• Julia Braun
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

Crédito, Getty Images

O vereador de Belo Horizonte Nikolas Ferreira, de 26 anos, foi o deputado federal mais votado do país e o mais votado da história de Minas Gerais.

Neste domingo (2/10), Nikolas obteve 1.492.047 votos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O recorde nacional anterior era de Eduardo Bolsonaro (ex-PSL, atual PL), que teve 1.814.443 votos nas eleições de 2018.

Depois do vereador mineiro, o segundo deputado federal mais votado do país é Guilherme Boulos (PSOL), em São Paulo. Com 100% das seções apuradas no estado, ele recebeu 1.001.472 votos.

Após a confirmação da eleição do parlamentar, o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) afirmou que conta com o apoio de Nikolas para atrair eleitores mais jovens.

“A gente acredita que o trabalho do Nikolas, junto à juventude, ajudará a gente a ter uma parcela maior de jovens votando em mim no segundo turno”, disse o mandatário em entrevista a jornalistas.

Mas não é apenas nas urnas que o jovem bolsonarista, que se define como “cristão, conservador e defensor da família” e foi eleito pela primeira vez para a Câmara de Belo Horizonte em 2020, chama a atenção.

As redes sociais são a principal ferramenta de divulgação do mineiro, que tem mais de 3,5 milhões de seguidores no Instagram e 2 milhões no TikTok.

“O deputado eleito tem uma atuação muito articulada nas redes sociais, com grande interação com seu público alvo, que é principalmente de jovens cristãos”, diz Eliara Santana, é pesquisadora do Observatório das Eleições (INCT IDDC) e do Instituto de Estudos da Linguagem IEL/Unicamp.

Em suas páginas, Ferreira se dedica principalmente às postagens sobre os temas que são caros aos eleitores do bolsonarismo, como religião, manutenção da estrutura da família tradicional, anticomunismo e a chamada luta contra a “ideologia de gênero”.

Os seus vídeos atingem milhões de pessoas e algumas de suas postagens tem mais 11 milhões de visualizações no Instagram e 16 milhões no TikTok.

Mas segundo Santana, a estratégia de redes sociais é tão bem-sucedida em seus objetivos porque consegue aproximar o universo religioso das igrejas ao mundo virtual, misturando participação em programas de televisão e podcasts, discursos na Câmara e sermões com postagens nas redes.

“O Nikolas Ferreira não teve sucesso político simplesmente porque tem uma presença nas redes sociais, mas porque ele se dedica a construir uma narrativa e uma argumentação que são bastante efetivas e que, nas redes sociais, ganham maior potência”, avalia Santana.

“Por exemplo: ele escreveu um livro intitulado O Cristão e a Política e foi a igrejas discutir o assunto. Essas visitas viraram vídeos para o YouTube, que são cortados para o Instagram e para o Twitter”, diz.

‘Porta-voz do ativismo conservador evangélico’

Um relatório elaborado pelo NetLab, grupo de pesquisa da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e intitulado ‘Evangélicos nas redes’ identificou o deputado eleito como um macro-influenciador que atua como um dos porta-vozes do ativismo conservador evangélico no Brasil.

Segundo os pesquisadores responsáveis pelo estudo, seus conteúdos muitas vezes giram em torno daquilo que eles classificam como uma “guerra político-cultural” que tenta opor os evangélicos a políticos e apoiadores da esquerda.

Crédito, Nikolas Ferreira / Instagram

“Esse vídeo é um alerta para abrir os nossos olhos para a guerra silenciosa que estamos vivendo”, diz ele em um vídeo de março, em que fala sobre uma “doutrinação” nas escolas e universidades e cita a criação de um exército pelo que define como “o inimigo” dos cristãos. A gravação tem mais de 240 mil visualizações e 55.000 curtidas no Instagram.

A ideia falsa de que há uma ameaça de perseguição religiosa aos cristãos no Brasil também aparece com certa frequência em suas redes sociais.

Em um vídeo de fevereiro, ele cita uma “guerra contra a igreja para poder tirar a influência do cristianismo”. “A esquerda brasileira só está dando os seus primeiros passos em caminho do que já está acontecendo na Argentina, no Chile e em outros diversos países”, diz.

