A família de Éder Jofre decidiu doar o cérebro do ex-pugilista ao laboratório de medicina da Universidade de São Paulo (USP) para ser usado em estudos sobre o efeito de impactos na cabeça para esportistas. A ideia é atestar, de maneira definitiva, se ele, que morreu no início do mês, aos 86 anos, tinha encefalopatia traumática crônica, antes conhecida como demência pugilística.
O anúncio foi feito durante uma entrevista coletiva com a presença do neurologista Renato Anghinah, que participará dos estudos após ter acompanhado Jofre durante grande parte de seu tratamento.
O médico afirma que se trata de uma série de estudos de longo prazo. O cérebro do capitão do Brasil no título da Copa do Mundo da Suécia, em 1958, Bellini, por exemplo, também foi doado após a sua morte, há oito anos, para que pudesse ser submetido ao mesmo tipo de análise.
— É um exemplo de como a roda da ciência gira. O Éder Jofre se beneficiou de diagnósticos mais precisos, diferente do passado, quando se daria um diagnóstico de doenças comuns. Ele se beneficiou de estudos feitos nos Estados Unidos em atletas da NFL (liga de futebol americano), assim como de boxeadores analisados fora do país, de jogadores de rúgbi, de hóquei sobre o gelo. E, para fazer com que essa roda girasse, ele se colocou à disposição, para que as gerações que viessem em seguida pudessem entender melhor essas doenças — explica.
Para Anghinah, é importante que haja a maior quantidade possível de material para análise, nesse caso de cérebros, para que os estudos diagnósticos avancem. O médico conta que Jofre já tinha manifestado a intenção de doar o órgão e chamar a atenção para a necessidade de se deixar, quando necessário, órgãos disponíveis para estudo científicos.
Segundo o neurologista, no Brasil, infelizmente, ainda não há estímulo para a doação de órgãos para esse tipo de pesquisa, diferente do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, onde o assunto é tratado de maneira mais ampla.
— É importante citar a grandeza e a generosidade dele, que manifestou que queria doar [o cérebro para estudo]. Uma generosidade muito grande da família também, porque o fato de uma pessoa querer doar qualquer coisa, no Brasil, não garante nada. A família tem que autorizar depois [da morte] essa doação — explica Anghinah.
Diferente do período em que Bellini teve o cérebro doado — para pesquisas científicas realizadas fora do Brasil —, a doação de Éder, segundo Anghinah, será benéfica para a país, que, por meio da Faculdade de Medicina da USP, terá, pela primeira vez, um laboratório capaz de utilizar o órgão para fins de estudo.
— Antes, as pessoas com encefalopatia traumática crônica tinham um diagnóstico de demência. A partir dos anos 2000, principalmente nos Estados Unidos, já começaram a ser feitas análises post mortem. Isso levou a uma evolução que permitiu dar uma possibilidade de diagnóstico em vida. Por isso, o primeiro intuito do estudo é confirmar o diagnóstico clínico dado a ele, que definiu o tratamento ao qual ele ia ser submetido. Agora, analisando o cérebro, a gente via conseguir saber se é uma encefalopatia traumática crônica ou se é outro o diagnóstico — afirmou.
Premiado
Éder Jofre, que entrou para Hall da Fama do boxe em 2021, morreu no início do mês, em São Paulo. Em março deste ano, o “Galo de Ouro” já havia ficado internado por causa de uma pneumonia e faleceu em razão de complicações da doença. O paulista também sofria de encefalopatia traumática crônica, diagnosticada em 2015.
Jofre era considerado por muitos como o maior boxeador peso galo brasileiro de todos os tempos. Ele foi campeão mundial da categoria de 1960 a 1965. Em 1973 conquistou o título mundial como peso pena, uma categoria acima do peso galo.
Apontado pela revista The Ring, em 1997, como o nono maior pugilista de todos os tempos, Éder ganhou uma biografia em 2021 lançada nos Estados Unidos pelo jornalista e escritor americano Chris Smith: Éder JofreOFRE: primeiro campeão mundial de boxe do Brasil.
Trajetória
Jofre nasceu no dia 26 de março de 1936, na Rua do Seminário, no Centro de São Paulo e se aposentou do esporte com 81 lutas, 75 vitórias (52 por nocaute), quatro empates e duas derrotas. Éder foi o primeiro brasileiro a deter um cinturão de relevo mundial no boxe, e ainda por cima sagrou-se tricampeão mundial dos pesos pena e galo.
Em 1956, Éder Jofre disputou os Jogos Olímpicos, em Melbourne, na Austrália. Apesar de ser apontado como favorito a uma medalha, o brasileiro quebrou o nariz durante a preparação para a competição e mesmo com dificulade para respirar continuou nos jogos, mas acabou derrotado nas quartas de final.
Jofre, enfim, se tornou o primeiro boxeador brasileiro campeão do mundo, em 1960. A luta, que aconteceu no auditório Olímpico, em Los Angeles, terminou no sexto round, quando ele nocauteou o mexicano Eloy Sanchez e conquistou o título do peso galo pela Associação Mundial de Boxe (WBA), aos 24 anos. Antes desse triunfo, ele jpa havia sido campeão brasileiro, sul-americano e latino-americano do peso galo.
Durante cinco anos, Jofre se manteve no topo. Até que o japonês Masahiko “Fighting” Harada impôs as duas únicas derrotas de sua carreira profissional. Depois do segundo revés, Éder decidiu se aposentar e iniciou uma série de lutas de exibição em circos, praças e ginásios.
Três anos depois, Jofre resolveu voltar ao boxe. Mais velho, optou pelo peso pena e demonstrou que continuava com a técnica responsável por torná-lo um lutador único no mundo. E, no dia 5 de maio de 1973, em Brasília, ele derrotou o cubano naturalizado espanhol José Legrá, se tornando o novo campeão mundial da categoria peso pena.
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Fonte: Folha PE