• Mariana Alvim
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

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‘Acho que, privadamente, os membros da indústria de pesquisa reconheceriam que seu campo está passando por muitas dificuldades agora’, afirma W. Joseph Campbell, autor do livro ‘Lost in a Gallup: Polling Failure in U.S. Presidential Elections’

“Não é exagero dizer que o mercado das pesquisas eleitorais está passando por uma crise”, diz à BBC News Brasil o professor W. Joseph Campbell, que nos últimos anos tem se dedicado ao estudo dessas sondagens nos Estados Unidos.

Autor do livro Lost in a Gallup: Polling Failure in U.S. Presidential Elections (algo como “Perdidos na Gallup: Falhas em pesquisas nas eleições presidenciais americanas”) e professor de comunicação na American University, em Washington, Campbell afirma que o sempre difícil e custoso trabalho de fazer pesquisas eleitorais se deparou nos anos recentes com novos desafios — como pessoas pouco dispostas a participar das entrevistas, seja por orientação política, seja por não aguentarem mais receber ligações telefônicas indesejadas de números desconhecidos.

Independente dos motivos, fato é que, nos EUA, os institutos de pesquisa estão passando por uma sequência sem precedentes de descompasso entre expectativas acerca do comportamento do eleitorado e a realidade revelada pelas urnas, ele diz.

“Em 2020, as falhas das pesquisas foram as piores em 40 anos, desde 1980, na eleição de Ronald Reagan contra Jimmy Carter. Joe Biden ganhou em 2020 com cerca de 4,5% pontos percentuais de vantagem no voto popular, e alguns institutos chegaram bem perto disso. Mas a maioria ficou longe, com alguns estimando uma vantagem de 10 pontos sobre Donald Trump”, afirma Campbell, que trabalhou como jornalista por 20 anos e é doutor em comunicação. “Nas últimas cinco eleições presidenciais, os institutos de pesquisa como um todo subestimaram os votos para o partido Republicano.”

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Nas urnas, distância entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva não foi tão grande quanto previam as pesquisas eleitorais

No Brasil, o debate acerca das pesquisas eleitorais se intensificou depois do primeiro turno, realizado no domingo (02/10). A distância entre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) foi menor do que mostravam sondagens na véspera. As pesquisas Datafolha e Ipec mostravam uma vantagem de cerca de 14 pontos percentuais do petista sobre o atual presidente — o Datafolha estimou em 36% o número de votos válidos de Bolsonaro, e o Ipec, em 37%, o que daria, em uma conta simples, em torno de 42 milhões dos votos válidos. O atual presidente teve, na realidade, 51 milhões de votos válidos, ou seja, 43,2%, acima da margem de erro das pesquisas, de dois pontos percentuais.

Além disso, na disputa pelos governo estaduais, a eleição no Rio de Janeiro foi vencida no primeiro turno pelo atual governador Cláudio Castro (PL), quando as principais pesquisas previam que ele iria para o segundo turno contra Marcelo Freixo (PSB). Em São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) acabou em primeiro lugar, enquanto nas pesquisas aparecia em segundo, atrás de Fernando Haddad (PT) — eles disputam agora o segundo turno. Também no Rio Grande do Sul, Onyx Lorenzoni (PL) ficou em primeiro lugar e Eduardo Leite (PSDB) em segundo, quando nas pesquisas a ordem era inversa. Lorenzoni e Leite também disputarão o segundo turno.

Nesta terça-feira (04/10), o ministro da Justiça, Anderson Torres, afirmou que pediu à Polícia Federal que abra um inquérito sobre os institutos de pesquisa. Outro ministro do governo Bolsonaro, Fábio Faria, das Comunicações, pediu que apoiadores do presidente não respondam a pesquisas eleitorais, as quais acusou de serem uma “arma de manipulação”.

A BBC News Brasil entrevistou W. Joseph Campbell por videochamada na segunda-feira (03/10), mas no dia seguinte, pediu um posicionamento do professor americano sobre punições propostas por políticos contra institutos de pesquisa.

“Propor punições para pesquisas eleitorais que erram o alvo parece algo sem sentido — e provavelmente se trata de uma arrogância política. Nos Estados Unidos, tais iniciativas rapidamente entrariam em conflito com as proteções da Primeira Emenda”, respondeu o pesquisador, referindo-se ao texto da Constituição americana que garante a livre expressão.

Desistências e novos formatos

Campbell afirma que, nos EUA, a reação dos institutos de pesquisa à crise recente tem se dividido em dois caminhos.

“Alguns institutos muito conhecidos decidiram na verdade sair da área das pesquisas eleitorais, e isso inclui a empresa Gallup, que provavelmente é o nome mais conhecido no setor de pesquisas eleitorais. George Gallup fundou o instituto nos anos 1930 e este se tornou o mais importante do país. Mas depois de uma série de eleições difíceis, culminando em 2012, a Gallup saiu desse setor”, diz o professor, apontando que naquele ano o instituto previu que Mitt Romney estaria ligeiramente à frente de Barack Obama, que acabou vencendo a eleição.