Reportagem da BBC News Brasil mostrou como aliados próximos do presidente Jair Bolsonaro têm usado esse tipo de desinformação sobre perseguição a cristãos como forma de atrair votos.

Mas segundo especialistas, o discurso em torno da cristofobia não faz sentido em um país como o Brasil, onde 86,8% da população se identifica como cristã, entre católicos e evangélicos, segundo dados do censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Crédito, Nikolas Ferreira / Instagram

Legenda da foto,

Em um vídeo de fevereiro, Nikolas cita uma “guerra contra a igreja para poder tirar a influência do cristianismo”

Um ranking global elaborado pela organização Portas Abertas anualmente e que alerta para a perseguição a cristãos no mundo também não inclui o Brasil na lista, já que o país é considerado livre de qualquer opressão.

Nikolas Ferreira, enviou a seguinte nota à BBC Brasil sobre o tema: “Eu não me baseei em achismo ou levantei meras suposições, mas expus fatos que evidenciam igrejas sendo invadidas, imagens sendo quebradas e profanadas nos países da América Latina. A perseguição já existe. Inclusive, o amigo do Lula, Daniel Ortega, está fechando rádios católicas e perseguindo fiéis na Nicarágua. Desinformar é dizer o contrário.”

Humor e movimento anti-vacina

Muitos dos conteúdos produzidos por Nikolas Ferreira também misturam humor e paródias com os temas políticos. Em um vídeo postado no dia 22 de agosto, o vereador usa um trecho de uma propaganda política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em que o candidato à presidência afirma, de forma metafórica, que andará com as pernas de seus eleitores onde suas próprias pernas não puderem chegar.

Nikolas responde fingindo cortar as próprias pernas com um serrote. O vídeo é um dos mais vistos de seu perfil, com 11,3 milhões de visualizações.

Crédito, Instagram / Nikolas Ferreira

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Vídeo postado em agosto

Em outra encenação, ele se faz passar por um jovem que tenta entrar em um banheiro, mas é impedido por se declarar do “gênero homem”. “Num futuro bem próximo…”, diz a legenda da postagem.

“O Nikolas discute política pelo viés da religião, ao mesmo tempo em que usa uma linguagem muito jovem e articulada”, avalia Eliara Santana.

Mas o vídeo que o ajudou a ganhar notoriedade é do ano passado e foi gravado depois de Ferreira ser impedido de visitar o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, por não apresentar comprovante de vacinação contra a covid-19.

” Tá de sacanagem. Tá falando sério? A pessoa que não tem, já era, acabou, não pode entrar (….) E todo mundo aceita isso de boa?”, questiona o vereador a uma atendente no vídeo.

Após ser impedido, o parlamentar publicou nas redes sociais uma foto montagem como se ele tivesse conseguido visitar o Cristo.

Trajetória

Ferreira é formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e já afirmou que foi hostilizado várias vezes na faculdade por conta de seus posicionamentos conservadores, contra a esquerda, o feminismo e a ideologia de gênero.

Crédito, Getty Images

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Nikolas Ferreira e Jair Bolsonaro durante uma motociata em Poços de Caldas, Minas Gerais

Ele foi o segundo vereador mais votado em Belo Horizonte em 2020, quando concorreu pelo PRTB – hoje ele faz parte do PL, mesmo partido de Bolsonaro. Nikolas também coordena o movimento Direita Minas, divulgado nas redes sociais.

Em julho deste ano, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) abriu uma investigação sobre a conduta de Ferreira pela veiculação de um vídeo nas redes sociais em que critica a presença de uma adolescente transexual em um banheiro feminino de um colégio particular da capital.

Na publicação, o parlamentar apresenta um vídeo gravado pela irmã dele, aluna da escola, que mostra a adolescente utilizando o banheiro feminino, e questiona a presença dela, alegando “se tratar de um menino”. Ferreira ainda incentiva que os pais tirem os filhos daquela escola.

Por meio das redes sociais, Nikolas argumentou que não houve exposição do rosto, do nome ou de qualquer outro fator de identificação da adolescente.

Em nota encaminhada à TV Globo na época, Nikolas disse ainda que pretendia tomar as medidas cabíveis “em razão da calúnia, injúria e difamação que está sofrendo”.

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