• Rafael Tonon
  • Do Porto (Portugal) para a BBC News Brasil

Crédito, Alexander Spatari / Getty Images

Você já pode revirar os olhos de contentamento ou até deixar escapar um gemido na mesa do restaurante (talvez sem o talento de Meg Ryan) quando o garçom trouxer seu próximo prato de comida. A ciência, ao menos, estará do seu lado.

Um novo estudo realizado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) comprovou que a ideia de food porn é real, e não apenas uma hashtag. Ou seja, existe uma nova constelação de neurônios de processamento de imagens identificadas pelos especialistas que são estimulados exclusivamente por imagens de comida.

Esses neurônios ativados por imagens de alimentos (e até então desconhecidos) estão localizados no córtex visual, a parte do cérebro que processa e interpreta os estímulos enviados pelos olhos, ao lado de outros que respondem especificamente a rostos, corpos, lugares ou palavras, por exemplo — estes anteriormente mapeados.

A descoberta nos ajuda a entender o significado especial dos alimentos na cultura humana, dizem os pesquisadores. Isso porque a comida não é apenas criticamente importante para a sobrevivência, mas ocupa um sentido fundamental na forma como organizamos nossa vida social.

“O alimento é central para as interações sociais humanas e práticas culturais. Não é apenas sustento”, comenta sobre o estudo Nancy Kanwisher, professora de neurociência cognitiva do MIT e uma das precursoras nos estudos dos neurônios do fluxo visual ventral — foi ela quem descobriu, há duas décadas, regiões corticais que respondem seletivamente aos rostos.

“A comida é essencial para muitos elementos de nossa identidade cultural, prática religiosa e interações sociais (…). Interessante que tenhamos neurônios que sejam especialmente estimulados por ela.”

As recentes descobertas vieram à tona a partir de uma análise de um grande banco de dados público de respostas do cérebro humano a um conjunto de 10.000 imagens que o pós-doutorando do MIT Meenakshi Khosla, principal autor do artigo, e seu colega e pesquisador, N. Apurva Ratan Murty, estavam fazendo.

De pizza a maçãs

Os dados, a partir de um método matemático, foram captados através de ressonância magnética funcional de cérebro inteiro (fMRI) de oito pessoas enquanto visualizavam milhares de imagens.

O objetivo era tentar perceber se as principais seletividades de estímulos visuais (rostos, lugares, palavras, etc) se confirmavam ou se poderia haver algumas que os estudos anteriores não tenham identificado.

Batata: foi só analisar as imagens para perceber que os alimentos estimulavam uma nova população de neurónios até então não estudada. “Ficamos bastante intrigados com isso porque a comida não é uma categoria visualmente homogênea”, diz Khosla, em um artigo publicado pelo MIT.

“Coisas como maçãs, milho e macarrão parecem tão diferentes umas das outras, mas encontramos uma única população [de neurônios] que responde de maneira semelhante a todos esses diversos itens alimentares.”

Crédito, Rafe Swan / Getty Images

Ou seja, ao identificar algo como “comestível”, neurônios específicos do nosso cérebro são ativados. Para não ter dúvida de que esses neurónios respondiam mesmo à comida, e não apenas a forma dela, os cientistas usaram imagens com formatos semelhantes, como uma banana e a lua crescente amarela, ou até fotos de chihuahua ao lado de muffins — ideia que, segundo conta Khosla, surgiu de um meme que viralizou nas redes.

“Embora a maioria das imagens mais bem classificadas sejam de alimentos preparados (por exemplo, uma fatia de pizza), os alimentos in natura (por exemplo, brócolis, cenoura, banana etc.) também mostraram grande evidência na seletividade alimentar”, diz o estudo.

Isso significa que uma fatia de pizza com queijo derretido atinge os neurônios de forma diferente e mais potente que frutas ou vegetais crus. As fotos com “cores mais quentes e saturadas, curvatura mais alta e uma estrutura espacial complexa com textura rica” tiveram mais respostas, afirma a publicação.

Pode ser uma evidência, por exemplo, do porquê fotos de ovos com gema mole, chocolate derretido, ou mesmo uma porção generosa de molho de tomate sobre a macarronada podem gerar mais engajamento do que outras em que o alimento aparece antes de ser processado.

‘Food porn’ e as redes

Embora cunhada em 1984 pela crítica feminista Rosalind Coward, em seu livro Female Desire, a expressão food porn foi mesmo difundida com o advento das redes sociais, especificamente o Instagram, em que fotos de comidas suntuosas e hedonistas trazendo pingos, texturas, caldos e molhos se tornaram extremamente populares, levando à viralização da hashtag #foodporn (atualmente com mais de 290 milhões de posts na plataforma).

Nos filmes e séries de televisão, o artifício de fazer “closes pornográficos” para atiçar o apetite e prender a atenção do espectador passou a ser mais usado a partir do documentário O Sushi dos Sonhos de Jiro, lançado em 2011.

No filme, uma cinematografia expansiva “enfatiza tomadas longas e quase sensuais enquanto os chefs cortam um atum vermelho e massageiam um polvo até ele ficar perfeitamente macio”, como recentemente publicou o portal Eater.

O diretor de Jiro depois aperfeiçoou a técnica: David Gelb é o responsável pelo sucesso de Chef’s Table, da Netflix, que mostra chefs do mundo todo cozinhando diante de câmeras tão precisas e com tamanha resolução que poderiam estar filmando as penas de um pássaro ou a textura da asa de um inseto nesses programas de natureza — uma inspiração dele, aliás.

Hoje, a estética food porn se tornou bastante difundida e até habitual, mas é quase impossível pensar na food que vemos nas telas (da televisão, mas também dos celulares) sem o porn que a acompanhou por tanto tempo.

De volta ao estudo, os pesquisadores querem detalhar quais alimentos e que tipo de imagens podem ter ainda mais resposta no nosso cérebro, induzindo esses estímulos arbitrários por meio do modelo preditivo e muitas mais imagens. No futuro, esperam explorar como fatores como familiaridade a um alimento e gostar ou não de uma determinada comida podem afetar as respostas.

Eles sabem que existe um componente alimentar ventral (VFC) nos nossos cérebros, espalhado por dois aglomerados de neurônios, que respondem ao menor estímulo de uma comida na nossa frente.

Se a quantidade de fotos de receitas que vemos todos os dias em múltiplas telas contribuiu para aprimorá-los é algo que ainda precisa ser comprovado. Mas já não há dúvidas de que uma foto de pizza pode acender neurônios adormecidos dentro de nós.

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