Desde então, o instituto tem realizado outros tipos de pesquisa, como sobre valores, comportamentos e preferências de consumo dos americanos. O mesmo caminho foi escolhido pela empresa Pew Research Center, que em 2016 anunciou que não mais faria projeções sobre votos nas eleições nacionais e estaduais.

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W. Joseph Campbell diz que, entre conservadores, aversão à imprensa e às pesquisas eleitorais estão ‘intimamente ligadas’

“Mas a resposta mais comum dos institutos foi rever de uma forma rígida seu trabalho e experimentar novas abordagens. Esta experimentação tem sido muito impressionante. Este segmento está em busca de um novo padrão-ouro”, diz, explicando que institutos têm testado e combinado dados de postagens em redes sociais, recrutamento na internet de entrevistados recorrentes e de pesquisas demográficas.

As pesquisas telefônicas de discagem aleatória eram o padrão-ouro das sondagens nos Estados Unidos, mas têm tido uma taxa de resposta muito pequena, explica o pesquisador.

“Com o advento do telemarketing e dos identificadores de chamada, as pessoas simplesmente não querem atender uma ligação de um número desconhecido.”

“A internet se tornou predominante na forma como as pesquisas eleitorais são conduzidas. Isso pode vir para o bem ou para o mal, mas de qualquer maneira, a internet ainda não é reconhecida como o padrão-ouro das pesquisas eleitorais.”

Outro exemplo desta revisão pela qual está passando o mercado de pesquisas eleitorais nos EUA é um relatório publicado em 2021 pela Associação Americana de Pesquisa de Opinião Pública, que representa instituições e pesquisadores do setor. O relatório, assinado por quase 20 especialistas, debruçou-se os “erros das pesquisas” na eleição presidencial de 2020 nos EUA. O documento afirma que não se pode apontar um único e conclusivo motivo para as falhas — uma possibilidade real, mas difícil de ser comprovada, é a de que uma parcela significativa dos apoiadores do partido Republicano se recusou a participar de pesquisas eleitorais, estimulados por falas do ex-presidente Donald Trump contra essas sondagens.

Para W. Joseph Campbell, a “suspeição” maior de eleitores conservadores em relação às pesquisas eleitorais está relacionada à falta de confiança na imprensa que vem crescendo nesse campo político.

“As conexões entre os institutos de pesquisa e os veículos de imprensa podem ser muito fortes. Nos EUA, grandes empresas de mídia como New York Times, Washington Post e CNN têm operações próprias de sondagens ou trabalham em parceria com outras empresas nessa area”, aponta.

No Brasil, o instituto Datafolha faz parte do mesmo grupo empresarial do jornal Folha de S. Paulo, e o grupo Globo frequentemente encomenda pesquisas eleitorais de institutos especializados.

Confiança

Além da relutância de potenciais entrevistados — um fenômeno relativamente novo —, Campbell lembra que as pesquisas estão sujeitas a problemas que sempre existiram.

“No meu livro, eu mostro que há registro de erros em pesquisas eleitorais já em 1936”, diz, lembrando que há limitações na comparação entre cenários de diferentes países, já que os sistemas eleitoral e político podem ser muito distintos, além dos contextos socioeconômicos.

“Nos últimos dias antes da eleição, não é desprezível que os eleitores possam mudar de ideia, ou que os indecisos escolham por um determinado candidato. Essas mudanças tardias são muito difíceis de serem captadas pelas pesquisas.”

Após o primeiro turno no Brasil, institutos de pesquisa apresentaram possíveis explicações para as diferenças nos percentuais de intenção de voto por eles captados e as votações concretas que receberam os candidatos, como uma migração de última hora de votos de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) para Bolsonaro e uma abstenção alta que pode ter afetado mais os eleitores de Lula.

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Uso de telefone para pesquisas eleitorais se tornou um problema com a chegada do telemarketing, aponta professor americano

Representantes do Ipec, Datafolha e Quaest insistiram que não houve “erro” pois pesquisas eleitorais são retratos da intenção do eleitor no momento das entrevistas, e não uma ferramenta de previsão.

Mas, para Campbell, a proposta das pesquisas eleitorais é que seus resultados sejam o mais “confiáveis” possíveis, ainda mais perto da votação.

“As sondagens nem sempre estão erradas, às vezes acertam, às vezes mais ou menos. Mas elas têm errado com uma frequência considerável, e as pesquisas passaram a ser reconhecidas como um negócio de risco”, diz o americano.

“Acho que, privadamente, os membros da indústria de pesquisa reconheceriam que seu campo está passando por muitas dificuldades agora. Não é fácil fazer pesquisas, fazer bem e com sucesso. É muito caro, demorado e as taxas de resposta são muito, muito baixas. Portanto, há muitos fatores que tornam esse campo de atuação muito difícil atualmente.”

O pesquisador, autor de outros livros como Getting It Wrong: Debunking the Greatest Myths in American Journalism (“Errando: derrubando os maiores mitos no jornalismo americano”, em tradução livre), alerta também que erros em pesquisas eleitorais frequentemente estão associados a erros no jornalismo.

“Os jornalistas se baseiam fortemente nas pesquisas, e os resultados das pesquisas tendem a moldar a narrativa das campanhas políticas e das eleições”, aponta o professor.

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