• Rafael Barifouse
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

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Jair Bolsonaro (PL) teve votação mais expressiva do que indicavam as pesquisas

A votação do primeiro turno das eleições de 2022 pode ter sido surpreendente se comparada aos resultados das pesquisas, mas o historiador Sidney Chalhoub diz que não foi inesperada quando se pensa a longo prazo.

O professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, diz que, desde 2013, o país atravessa a terceira grande reação conservadora de sua história. “Mas as urnas mostram que ela não está se esgotando como se pensava.”

O historiador faz paralelos entre o momento atual com dois outros períodos em que houve uma grande reação de cunho conservador. O primeiro, afirma Chalhoub, foi ainda no século 19, quando o Brasil aboliu a escravidão.

“A classe senhorial ficou bastante irritada com o apoio da monarquia a isso (abolição), principalmente onde a escravidão ainda tinha força econômica, nas Províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, as que mais se opuseram à emancipação”, afirma o professor.

“O conservadorismo senhorial insistiu na escravidão até o fim e, depois, deu o troco na monarquia, que defendia a escravidão, mas, no final, se convenceu da necessidade de transformação social e pagou caro por isso.” No ano seguinte à abolição da escravatura em 1888, foi proclamada a República.

Golpe

O segundo momento, diz Chalhou, se deu no final da primeira metade do século 20, quando houve o reconhecimento formal dos direitos dos trabalhadores e da criação da Justiça trabalhista.

O historiador explica que o Estado passou a ser a partir de então, por meio do Judiciário, um árbitro das relações de trabalho, e o trabalhador, especialmente aquele ligado à classe industrial e operária, passou a ter a possibilidade de obter ganhos reais, contrariando os interesses empresariais.

“Houve uma reação forte do empresariado, que viu seu poder ser diminuído e reclamou que estava perdendo autoridade moral sobre os trabalhadores em uma época em que ainda vigorava uma relação de paternalismo que tratava a fábrica como uma família”, afirma.

“Quando houve a discussão para estender os benefícios aos trabalhadores rurais, isso parece ter sido a gota d’água que levou ao golpe de 1964, que impôs um limite ao reconhecimento dos direitos dos trabalhadores.”

Novo mundo

Agora, estamos vivendo uma terceira grande reação conservadora no Brasil, na avaliação de Chalhoub, que tem sua origem na Constituição de 1988, conhecida como “Constituição cidadã”, por ter instituído direitos civis de forma inédita até então.

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Bolsonarismo fez demonstração de força através das urnas

O historiador diz que esse processo se estendeu pelas décadas seguintes com decisões da Justiça que reconheceram direitos de comunidades indígenas e quilombolas, mulheres, negros, pessoas LGBTQIA , entre outros grupos sociais, e a criação de políticas afirmativas voltadas para esses segmentos da população.

“No período democrático pós-1988, não apenas esses direitos continuam em vigor como foram expandidos, e isso causou uma reação conservadora muito grande a partir de 2013, especialmente na área dos costumes”, diz o professor de Harvard.

“O Brasil da Constituição de 1988 foi sepultado com o golpe do impeachment de Dilma Rousseff em meio ao surgimento dessa direita poderosa, de forma bastante coerente com o que já havia ocorrido na nossa história a longo prazo.”

Sob essa perspectiva, Chalhoub diz que a eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018 foi a culminação de um processo iniciado cinco anos antes, na figura de um “líder carismático que tem uma conexão com essas massas de conservadores e simpatizantes da extrema-direita no país”.

“Aquilo surpreendeu em 2018 e surpreende agora de novo com uma nova demonstração de força eleitoral da extrema-direita brasileira e não apenas do próprio Bolsonaro”, afirma o historiador.

Não apenas o presidente teve uma votação bem acima daquela prevista pelas pesquisas, mas muitos de seus aliados e membros do seu partido foram eleitos para o Congresso e para governos estaduais.

“Precisamos entender o que muda na vontade do eleitor nesse novo mundo em que as redes sociais são mais importantes do que outras formas de fazer campanha eleitoral, porque algo deu errado, e as pesquisas não detectaram esse panorama”, afirma Chalhoub.

Os levantamentos apontavam na direção contrária, diz o professor, e indicavam que representantes deste campo político estavam perdendo força e para um possível esgotamento da reação conservadora que teve início na década passada.

Na perspectiva histórica, é esperado que isso ocorra em algum momento porque as outras reações conservadoras se encerraram em algum momento, e o Brasil não voltou a ser escravista ou deixou de ter direitos trabalhistas, afirma Chalhoub.

“A reação conservadora à abolição da escravatura continuou República adentro, a reação que culminou no golpe de 1964 levou a uma ditadura de mais de 20 anos. Essa reação atual vai completar uma década e parecia haver um movimento de esgotamento até pela hecatombe que foi esse governo”, avalia.

“Mas essa onda eleitoral indica que não só não se esgotou, mas pode, apesar da sua vocação antidemocrática, sobreviver democraticamente e ter força para influenciar a democracia, porque conta com uma quantidade grande de eleitores. Na verdade, tudo indica agora para uma resiliência e uma continuidade de longo prazo e, agora, nem sabemos se essa reação conservadora será derrotada neste ciclo, e isso surpreende.”

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