 30 anos de idade relataram ter menos sexo do que gostariam porque “as crianças atrapalham”, enquanto 31% disseram que “perderam sua libido desde que tiveram filhos”.
Outras dificuldades dessa geração também surgem do estresse, já que os millennials já estavam atrás das gerações anteriores na busca por objetivos de vida, como a compra de casas. Agora, com os preços disparando e o débito estudantil cada vez maior, os millennials estão sob forte tensão, especialmente financeira.
Mas, acima de tudo, o estado atual do mercado de trabalho está dominando o estresse. Dados da empresa de consultoria global Deloitte, coletados em cinco países em maio de 2022, revelaram que 38% dos millennials relatam enormes problemas de saúde mental, especialmente as mulheres (41%) em comparação com os homens (36%), causados, em grande parte, pela ansiedade no trabalho.
É claro que o ambiente de trabalho nunca foi particularmente estável ou livre de grandes tensões para os millennials. “Muitos millennials começaram suas carreiras durante a Grande Recessão, por exemplo”, afirma Lehmiller. E a pressão adicional da pandemia de covid-19 trouxe ainda novos conflitos.
“Em tempos de grandes mudanças tecnológicas, as pessoas tendem a trabalhar demais”, acrescenta Snyder. E os dados demonstram que os millennials são particularmente workaholics.
O trabalho em excesso, muitas vezes, leva à exaustão, que pode fazer com que os casais frequentemente estejam cansados demais para o sexo no final de um longo dia – um padrão que os especialistas consultados afirmam poder perdurar se for repetido com muita regularidade.
E as preocupações com a estabilidade financeira apenas exacerbam o problema. “Maiores preocupações financeiras, alinhadas às taxas mais altas de depressão e ansiedade, podem ser uma combinação particularmente potente para produzir alto estresse e baixo desejo sexual”, afirma Lehmiller.
Redes sociais, pornografia e redução da vida sexual
A influência da internet também não pode ser subestimada.
Snyder descreve as redes sociais como “distração” das atividades interpessoais físicas, como o sexo, mas Hirschmann acredita que o seu papel para o aumento dos casamentos sem sexo é muito mais profundo.
Ela afirma que elas levam à maior “consciência da imagem” entre os millennials – a primeira geração totalmente engajada no uso intenso das redes sociais.
As pessoas sentem necessidade de mostrar perfeição nessas plataformas, segundo ela, com filtros e retoques que não são disponíveis na vida real. A autoconsciência resultante pode acompanhar as pessoas para a cama e o casamento, fazendo com que elas sejam menos confiantes no seu corpo.
Segundo os dados de 2018 da Relate, 37% das pessoas com menos de 30 anos de idade que estavam em parcerias com pouco sexo relataram autoconsciência sobre os seus corpos, enquanto apenas 14% das pessoas com 60 anos ou mais afirmaram passar pela mesma situação.
Além das redes sociais, os especialistas concordam que a pornografia tem grande influência sobre os millennials, já que muitos deles ficaram maiores de idade quando a pornografia estava começando a se tornar amplamente acessível online. É claro que esta é uma enorme mudança com relação às gerações anteriores.
“No século 20, alguns rapazes costumavam ser sexualmente compulsivos com muitas mulheres”, relembra Snyder. “Hoje em dia, eles costumam simplesmente assistir a muita pornografia.”
Em outras palavras, eles não precisam procurar sexo com alguém para ter uma experiência que envolva outras pessoas, mesmo se essas pessoas estiverem apenas em vídeo.
Anderson tem muitos clientes homens com menos de 45 anos de idade em casamentos sem sexo que sofrem de “disfunção erétil induzida por pornografia”, uma condição que torna impossível ou muito difícil ter uma ereção sem pornografia, com alguém da vida real. Isso pode fazer com que eles prefiram ter sexo solo e não com outra pessoa.
Ela explica que alguns deles se acostumaram a ter total controle sobre o seu prazer, ou às imagens mais extremas que eles veem na pornografia, com as quais seu sexo de casado não pode competir.
“‘A pornografia nunca me rejeita’ ou ‘a pornografia nunca critica meu desempenho’ são comentários comuns no meu consultório”, afirma Anderson.
‘Quartos mortos’ para sempre?
É claro que os millennials não podem mudar o fato de que eles entraram no mercado de trabalho durante uma recessão e agora estão começando a sair de mais uma. E também não podem apagar a influência da pornografia ou das redes sociais.
É claro que a falta de sexo é um tema sobre o qual algumas pessoas têm dificuldade de falar até com a pessoa com quem compartilham a cama, o que dificulta ainda mais a compreensão dessas questões e a busca de soluções.
Como alguém escreveu no subgrupo do Reddit r/DeadBedrooms recentemente, com vidas atribuladas e inúmeras pressões, até levantar o assunto pode parecer impossível.
“Eu simplesmente nem sei mais o que pedir”, escreveu uma mulher em dificuldades. “Eu quero consertar isso, mas simplesmente não sei como.”
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