- Juan Francisco Alonso
- BBC News Mundo
“Ou nos dão o governo ou iremos a Roma tomá-lo.”
Com estas palavras, em 24 de outubro de 1922, Benito Mussolini conclamou seus seguidores — muitos deles armados — na Praça do Plebiscito, em Nápoles, a tomar a capital italiana para pressionar o rei Vítor Manuel 3° a entregar a ele o poder.
Seu Partido Nacional Fascista (PNF) era, na época, uma força marginal no Parlamento, com apenas 35 de um total de 535 deputados. A ameaça era grave, mas poucos a levaram a sério.
E, para surpresa até mesmo dos seus próprios seguidores, Mussolini, que era jornalista e antigo revolucionário socialista, atingiu seu objetivo e instalou o primeiro regime fascista da história.
Seu sucesso acabaria trazendo graves consequências, não só para o país, mas para o restante da Europa e do mundo nos anos que se seguiram.
Às vésperas de completar 100 anos destes acontecimentos, a BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, conversou com historiadores, analistas e cientistas políticos para aprofundar o que aconteceu.
O mito da revolução
A chamada Marcha sobre Roma foi uma operação liderada por Mussolini para tomar o poder com uma insurreição.
A mobilização ocorreu entre 27 e 28 de outubro de 1922, quando dezenas de milicianos fascistas, conhecidos como “camisas negras” devido aos seus uniformes, começaram a tomar cidades e vilarejos no norte e no centro da Itália, depondo suas autoridades legítimas e invadindo repartições militares e policiais.
Depois de controlar cidades como Pisa, Florença e Cremona, em alguns casos de forma violenta, os “camisas negras” – alguns, armados com baionetas roubadas das forças de manutenção da ordem, mas a maioria com escopetas, pistolas ou paus – rumaram para Roma.
Na capital, o então primeiro-ministro Luigi Facta ordenou ao Exército e à polícia que impedissem a entrada das hordas de Mussolini “por qualquer meio”. E, no dia 28 de outubro, apresentou ao rei um decreto declarando estado de sítio, o que lhe permitiria deter os insurgentes.
Mas o monarca não assinou o documento. E, em resposta à negativa, Facta renunciou.
Um dia depois, Vítor Manuel 3° entregou o governo ao líder dos rebeldes, que primeiramente recusou devido às condições impostas pelo rei de compartilhar o poder com setores mais moderados. O rei então desistiu das condições e Mussolini, que estava em Milão, viajou para Roma para aceitar a “oferta”.
Mesmo conseguindo seu objetivo, os fascistas acabaram invadindo a Cidade Eterna e, no dia 31, desfilaram pelo Palácio do Quirinal, que era então a residência real.
“Um dos mitos centrais do fascismo foi o seu assalto ao poder em outubro de 1922. Na verdade, o poder foi entregue a eles de bandeja”, segundo explica o historiador Álvaro Lozano, autor do livro Mussolini y el Fascismo Italiano (“Mussolini e o fascismo italiano”, em tradução livre).
Golpe de sorte
Lozano afirma que a marcha esteve longe de ser a epopeia apresentada por seus seguidores.
“Depois de dias de chuvas torrenciais sobre Roma, seus membros não eram nada parecidos com as legiões de César, como sonhava Mussolini”, ele conta.
“Do ponto de vista militar, a marcha foi uma operação mal planejada”, explica o historiador. “Os 12 mil homens da 16ª Divisão de Infantaria do Exército poderiam ter acabado com os fascistas sem maiores dificuldades. A marcha foi produzida entre o caos e a desorganização. (…) Foi uma jogada de pôquer na qual Mussolini se saiu bem.”
Um fator que favoreceu os insurgentes foi a falta de coordenação das autoridades. Exceto por algumas exceções, as forças de segurança não agiram contra os rebeldes.
Aproveitando os erros do adversário
Em 1919, Mussolini fundou o grupo Fasci Italiani di Combattimento, uma organização formada por veteranos da Primeira Guerra Mundial.
O movimento originalmente defendia o republicanismo, a participação dos trabalhadores na gestão industrial ou a desapropriação das organizações religiosas, mas os maus resultados obtidos nas urnas fizeram com que eles mudassem de posição.
Eles adotaram o nacionalismo e começaram a exercer oposição radical ao socialismo, o que os fez ganhar adeptos entre os empresários, o Exército e os setores mais conservadores da sociedade italiana.
