- Mayeni Jones
- Correspondente da BBC na África Ocidental
O golpe de Estado mais recente em Burkina Faso foi marcado por imagens de jovens agitando bandeiras russas nas ruas da capital, Ouagadougou — algo que deve ter agradado muito ao Kremlin.
Embora tenha sido um número bem reduzido de bandeiras, provocou especulações de que pode ter havido algum envolvimento russo nos eventos que levaram o capitão Ibrahim Traoré a tomar o poder no país, assolado pela crescente violência jihadista.
Yevgeny Prigozhin, um oligarca próximo ao presidente russo, Vladimir Putin, e fundador do Wagner Group — organização mercenária ativa em vários países africanos — parabenizou o jovem líder da junta, descrevendo-o como “um filho verdadeiramente digno e corajoso de sua pátria”.
“O povo de Burkina Faso estava sob o jugo dos colonialistas, que roubavam o povo e jogavam seus jogos vis, treinavam, apoiavam gangues de bandidos e causavam muito sofrimento à população local”, disse ele, se referindo à França, ex-potência colonial.
E aqueles que acolheram o golpe na nação da África Ocidental não apenas agitaram bandeiras russas, como também atacaram instituições francesas, incluindo a embaixada.
A violência gerou inquietação em toda a região, demonstrando mais uma vez a força do ressentimento em relação aos franceses em muitas das ex-colônias do país na África.
Por quase uma década, a França vem tentando ajudar os exércitos na região do Sahel — uma faixa de terra semiárida ao sul do deserto do Saara que inclui Burkina Faso — para combater militantes jihadistas, alguns dos quais estão ligados à Al-Qaeda ou ao Estado Islâmico.
Mas recentemente se retirou do vizinho Mali, também uma ex-colônia, após romper relações com a junta militar local, acusada de recorrer cada vez mais à Rússia em busca de ajuda para combater os militantes.
Sergei Markov, ex-assessor do Kremlin, foi mais direto em suas observações: “Nosso povo ajudou o novo líder [de Burkina Faso]. Mais um país africano passará da cooperação com a França para uma aliança com a Rússia”.
Para o analista geopolítico Samuel Ramani, isso marca uma mudança da reação usual da Rússia à instabilidade política na região.
“Em golpes anteriores, a Rússia tentou se posicionar como beneficiária acidental de mudanças de regime”, diz Ramanai, do Royal United Services Institute (Rusi), um think tank de defesa e segurança.
“Desta vez, a Rússia está muito mais proativa no apoio ao golpe, e isso levou à especulação de que a Rússia desempenhou um papel de coordenação”, acrescenta o especialista, que é autor do livro Russia in Africa.
Isso aponta para o Wagner Group, embora a Rússia tenha negado consistentemente que os mercenários tenham qualquer conexão com o Estado e não haja evidências de envolvimento direto da Rússia.
Pouco depois de assumir o poder, o capitão Traoré deixou claro que queria trabalhar com novos parceiros internacionais para combater grupos militantes islâmicos que atuam no país desde 2015.
Muitos presumiram que ele se referia aos russos.
Mas com o foco em derrotar os jihadistas, ele diz que também está aberto a trabalhar com os EUA ou qualquer outro país disposto a ajudar a melhorar a falta de segurança no país.
Os EUA organizam um grande exercício anual de treinamento antiterrorista para países da África Ocidental — embora neste ano tanto Mali quanto Burkina Faso não participaram da chamada Operação Flintlock.
“Acho que Burkina Faso quer evitar a armadilha em que o Mali caiu”, diz Ramani, observando que a junta do Mali foi muito hostil em relação aos europeus e americanos desde que assumiu o poder em 2020.
“Eles agora estão completamente dependentes e tomados pelo Estado russo”, afirma.
“Uma vez que os russos entram, eles não conseguem tirá-los. A mesma coisa aconteceu na República Centro-Africana.”
O Wagner Group atua na República Centro-Africana desde 2018 — e seus membros são acusados de violações de direitos humanos, incluindo assassinatos em massa, tortura, desaparecimentos forçados e estupro.
Presença de mercenários
Responsabilizar grupos como o Wagner pode ser difícil, diz Sorcha MacLeod, professora associada da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre o Uso de Mercenários.
“Quando você tem esses representantes mercenários lá, o Estado pode se envolver em um conflito armado, sem ser uma parte oficial do conflito.”
“E então você tem uma negação plausível… e é claro que isso tem implicações enormes quando se trata de responsabilidade e prestação de contas.”
Além disso, sua própria presença pode ser contraproducente, segundo ela.
“Quando esses tipos de atores são inseridos em conflitos armados, o conflito se prolonga e há maior risco de crimes de guerra.”
“A realidade é que essas organizações não têm incentivo para acabar com um conflito. Elas são motivadas financeiramente.”
Os EUA concordam, dizendo que os mercenários russos estão explorando recursos naturais na República Centro-Africana, no Mali e no Sudão para financiar a guerra de Moscou na Ucrânia.
Em uma advertência clara na semana passada, a embaixadora dos EUA na ONU disse que era um preço alto para a África pagar.
“Em vez de ser um parceiro transparente e melhorar a segurança, o Wagner explora os estados clientes que pagam por seus serviços de segurança opressivos em ouro, diamantes, madeira e outros recursos naturais — isso faz parte do modelo de negócios do Wagner Group”, afirmou Linda Thomas-Greenfield em um briefing do Conselho de Segurança da ONU.
“Sabemos que esses ganhos ilícitos são usados para financiar a máquina de guerra de Moscou na África, no Oriente Médio e na Ucrânia.”
Isso tudo pode explicar a relutância do capitão Traoré em colocar todos os seus ovos na cesta da Rússia.
“Acho que Traoré está tentando resguardar suas apostas e mostrar que pode tentar equilibrar todos os lados”, diz Ramani.
“Mas é claro que qualquer cooperação com a Rússia vai quase certamente ser uma sentença de morte para a França e para o Ocidente. Os americanos e os franceses não vão coexistir com os russos.”
“Esse é o dilema de Traoré — ele fica do lado da Rússia? Ou se esquiva e corre o risco de não ter um apoiador externo real.”
No entanto, a raiva demonstrada pelo jovem de Burkina Faso mostra que lidar com a ameaça jihadista deve ser a prioridade do novo líder da junta.
Um líder regional observou nesta semana que o país estava “à beira do colapso” por causa da insegurança.
No entanto, há dúvidas sobre quão eficazes os combatentes do Wagner Group seriam em Burkina Faso.
Embora membros do grupo estejam ativos no Mali há menos de um ano, os primeiros sinais não parecem bons, uma vez que os ataques jihadistas estão aumentando, e eles estão sendo acusados de abusos dos direitos humanos.
O país está voltando a ser o epicentro da crise no Sahel, registrando o maior número de mortes decorrentes de ataques de militantes neste ano até agora.
Além disso, 2022 deve ser o ano mais mortal para Burkina Faso e Mali desde o início da insurgência.
“O Wagner é bom em criar caos. Mas como força de combate, ele tem dificuldade, principalmente em terrenos novos e hostis”, afirma Ramani.
Ainda assim, ele acredita que as juntas na região do Sahel podem optar por trabalhar com mercenários russos dado o fracasso da França em impedir a propagação da violência.
Além disso, a Rússia é um aliado estrangeiro muito menos exigente.
“A Rússia é vista como um parceiro que não se intromete em termos de direitos humanos e democracia”, diz Ramani.
“Nem tenta impor seu modo de vida a você — e isso é visto como muito desejável para aspirantes a autocratas e cleptocratas.”
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