“Até meados de 1922, a Itália estava à beira do colapso, em consequência do derretimento da economia”, segundo Lozano.
“No final de julho de 1922, os sindicatos socialistas convocaram uma greve geral para forçar o governo a agir contra os fascistas. Mussolini aproveitou a oportunidade para demonstrar que a esquerda representava uma séria ameaça e que somente o fascismo era capaz de combatê-la”, acrescenta o historiador.
“Os fascistas tomaram o controle do transporte público e garantiram que os serviços postais continuassem funcionando”, segundo Lozano. “Se os grevistas protestassem, eram brutalmente agredidos. (…) Mussolini conseguiu apresentar-se como a garantia da lei e da ordem.”
O economista venezuelano Humberto García Larralde, autor do livro El Fascismo del Siglo 21: La Amenaza Totalitaria del Proyecto Político de Hugo Chávez (“O fascismo do século 21: a ameaça totalitária do projeto político de Hugo Chávez”, em tradução livre), acrescenta outro elemento para explicar o auge do movimento: as sequelas da Primeira Guerra Mundial.
“A Itália estava do lado dos vencedores, mas não recebeu os territórios adicionais esperados por parte dos aliados e isso fez com que amplos setores da sociedade se sentissem parte dos derrotados”, explica Larralde.
Medo, resignação ou ambos?
Como se já não fosse suficiente, Mussolini, ao assumir o governo, também renegou o sistema democrático vigente na Itália.
“O fascismo não é uma reunião de políticos, mas de guerreiros. (…) Somos uma formação de combate que se consolida por meio de tiros, incêndios e destruições”, advertiu Mussolini em setembro de 1922. Logo ele seria conhecido como “Il Duce” (líder ou caudilho).
Mas, com este contexto, por que o rei não declarou estado de sítio e recorreu ao Exército para impedir Mussolini?
Para Lozano, pode ter havido diversos motivos. “Como os principais políticos pareciam aceitar que Mussolini entrasse no governo, o rei pensou que a resistência não fazia muito sentido”, explica ele.
O historiador recorda que havia muitos simpatizantes do fascismo no Exército italiano, “que não era confiável no caso de uma crise”. E, por fim, ele acrescenta que “o rei pode ter receado que seu primo, o duque de Aosta (Emanuel Felisberto), simpatizante do fascismo, pudesse ser considerado candidato ao trono”.
A explicação que o monarca deu em 1945 aos senadores foi “evitar derramamento de sangue”, segundo o historiador italiano Emilio Gentile no seu livro E fu Subito Regime: Il Fascismo e la marcia su Roma (“E surgiu o regime: o fascismo e a marcha sobre Roma”, em tradução livre).
O rei afirmou que “as autoridades garantiram que os fascistas armados que chegaram a Roma eram 100 mil”, segundo o historiador. A decisão do monarca não só levaria ao fim da frágil democracia italiana, mas também da própria monarquia que ele pretendia proteger.
‘Um movimento que insiste em não morrer’
A vitória de Giorgia Meloni nas eleições gerais italianas de 25 de setembro de 2022 trouxe o fascismo de volta às discussões. Meloni é líder do partido Irmãos da Itália, originário da reestruturação do Movimento Social Italiano de Direita Nacional (MSI), criado por antigos simpatizantes de Mussolini.
Mas os especialistas acreditam que não existem motivos de alarme.
“A relação de Meloni com Mussolini é regida pela nostalgia. (…) Apesar da retórica dominante sobre o retorno da extrema direita, não existem condições para o retorno à ditadura fascista”, segundo explicou à BBC News Mundo o analista italiano Alberto Alemanno, professor de direito comunitário da Escola de Estudos Econômicos HEC de Paris, na França.
“Existem elementos que indicam rápida erosão das infraestruturas democráticas, similares às que existiam um século atrás, quando o nazifascismo encontrou um terreno fértil na Europa”, segundo o professor.
“Hoje em dia, existem muito mais controles e equilíbrios, dentro e fora do governo, com uma sociedade civil tecnologicamente empoderada que fiscaliza os governos.”
Já Lozano adverte que o fascismo é uma ideologia que “insiste em não morrer” porque “conta com uma forte atração como caminho intermediário entre o comunismo e o capitalismo, atraindo eleitores desencantados com os políticos tradicionais”.
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